HUMBERTO LYRIO DA SILVA
Nasceu em Corumbá, Mato Grosso do Sul, em 29 de novembro de 1918. Desde cedo passou a residir na Bahia. Engenheiro, jornalista, ocupou inúmeros cargos em diversos órgãos.
SILVA, Humberto Lyrio da. Ode a Artur Sales. Salvador: Edições Centro Teodoro Sampaio, Imprensa Oficial da Bahia, 1952. folheto “ Humberto Lyrio da Silva “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Retrato do poeta Arthur Sales
Palavra — meu grilhão, meu desencanto,
Taça em que o vinho das paixões transborda,
Praia do espírito que apenas borda
Emoldurando o oceano do meu pranto —
Como compor contigo a wagneriana
Sinfonia de dor que torna insana
A alma apoiada ao coração mais forte?
Que és tu, palavra vã, diante da morte
Cuja mudes de pedra nos assombra?
A morte — ó Céus! — eu não maldigo a morte,
A morte humana que mergulha em sombra
Poderes e vaidades deste mundo.
Não na maldigo, não, que nela imersos
Esses de Deus amados mensageiros,
Mais vivos do que dantes, iluminam
Pelos sons, pela cor, mármore ou versos,
Os nossos tristes dias passageiros.
Não maldigo, em si mesma, a humana morte:
Maldigo, apenas, a fraqueza minha
Que desolada me tornou a sorte
Pela saudade que em meu peito aninha,
Pelo cilício cru que ora me cinge
Embora eu saiba que não morre o artista:
— Cerra, os olhos, apenas, e conquista
Amplidões que somente o voo atinge.
E foste, Artur de Sales, à conquista
Do teu sonho legítimo de Artista!
Noutros mundos, tangendo a lira de ouro
Que foi, na Terra, o teu maior tesouro,
Contarás ao Eterno as nossas penas
Pelos atalhos das paixões terrenas.
IS Lhe dirás do esforço denodado
Com que buscamos essa trilha reta
Encontrada por ti, sereno asceta,
No excelso exemplo do Crucificado,
Óh! Pede para nós, tu, que és humilde
Como o Divino Mestre, que nos caiba
Uma graça — a humildade — entre mil
De quantas possa Deus aquinhoar o mundo.
Ê necessário, Artur, que nos chegue essa graça,
Pois tudo o mais é vão: ondeia, brilha e passa.
Humildade a Jesus, e tê-la, se há quem saiba
Ninguém mais do que tu, cujo crâneo fecundo
Encerrou o infinito em finita matéria,
Sem que do coração fizesses negra lura
Em que o orgulho movesse a triste forma impura
Entre a luz de tua alma e esta nossa miséria.
Ouve, meu caro Artur, já se me extingue
O canto. Mas dentro em mim, tumulto
De procelosos mares toma vulto.
Quero de Cristo o látego, que vingue
O teu exílio nesta terra ingrata
E a dor que te causaram mercadores
De honrarias, haveres e favores
Que nunca aos poderosos mendigaste,
Tanto a efêmeras glórias desprezavas.
Artur, em tom marcial, a ode termino,
Pois louvo ao Poeta e ao Herói que, por contraste,
Demonstrou como as atitudes bravas
Podem caber no corpo mais franzino ;
Quanto pode o valor contra a vertigem
Social, que logo impõe dobres na origem
A todo aquele que começa a vida.
Injustiçado, não fugiste à lida;
Nas ante-salas ninguém viu teu vulto;
Por isto, Artur de Sales, teu exemplo
Pedra será fundamental do Templo
Onde à Virtude os moços rendam culto.
Página publicada em maio de 2015.
|