AMÉRICO CALHEIROS
AMÉRICO FERREIRA CALHEIROS é professor, poeta, escritor e teatrólogo. Formado em Letras, com especialização em Língua Portuguesa, cursou a Escola de Teatro Martins Pena, no Rio de Janeiro, buscando aprimoramento no teatro vinculado à educação. Criou o Grupo de Teatro Amador Campo-grandense (Gutac), escreveu e produziu mais de 80 espetáculos teatrais introduzindo essa arte em escolas e comunidades e incentivando um grande número de artistas.
Membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, é autor das seguintes obras: Sem Versos, Coletânea de Textos Teatrais de Escritores de MS (em parceria com outros autores), Memória de Jornal, Da Cor da Sua Pele, A Nuvem que
Choveu e Na Virada da Esquina. Com expressiva trajetória em favor da cultura sul-mato-grossense, foi presidente da Fundação Municipal de Cultura (Fundac) e atualmente preside a Fundação de Cultura do Estado de Mato Grosso do Sul.
"Numa profusão de imagens, intertextos, recortes, mosaicos, pedaços de frases, neste livro Américo Calheiros recoloca sua paixão pela linguagem, ao mesmo tempo descontraída e compromissada com a reconstrução da simplicidade complexa do dia-a-dia, revigorada pelo refluir das lembranças. " ALBANA XAVIER NOGUEIRA
"Lendo o Poesia, pra que te quero, livro de poemas de Américo, penetrei numa espécie de túnel de imagens da infância e mocidade, em terras do sul de Mato Grosso. Mesmo tempo, mesmo espaço. Sensação de sermos raízes de uma única árvore plantada em solo de cerrado. Esse vínculo é tão forte e fraterno que a leitura encheu-me de prazer." RAQUEL NAVEIRA
De
Américo Calheiros
Poesia pra que te quero
Campo Grande, MS: 2007. 105 p.
HISTÓRIAS NAS CALÇADAS
Noite vestida de lua
beijava ingênuas calçadas.
Em ritual não combinado
família reunida fazia sonhos.
Noite inspirava a província,
gente simples sorria no improviso
dos causos de cada imaginação.
Criança se sustentava no suspense,
atenta aos acordes dos enredos.
Mais velhos teatravam estórias,
o tempo parava na exclamação da mãe,
a hora corria na interjeição do pai.
Tudo era velho com cara nova,
não importava se era só repetição
de estórias contadas no sempre,
cada uma delas tinha sabor de prazer.
Boas eram as de assombração,
o frio escondido na barriga,
o sono, um desafio ao medo.
Quão longe foram as mentes
hoje presas aos controles digitais.
POESIA OBLIQUA
Não deixe pela metade
a poesia,
escreva-a de trás pra frente.
deitado,
de ponta cabeça serve,
comendo
sons entre arroz e feijão.
Respire
palavras no galope do ofício
diário.
Pelo amor de Deus, esqueça
modelo
que revele a preguiça poética.
Construa
poesia oblíqua a tudo.
TERERÉ AMIGO
A erva verde convida
à prosa de amigos,
a bebida de faz-de-conta,
com gosto de mato,
tem a delícia da convivência.
O motivo é o tereré,
a razão é o carinho
que engana o tempo,
refaz lembranças,
modifica o mundo,
cultiva histórias sem fim.
A conversa é um terço,
tem contas pra mais de metro,
todo dia de sempre e anos,
no embalo da roda amiga
o tereré embala palavras,
e, de boca em boca,
permite silêncio também.
De jovem, velho e criança,
de homem, mulher e outros.
O gelado da água
extrai a força ancestral da erva.
Faz bem pra saúde,
diz o sábio pantaneiro.
Faz bem pra alma,
diz o gaúcho que aderiu à moda.
Tereré tá no asfalto e na fazenda,
no pantanal tem seu lugar.
A modernidade não matou o desejo.
REVISTA DA ACADEMIA SUL-MATO-GROSSENSE DE LETRAS. No. 17. Setembro de 2010. Campo Grande, MS; 2010.
Ex. cedido por Rubenio Marcelo
O amor é uno
Amor desanda o velocímetro do tempo,
debocha dos desamados e outros comuns.
Corpo do objeto amado: verbo é poesia.
Cada palavra transpira o prazer da chuva.
Rolar dos vocábulos entre pingos de mistérios:
o tempo para de roer o futuro.
Corpo e alma pedem desculpas à dualidade,
afinal no amor tudo é um só.
O anjo vagabundo
Mais manso do que gato de madame
tá lá o bicho esticado na sucata de sofá,
cai a casa na cabeça e preguiça idem.
O tempo misturado com álcool tem outro estilo,
no sono de Gabriel, inveterado amante,
tem mulher de todo jeito, tipo e bunda
e dinheiro, saindo pelo ladrão.
Dono do carteado e da maliciosa sinuca,
esse anjo vagabundo não pensa, respira
e faz do cheiro do seu corpo e da palavra boba
a cilada perfeita pra seus parcos intentos.
Todo dia é domingo na folhinha de Gabriel,
a noite é apenas uma cúmplice, detalhe do dia,
pra que sabe nos telhados andar felino
arranjar sustento, alegria e arte no amor
O anjo economiza problemas e esbanja humor
depois de um banho, perfume barato e cabelos no lugar,
as ruas da vila são pequenas diante de seu gingado.
Tudo seria muito lingo pra sempre,
se uma bala raivosa, de um marido chifrudo.
não mandasse de volta para o céu de neon
o desafortunado anjo Gabriel.
*
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Página ampliada e republicada em julho de 2022
Página publicada em dezembro de 2010 |