LAMARTINE F. MENDES
Lamartine Ferreira Mendes (1895, MT-?), poeta, professor e promotor de Justiça e auditor da Justiça Militar da Força Pública de São Paulo, onde morou por vários anos, por isso sendo reivindicado como escritor paulista. Membro da Academia Mato-grossense de Letras.
De
Lamartine F. Mendes
AGUAS PASSADAS
São Paulo: São Paulo Editora Limitada, 1932
77 p ilus
Ilustrações de Luigi Andrioli
SONHEI comtigo. Coimo a nevoa fina
que aos ares sobe, nas manhãs de maio,
e que a brisa espirala, de soslaio
deslizando na fronde esmeraldina.
ascendias, risonha e peregrina,
branca, vestida do mais lindo raio
do sol, que te beijava, com desmaio
amoroso, entre o manto da neblina.
E deslumbrado eu te mirava, quando,
o coração dentro do peito arfando,
me vi ao lado teu, mudo e tristonho.
Chegaste a mim. O céo era tranquillo.
Mas, para que contar-te tudo aquillo,
se tudo aquilo não passou de um sonho?
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ÀS vezes, penso: ella não sabe ainda
que estes versos são seus, que o seu semblante
nelles esplende, lindo como a linda
face da lua à flor do céo distante.
E, igual à de um crepusculo, que finda,
ao assalto da treva apavorante,
a alma me invade uma tristeza infinda,
e o coração palpita a cada instante.
Mas, eis, sorrindo alegre, em minha mente
surges. E esqueço a magua, de repente,
e me entrego ao sonhar a que me animas.
E ahi me tens, novamente, como agora,
cantando. E, ah! como estás perturbadora,
vista através de sonhos e de rimas.
MENDES, Lamartine. Serras e pantanaes. São Paulo: Estab. Graph. Irmãos Ferraz, 1927. 78 p. 16x23 cm. “ Lamartine F. Mendes “ Ex. na bibl. Antonio Miranda “
A COBRA
Dizem que a cobra só merece nojo,
que é repugnante e vil, porque a estatura
ela não tem bela de forma e altura,
e não se alça nos pés, mas vai de rojo.
Dela porém, coitada, eu não enojo,
eu não, que de amargura em amargura,
do mundo vou pela charneca impura
a me arrastrar, na lama em que espojo.
Ao vê-la que coleia pela estrada,
esconjura-a de horror, corre-a a pedrada,
esmaga-lhe a cabeça toda a gente.
Eu não, que sofro as mágoas, que a consomem,
que dou abrigo em mim, porque sou homem,
a uma alma venenosa de serpente.
ANTES DA CHUVA
Fugindo à tempestade ora iminente,
voam juntos, com medo, o corvo e a pomba.
De rouca artilharia, que ribomba,
há pela altura o trovejar crescente.
Rasga, retalha o céu o raio. Tomba
o cedro, a bracejar, como um demente.
O vento em fúria, a uivar, de tudo zomba,
continuamente, ameaçadoramente.
Do vendaval ao formidando impulso,
tolda a procela a face do infinito.
A tarde triste arrefecendo vai.
É quando, enfim, em turbilhões, convulso,
ao rataplã das gotas esquisito,
do pardo firmamento a chuva vai.
Página publicada em junho de 2011, ampliada e republicada em agosto de 2014.
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