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ACCLYSE DE MATTOS
Aclyse Mattos nasceu em Cuiabá em 1958.
Poeta, professor da UFMT. É coordenador dos cursos de Comunicação
Social da Univag. Os poemas acima integram a antologia poética:
“Quem Muito Olha a Lua fica Louco”.
Graduado em graduação em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1982), especialização em Propaganda e Marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing -RJ(1989); mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (2000) e doutorado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (2014). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso.
Extraído de
POESIA SEMPRE. Ano 8 – Número 12 – Maio 2000. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Ministério da Cultura, Departamento Nacional do Livro, 2000.
Cerco
Faça de conta que está chovendo.
Não é difícil,
esta semana tem chovido pouco.
Agora pense que não muito longe,
sitiando completamente a aldeia,
estão as onças-pintadas.
Seu pelo parece a sombra dos pingos da chuva
e os bigodes de seu focinho
têm pequenos diamantes de água
não se sabe se gota ou saliva.
Além de tudo isso é a época das cheias.
As águas do Paraguai, do Cuiabá, do Piquiri
ilham completamente a aldeia no Pantanal.
Não há pontes. A pólvora estava no paiol
que se inundou com um vazamento do teto.
Armas de fogo falham sob a chuva.
Entre os ranchos e as casa
Folhas de acori e bolinha de bocaiuva
caem com as rajadas de chuva.
Falta pouco para a vingança.
A aldeia cercada de onças
vai ser comida do mapa.
Estranha cidade-fantasma:
Antes foi guerra do Paraguai
depois pelejas de vaqueiros.
Mas agora é que é fatal.
As cheias do Pantanal
e o sítio das onças pintadas
fazem das gotas de água
estranhas centenas de minifantasmas
voando pelos quintais.
Agora faça de conta que não existe o medo
e espere seu fim
com altivez.
Afinal nada é melhor para a alma
que vagar nos pantanais.
Escarac
Escorpiões do sol e aranhas da lua
signos que por si
fazem os planetas girar
quanto mais
os círculos de gás dos lampiões
da cabana sozinha sob o morro
a primeira aranha
quieta
entre as banquetas do alpendre
jogamos álcool e fogo
e ele saiu andando e ardendo
como uma estrela azul
com negras pernas
A segunda aranha veio da roça
de onde a haviam destocado
e passou sob a ponte
antes de se crestar
em chamas amarelas de algodão
A terceira aranha
veio procurar as outras
sob a pesada porta
media quase um palmo
de pêlo preto ambulante
e sua queima impregnou
todo o ar da noite com o cheiro de cachaça
e sua estranha carne de algarismos
A quarta aranha
quase nos lençóis
diminuta e com bandas vermelhas
todas na mesma noite
esmagadas com líquidos cristais
Os pais e os avós
confabulavam sob a lua
e as crianças podiam dormir
sem susto diz a mãe
Em todos os fevereiros
sonho com a noite das quatro aranhas
cruzando em chamas
pela gleba nascente
e poucas casas
e o brilho azul movediço
e os estalos de seus corpos
como estrelas negativas se apagando
22.2.98
LB revista da literatura brasileira. 25 - Direção: Aloysio Mendonça Sampaio.
São Paulo, SP: 2002. 46 p; 14 x 21 cm. Ex. doado pelo livreiro BRITO – Brasília- DF
Mercado de Peixes
Piraputanga pacu pacupeva
pintado piranha piava
dourado cachara rubafo
jaú lambari corimbatá
— Quem qué comprá?—
Diz o vendedor
um dente amarelo na boca
seu barco certo nunca viu
leme ou timão, siquer motor de popa.
O pito no canto da boca
que dança pra lá e pra cá
ao canto de apregoá:
— Bagre pacu corumbatá!
Lá fora o rio, manso
dança a certeza de cair no mar,
mais tarde, muito mais tarde,
com lentidão de sol de meio-dia.
— Quem qué compra?
Olha que a vida anda cara.
Corimbatá ou cachara?
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O Cerco
Faça de conta que está chovendo.
Não é difícil,
esta semana tem chovido muito.
Agora pense que não muito longe,
sitiando completamente a aldeia,
estão as onças pintadas.
Seu pelo parece a sombra da chuva
e os bigodes de seu focinho
tem pequenos diamantes de água
não se sabe se gota ou saliva.
Além de tudo é a época das cheias.
As águas do Paraguai, do Cuiabá, do Piquiri
ilham completamente a aldeia no Pantanal.
Não há pontes. A pólvora estava no paiol
que se inundou com um vazamento do teto.
Armas de fogo falham sob a chuva.
Entre os ranchos e as casas
folhas de acori e bolinhas de bocaiuva
caem com rajadas de chuva.
Falta pouco para a vingança.
A aldeia cerca de onças
vai ser comida do mapa.
Estranha cidade-fantasma:
antes foi Guerra do Paraguai
depois pelejas de vaqueiros.
Mas agora é que é fatal.
As cheias do Pantanal
e o sítio das onças pintadas
fazem de gotas de água
estranhas centenas de mini-fantasmas
voando pelos quintais.
Agora faça de conta que não existe o medo
e espere seu fim
com altivez.
Afinal nada é melhor para a alma
que vagar nos pantanais.
Cão na Chuva
Ele não era para estar ali
olhos avelã sob a cabana relâmpagos
um cachorro molhado
na paisagem molhada
dentro da chuva molhada
que nada na bandeira da lua
seu silêncio de dentes
seu coração de dúvida
seu pelo de chuva
insistentemente presente
Ele não era para estar ali
emblema de abandono
Página ampliada em outubro 2023
Página publicada em maio de 2018
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