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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



XAVIER DE CARVALHO

(1871 - 1944)

 

 

Poeta, Inácio Xavier de Carvalho nasceu em São Luís no dia 26 de agosto de 1871. Integrou, juntamente com Antonio Lobo e Fran Paxeco, entre outros, a Oficina dos Novos, movimento de renovação literária empreendido por um grupo de escritores maranhenses no início do século XX.

Não há registros confiáveis sobre sua juventude. Com certeza, sabe-se apenas que estudou Direito em Recife, de onde retornou para o Maranhão. Aqui, exerceu cargos como o de promotor público, juiz municipal e professor de literatura no Liceu Maranhense. Colaborador assíduo dos jornais de sua época, deixou escritos dispersos no Pará, Amazonas e Maranhão, tendo publicado pouca coisa em livro.

Em 1893, com a idade de 23 anos, lançou sua primeira obra, intitulada Frutos Selvagens. O meio literário de São Luís vivia então um momento marcado pela mudança e pela ruptura. As forças da renovação artística, representadas principalmente por Antonio Lobo, insurgiam-se contra a herança da poesia fácil dos cultores do romantismo, movimento que ainda permanecia em voga entre os poetas locais.

A estréia de I. Xavier de Carvalho em livro contribuiu para inaugurar uma nova fase na literatura maranhense, embora tenha ele próprio causado certa reação entre os renovadores da Oficina dos Novos por conta de sua inclinação para o simbolismo, visto por alguns destes como uma escola decadente e estéril.

Cultor do soneto e detentor de grande domínio técnico, I. Xavier de Carvalho foi um poeta suave, impregnado pelo verso simbolista, contido, mas também parnasiano em muitas passagens, o que certamente contribuiu para dar corpo ao equívoco crítico de considerá-lo um romântico tardio. Na verdade, ele foi, antes de tudo, um artista perfeitamente integrado à corrente poética de seu tempo, marcada pela difícil convivência entre o parnasianismo e o simbolismo.

Político por vocação e gosto, I. Xavier de Carvalho viajou por Minas Gerais, Amazonas e Pará no exercício da magistratura, cedo perdendo contato com o Maranhão, para onde jamais regressou. Embora tenha permanecido bastante ativo, publicando periodicamente em jornais, consta que sua última obra, Parábolas e Parabolas, data de 1919.

Morreu no Rio de Janeiro em 17 de maio de 1944. 

Fonte: www.patrimonioslz.com.br/

 

 

O SINO DE SÃO PANTALEÃO

 

Em minha terra, o sino mais sentido,

o mais triste de todo o Maranhão,

é o grande sino, há muito erguido

da velha e secular São Pantaleão...

 

Todo enterro ali passa... E ele dorido,

vendo-os passar, soluça na amplidão...

E é tão forte e é tão fundo o seu gemido

que a todos espedaça o coração!

 

Eu avalio a mágoa desse dobre,

quando meu velho Pai, vida tão nobre,

diante da Igreja, em seu caixão passou...

 

O sino gemeu tanto, nesse dia,

que, eu de tão longe, ouvi, na alma vazia,

os dolorosos ais que ele dobrou!

 

 

(Frutos Selvagens/1894)

 

 

FLORES DO PALCO

 

Quando ela os braços, em feitiços, alça

Em forma de arco se mexendo toda

Numa alegria franca, nada falsa,

Em risadas e oulos, semi-douda;

 

Ou mais ainda quando, em sons de valsa

Ela ergue as saias como exige a moda

Para mostrar a rendilhada calça

Que sob a renda as coxas lhe acomoda;

 

Tremente de volúpia todo o povo,

Que assim a vê, obriga-a ali de novo

A cantar e a dançar de novo a obriga...

 

E ela acede... e, em maior desenvoltura,

Redobra de furor mostrando a altura

Onde nas coxas ela aperta a liga!

 

 

(Extraído de Filomatia, 31-12-1895, por Clóvis Ramos)

 

 

NOIVAS MORTAS

 

Essas que assim se vão, fugindo prestes,

De ao pé dos noivos, carregando-os n'alma,

Amortalhadas de capela e palma

demanda dos páramos celestes;

 

Essas que, sob o horror que a morte espalma,

Vão dormitar à sombra dos ciprestes

Em demanda dos páramos celestes

Amortalhadas de capela e palma;

 

Essas irão aos céus, de olhos risonhos,

Por entre os Anjos, pelas mãos dos Sonhos,

De asas flaflando em trêmulos arrancos,

 

De Alvas Grinaldas pelas tranças frouxas

De olhos pisados e de olheiras roxas,

Todas cobertas de Pecados Brancos.

 

(Missas Negras/1902)

 

 

VOLTA

 

Por desertos, por íngremes terrenos,

Fui um dia aos serões desta Ansiedade

Ver se ainda ouvia um só gorjeio ao menos

Do bando exul das aves da Saudade...

 

Debalde eu fui! O horror da tempestade

Tombando como pérfidos venenos

Dos amplos céus de minha Mocidade

Matara de uma vez todos os trenos...

 

Do alma horizonte pelas grandes curvas

Vi apenas milhares de aves turvas

Numa expansão dantesca de asas tortas...

 

E eu voltei... E ao chegar da casa em frente

Vi cair, aos meus olhos de Doente,

Um triste bando de andorinhas mortas!

 

(Missas Negras/1902)

 

 

ALMA

 

As idéias, transforma-as em gaivotas!

E vai da Glória aos píncaros da serra

E mostra ao riso alvar desses idiotas

Teus versos como flâmulas de guerra!

 

Como um Titã que nos espaços erra,

Faze um roteiro azul de Estranhas Rotas,

Alma! e fulmina os imbecis da terra

Entre raios de Másculas Derrotas!

 

Rasga nuvens esplêndidas de Frases

Ora em poesias longas e mordazes,

Ora, nos versos de uma simples quadra!

 

E, em complemento após da Glória Tua

Ficarás lá por cima como a Lua

E eles embaixo como o cão que ladra!

 

(De Carvalho, I. Xavier. Missas Negras. Manaus:

 Livraria Universal de M. Silva &C. 21, 1902.)

 

EU!

 

(Aos que me não compreendem)

 

Vamos, pobre infeliz! Muda em asas teus braços!

Desfere o vôo teu, no anseio profundo,

Para o local que houver mais alto nos espaços,

Para o trecho do céu mais distante do mundo!

 

E uma vez lá chegando, errante e vagabundo,

Desta vida cruel liberta-te dos laços

E atira-te, a cantar, do precipício ao fundo...

Quero ver-te cair dividido em pedaços!

 

Morre como um herói! Deixa que o Meio brama!

Fecha o ouvido ao Elogio e os olhos fecha à Fama

E despreza da Inveja as pérfidas alfombras...

 

E morre, coração! Pois, ao morrer, enquanto

Tens Injustiças de uns, tens bênçãos de outro tanto...

– Morrerás como o Sol – entre Luzes e Sombras!

 

(De Carvalho, I. Xavier. Missas Negras. Manaus:

Livraria Universal de M. Silva & C. 21, 1902.)

 

 

CHEGANDO...

 

II

 

D’onde venho não sei... Venho de faina em faina

Misterioso a correr desolado e tristonho...

Venho talvez de um céu onde a dor não se amaina

Ou, quem sabe? Talvez dos infernos do Sonho!

 

Fica a terra queimada onde meus pés eu ponho...

- De entre as dobras cruéis desta minha sotaina

Jorro poemas sem luz de Extremismo medonho...

D’onde venho não sei...Venho de faina em faina...

 

O gemido fatal que do meu lábio escapa

Faz tremerem os reis...e até tu mesmo, ó Papa,

Deixas rolar da mão o báculo que trazes...

 

E ao fulgor infernal de meus olhos à tona

Sinto que ao meu olhar tudo se desmorona,

Que a sociedade atual estremece nas bases!

 

III

 

Venho, em nome do Céu, atroando pelo espaço

A busina da Dor, sombria e merencórea...

- Venho quase a morrer, de fracasso em fracasso,

Para depois viver de Vitória em Vitória!

 

Meu peito não é mais que uma tumba marmórea

A destilar o Mal e o Bem por onde eu passo...

-Trago repleto o olhar de pedaços de Glória,

-Tudo morre e sucumbe ao poder do meu braço...

 

Sou Lusbel e sou Deus! Nasci do mar na espuma

Ou da terra no chão! Sou tudo e nada em suma...

-Sobre mim do Universo a atenção se concentra,

 

Pois desejo afinal, com as palavras em Jogo,

Envolver a mulher em círculos de fogo

Para, em nome do Céu, infecundar-lhe o ventre!

 

 

AGOSTO

(Em meu aniversário)

 

Quem acaso nascer nas desoladas

Segundas-Feiras d’este mês odioso

Matará, entre as pálpebras inchadas,

Em dilúvios de Lágrimas, o Gozo...

 

E, entre destroços de Ilusões Fanadas,

No alto do céu do coração choroso

Terá mágoas de pássaros seu pouso,

Constelações de Crenças Apagadas

 

Terá, nos olhos, sombras de esqueletos

E Ironias fatais de Risos Pretos,

Em contrações de boca pelo rosto...

 

E morrerá sem ter vivido em suma!

Por isso, poeta, é que nasceste numa

Segunda-Feira fúnebre de Agosto!

 

 

TÍSICAS

(A um amigo cuja noiva a tuberculose matou)

 

Não sei por que, sob as pestanas pretas

Dos tristes olhos das tuberculosas,

Em vez de lírios e em lugar de rosas,

Deus plantou dois canteiros de violetas...

 

Por que as prendeu em mórbidas grilhetas,

Cheias de tosse débeis e queixosas...

Por que as fez tão franzinas e nervosas,

Fracas e frágeis como as borboletas!

 

Porque às faces sem cor dessas vencidas

Pôs o traço das noites mal dormidas

Entre olheiras de anêmonas e goivos!

 

Por que as leva, por fim, de olhos risonhos,

Em suplícios tantálicos de Sonhos

De entre as almas agônicas dos Noivos!

 

 

A MIM MESMO

 

“Toda a faixa estelar da estrada de S.Tiago...”

(D.João de Castro)

 

Quando morrer o derradeiro arrojo

De teu olhar, e a derradeira chama

Do teu peito apagar-se... e tu, de rojo,

Tornares-te em cadáver sobre a cama;

 

Quando longe das Glórias e da Fama,

Morreres sucumbido pelo Nojo;

Quando esse corpo vil de barro e lama

Cair, enfim, de um túmulo no bojo

 

Tu’alma, então, voará num doce arranco,

No éter sumida como um cirrus branco

Sob os raios de um Sol mais amplo e digno

 

E voltará ao Céu, num Sonho Mago,

Para habitar a estrada de S. Tiago

Sob a forma simbólica de um Signo!

 

 

CRENÇAS

 

Meu coração é um campo santo cheio

De céus sem luz e músicas sem claves,

É um cemitério vasto em cujo seio

Vê-se uma Igreja de alvacentas naves...

 

De sobre as amplas cruzes que há no meio

Do chão, por entre as catacumbas graves

O fogo-fátuo trêmulo do Anseio

Matou as flores e espantou as Aves...

 

Ali, quando alta noite o som das onze

Chora magoado no saudoso bronze

Em vibrações nostálgicas e imensas,

 

Abrem-se as covas e, em montões de escombros,

Alvas mortalhas carregando aos ombros,

Passa um bando esquelético de Crenças!

 

 

ANTE UMA OSSADA EM RUÍNAS

 

Aquela ossada que ali jaz, aquela

Montanha de ossos, frios, regelados,

Foi, quem sabe? talvez de alguma bela

Ou de algum dos antigos potentados?

Quem sabe?...e, no entretanto, abandonados,

Pernas, braços e mãos, pés e a amarela

Dentadura no chão restam poeirados,

Restam caídos! Que medonha tela!

 

— Um pronunciado riso de ironia

A esse valor efêmero e instantâneo

Que a gente, em vida, empresta ao mundo e a tudo

 

Como que sai daquela ossada fria,

Dos dentes da caveira, e de entre o crânio,

Daquele crânio eternamente mudo!

 

 

A UM RICO

 

Das nuvens cor de rosa da opulência

Tentas em vão bater a Desventura,

E, no entretanto, quanta noite escura,

Em vez de auroras, veste-te a existência!

 

Quantos desses que vivem na indigência

Dos restos do que comes à procura,

Mais do que tu não vivem na Ventura

-Da pobreza na pálida aparência?

 

Quantos desses que dentro dos farrapos

De uns, em pedaços, miseráveis trapos

Que lhes servem de capa ao corpo nu,

 

Quantos desses que míseros, sem nome,

Se revolvem no pélago da fome

Não são mais venturosos do que tu?

 

 

A UM JOGADOR

 

Tu’alma, essa infeliz de vícios farta,

Num baralho, a correr, toda se encerra.

Teu pão é o trunfo, teu futuro é a carta,

Numa marcha de escândalos que aterra!

 

O pano verde: - eis tudo! – Sobre a terra

Chovam raios de fogo e o céu se parta!

Tua idéia, quem pode emocionar-t’a

Embora o mundo se arrebente em guerra?

 

No az, no rei, na dama, no valete,

Dois e três, quatro e cinco, seis e sete,

E nas mais cartas teu porvir se perde!

 

Tens a honra escondida nas cartadas,

Nos ouros e nos paus, copas e espadas,

Na atração infernal do pano verde!

 

 

A UM COVEIRO

 

Constantemente o sino a ouvir terrível

Em por defuntos, prolongar os dobres,

Tu que colocas todos num só nível:

- Fidalgos e plebeus, ricos e pobres;

 

E em pás de terra tristemente encobres

Os vis despojos da existência horrível

Dando todo o vigor dessas mãos nobres

Em prol do sono último e infalível;

Tu que roubas o morto à luz e ao mundo

Ao cavar-lhe o jazigo – faze-o fundo,

O mais fundo, o mais fundo que puderes!

 

Se a carne após o túmulo inda sonha

Livrá-la-ás ao menos da vergonha

De ouvir missas, latins e misereres.

 

 

A UM CARRASCO

 

Quando da forca, tristemente à borda

Fores executar um condenado

—Nunca tragas o peito contristado,

Nunca tremas a mão – puxando a corda!...

 

Mal o infeliz tu tenhas enfrentado

Das misérias da Vida te recordas!

Dos pulsos teus todo o vigor acorda

E quanto antes enforca o desgraçado...

 

Não tens a maldição, como alguns pensam

Pelo contrário, fazes jus à bênção

Do executado a quem tiraste a vida...

 

Se a cabeça que cai do cadafalso

Pudesse, acaso, te correr no encalço

Te beijaria as mãos, agradecida!

 

 

 

POETA

 

Sobre o largo portal do castelo onde mora

Meu grande coração de escritor insubmisso,

Inundada na luz de um resplendor de aurora,

Há uma lira de Rei feita de ouro maciço.

 

Ao meu trono enfrentar, trono de ouro inteiriço,

Curvam-se as vibrações da Palavra Sonora...

-E, embora seja o aplauso obrigado e postiço,

As mãos de muitos reis batem-me palma, embora!

 

Um soneto ao fazer, cheio de versos lautos,

Partem do meu palácio uma porção de arautos,

Lembrando o meu poder pela voz de cem trompas!

 

E os vendilhões, então, do amplo templo do Metro

Fogem em debandada ao fulgor de meu cetro

Feridos pelo Estilo e embriagados de Pompas!

 

 

(De Carvalho, I. Xavier. Missas Negras. Manaus:

Livraria Universal de M. Silva & C. 21, 1902. p.05-40.)

 

Página preparada por ZENILTON DE JESUS GOYAOSO MIRANDA

e publicada em junho de 2008.

 




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