Foto por Priscila Rovedo
SALOMÃO ROVEDO
Nasceu em 1942, com formação cultural em São Luis (MA), reside no Rio de Janeiro. Sou escritor e participei dos movimentos culturais nas décadas 60/70/80, tempos do mimeógrafo, das bancas na Cinelândia, das manifestações em teatros, bares, praias e espaços públicos.
Textos publicados em: Abertura Poética (Antologia), Editora CS, RJ, 1975; Tributo (Poesia)-Ed. do A., RJ, 1980; 12 Poetas Alternativos (Antologia), Trotte, RJ, 1981; Chuva Fina (Antologia), Trotte, RJ, 1982; Folguedos (Poesia/Folclore), c/Xilogravuras de Marcelo Soares-Ed.dos AA, RJ, 1983; Erótica (Poesia), c/Xilogravuras de Marcelo Soares-Ed. dos AA, RJ, 1984; Livro das Sete Canções (Poesia)-Ed. do A., RJ, 1987. Além de muitos e-books disponíveis na Internet.
Publicou folhetos de cordel com o pseudônimo de Sá de João Pessoa; editou o jornalzinho de poesia Poe/r/ta.
Amor a São Luís
e Ódio
(Um reencontro apaixonado)
Rio de Janeiro 2007
Parte I
CANTARES DO ILHÉU
(Atracação, Encantamento, Feitiço)
5.
Reconheci a mesma janela
que teu rosto emoldurava:
era na Rua da Paz,
quando de manhã passava.
Tua expressão arredia,
quase louco me deixava.
Tua boca carnuda pedia,
eu mil beijos implorava.
Os cabelos negros luzidios,
o vento leve esvoaçava.
Eu diminuía os passos,
volta e meia até parava.
Azulejo azul e branco,
o portal da cor mais alva.
Teu rosto pálido sorria,
e louco me atarantava.
Gardênia, Gardênia, Gardênia,
teu nome mudo eu rezava...
(Hoje o quadro está vazio,
nem vi que o tempo passava...)
6.
A chuva quando cai em São Luís
é farta, ancha, definitiva, fatal..
11.
O cheiro de suor e do peixe seco
e do peixe frito.
O aroma picante do sururu
ao leite-de-coco.
O sal ardido do camarão seco
com farinha d’água.
O ardoroso sabor da pimenta de cheiro
moída na calda do peixe cosido.
A leveza e o azedinho do cuxá.
A doçura da ata e da sapota.
O agridoce bacuri e a pretinha juçara.
O doce de buriti, a garapa, o mel de cana.
O paladar adstringente, único, da tiquira.
A singular coloração da pele,
dos cabelos, das roxas de São Luís.
O ardor, o sabor, a doçura,
a saliva de mel da mulher...
No mercado da Praia Grande,
Ai de quem perder os sentidos!
24.
Avermelhar à tarde,
Quando o sol já posto,
Não mais a pele arde,
Não mais arde o rosto.
Avermelhar o oposto,
Quando o sol, à tarde,
Não mais tosta o rosto,
Não mais a face arde.
Já posto a avermelhar,
Sem arder, sem queimar,
Nem mais quando o sol,
À tarde avermelhar,
Sem pele arder, tostar,
Na tarde, na Rua do Sol.
Parte II
ROMANCEIRO INSULAR
(Travessia, Amor, Adeus)
2.
Na Rua da Paz descia o bonde
com a leve velocidade do vento.
Era ali naquela rua bem aonde
se me esvaía todo o pensamento.
A veneziana branca esconde,
a musa que já era meu tormento.
A meu olhar ousado não responde,
sem sequer mostrar arrependimento.
Coração tonitruante de desejo
(era isso mesmo o que ocorria)
no corredor úmido do casarão.
Hoje nem a musa nem o bonde vejo,
aquele que a Rua da Paz descia,
com a velocidade bruta da paixão...
8.
A vida escorreita,
sem qualquer cicatriz,
pela Rua do Giz
escorre, estreita.
Pele de verniz:
eis do que é feita
a alma reeleita,
morta por um triz.
A paz que se deita,
feito meretriz,
a tudo afeita,
pouco faz feliz
a alma liqüefeita,
viva por um triz.
13.
Eros, encachaçado,
Leve se esgueira,
À margem, na beira,
Do mangue alagado.
Eva, mel, brejeira,
Ao sátiro alado,
Oferece o lado
Da sua esteira.
Tango ou bolero,
Ouve-se ao longe,
Ao som do diaulo.
Eis o outro clero:
O perdido monge
Vaga por João Paulo.
17.
São Luís, São Luís,
o que dizer de ti?
De tantos lugares cativo,
doutros me compadeci.
Hoje que a ti regresso
já tenho ciúmes daí.
Noutras cidades vaguei,
muita terra e pó bati.
Lugares que pernoitei,
avenidas que percorri.
De tantas me amasiei,
outras, mil traições sofri.
Nenhuma, porém, mais bela,
as emoções que senti,
quando te reecontrei.
Ruas que outrora corri,
ninfas adulterinas amei,
paixões que não preenchi.
esconfortos do coração,
até que em vão me perdi.
São Luís, São Luís,
— O que será de mim sem ti?
Página publicada em janeiro de 2008.
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