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ROBERTO KENARD
Roberto Kenard Fernandes Rios, poeta, diplomado em jornalismo e professor universitário maranhense, nascido em São Luis, em 1958.
E o que é um poema?
Um coração vermelho desarmado
no meio de uma folha branca?
Um homem desamparado caminhando
numa cidade que fede a roupa suja?
Uma mulher grávida desamada
dentro da Praça João Lisboa seria?
Não importa o que seja um poema
se dentro de instantes estará nascendo
um ditador no Cone Sul da América
Se na Central Operária Bolivian
Marcelo Quiroga acaba de ser assassinado
E meu coração não se conforma
meus olhos não se conformam
meu corpo não se conforma
..................................................
E quando amanhece amanheço
com a noite em jejum entre
os dentes com a vida em lençóis
sobre mim
A vida?
Se mole eu
a engulo de um só
gole se dura
eu a corto de um
só golpe
Se dada é
sem força se possuída
é como o vento se
vendida é uma puta
(Do Lado Esquerdo do Corpo,1982)
Câmera indiscreta
o poeta lírico-barbado
babuja
no bar
seus poemas
boa tarde
elegante bardo
cuidado com o vento
suas folhas íntimas
não resistem ao menor sopro
o coração sobre a mesa
breve o garçom virá removê-Io
um barco atraca no cais
lugar de coração é no peito
teimoso bardo
curió pardo exposto aos turistas
a mulher burguesa
baton e ruge
ergue o braço
garça o garçom passa
poeta velho brada:
liturgia do inútil
rudo desaba
asa do vento navalhada:
na tarde provinciana
e cinza.
(O Camaleão no Espelho, 1990)
NOVOS POETAS DO MARANHÃO. São Luís: Edições UFMA, 1981. 79 p ilus 15 x 22 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda
CARNE FEROZ
Subo essas escadas
não pela simples existência
das pernas
(sobretudo pelo haver do corpo)
para encontrar teu corpo
essa matéria limitada
que se parece com essa
cidade de agua
e pessoas.
Mais propriamente
parece com a ponte
São Francisco pela noite
iluminada e inerte em si
no entanto móvel nos carros que passam.
Nas pessoas que caminham sem saber onde
tudo acaba.
Igual mesmo
aos dois lados da cidade
(os lados mais visíveis):
o bairro luxuoso repleto de claridades
de cheiros
o outro encharcado onde a vida imita
o coaxar dos sapos.
- A vida espocando espocando
II
Para encontrar teu corpo
essa matéria limitada
que se parece com tantas
outras cidades desse país
(que se não são limitadas por águas
possuem seus medos e misérias:
ah, a dura originalidade
das coisas parecidas)
é que persigo
tua matéria fértil
que muito embora me subjugue
me ampara.
Essa feroz carne viva
que esconde tanto sangue
e medo (como as cidades)
e que insisto em dominar por sobre
(como alguém em cima da cidade
caminhando ou dentro de casa)
A gente se confundindo
no quarto com a cidade.
Página Zenilton de Jesus Gayoso Miranda e publica em out. 2008; ampliada em agosto de 2019.
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