MANUEL LOPES
Coleção Maranhão Sempre
SONETO À LIBERDADE
Primeiro tu virás, depois a tarde
com terras, mares, algas, vento, peixes.
trarás, no ventre, a marca das idades
e a inquietude dos pássaros libertos.
virás para o enorme do silêncio
- flor boiando na órbita das águas -
tu não verás o fúnebre das horas
nem o canto final do sol poente.
primeiro tu virás, depois a tarde
sem desejos e amor. virás sozinha
como o nome saudade. virás única.
eu não terei a posse do teu corpo
nem me batizarei na tua essência,
mas tu virás primeiro e eu morro livre.
(Voz do Silêncio)
POSTAL
este lado da ilha
o cais e a cidade velha
datam de muito tempo,
ma a cidade é um poema
não cresceu. é sempre a mesma.
rodos os dias igual:
o mesmo outeiro da cruz
desterro, fontes e fortes
igrejas, lendas, sobrados
estreitas ruas, mirantes
portões, sacadas de ferro
poetas, becos, telhados
serestas, maledicência
saveiros, pregões de rua
cantaria, mal-amados
rios (chão, templo e canteiros)
de peixe e palafitados)
ladeiras, moças bonitas
recato e amor nas janelas
casarões azulejados.
cidade em traje a rigor
vestida à colonial
meu mundo, meu porta-jóias
meu bem, meu cartão postal.
brisa de maré vazante
sem similar no país.
quietude pousada na água
caminhos feitos de história.
gente, vem ver São Luís!
(Poemas de Agosto)
UM HOMEM À BEIRA DO RIO
1
não despertes o homem
que habita o menino:
vegetal crescendo
à beira salubre
deste rio fino.
violentas paisagens
crescem e se afogam
em tudo o que os olhos
na ausência devoram.
sai-lhe agora em sonho
ontem realidade
e onde infância fora
é perdido encanto
que se quebra agora
§
que homem é um deserto
ou apenas ilha?
há sempre uma história
de amores, de quilha...
cose-lhe água pura
- sereno pavio -
todo homem é um menino
lavado em seu rio
e hoje está em tudo
penetrante e áspero
o grito abafado que lhe corta a alma
e atravessam o corpo
mil líquidas línguas
se esta infância cresce
em mim, homem,
mínguas.
(Um Homem à Beira do Rio)
CANÇÃO ITINERÁRIA
era curto o camInho e ias depressa,
como se longo fosse, e não sabias.
eu te surpreendi constante nessa
viagem sobre o amargo dos teus dias.
teu olhar era forte, a mão espessa.
não sei da tua dor porque sorrias.
e te vi de esperanças e promessas
cobrir a estrada em que, sorrindo, ias.
Ah! o tempo mais ágil na corrida
quão pouco te deixou colher da vida
e as mãos, como a esperança, estão vazias.
agora te contemplo: a marcha estanca,
vergado o corpo sobre a barba branca.
era curto o caminho e não sabias.
(Canção Itinerária/)
A palavra
te lavo e lavro
palavra/pão
polida pedra
de construção
do quanto faço
deste edifício
em que elaboro
fé e ofício,
te esculpo e Bruno
verbo/canção
no diário labor
de artesão.
te louvo lume
e pedra d'ara
com que ergo o templo
da flor mais cara
e clara: poesia
com que reparto
os sóis do meu dia
o suor do meu
dia o fel do meu dia
as mazelas do homem
as amargas vidas
o pão subtraído
as pagas devidas
a paz relativa
a justiça rara
a fome de todos
a morte na cara
da criança. o aço
que o corpo nos cava,
a fé o cansaço
desta luta brava
a fartura a poucos
de muitos tomada
o chão proibido
a água negada
o amor que rareia e
a festa sonhada
............................
palavra larva
semente pura
que em mim explodes
de sons madura,
te lavo e lavro
verbo/canção
te louvo lume
poema/pão
manhã sonhada
meu sim/meu não.
(A Reinvenção da Tarde)
SUPLEMENTO CULTURAL & LITERARIO JP Guesa Errante ANUÁRIO. São Luís (MA), n. 5 – p. 1-129, 2007. Ex. bibl. Antonio Miranda
“Já na década de 50, alguns poetas escreviam nas páginas do Jornal Pequeno, entre eles, Manuel Lopes que um soneto, na coluna Mundanismo, cujo título era Soneto para as tuas mãos bobas (JP – Ed. no. 337, 21.08.51, p. 02)
Soneto para as tuas mãos bobas
Estas tuas mãos bobas, mãos alvinhas...
de cera, de milagres, mãos de figa,
ninguém que te conheça há que não diga
que essas tuas mãos simbólicas são minhas
Mãos de veludo, mãos amofinadas...
mãos de bonecas, mãos de intriga,
de fada... mãos de louça... de rainhas...
encantadoras mãos de minha amiga!...
Ave, às mãos de brinquedos, inacabadas
porque não mais beijei. Mãos de ciúme,
mãos que as pompas te tocam. Parasitas!
Ah! Quantas mãos já vi, mãos delicadas,
cheias de anéis... de esmalte... de perfume...
sem que cuidasse olhar mãos tão bonitas!
*
Página ampliada em abril de 2021
Página preparada por Zenilton de Jesus Gayoso Miranda, publicada em setembro de 2008
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