LUÍS INÁCIO ARAÚJO
As indefínidas palavras
Deixa que eu me perca entre palavras
Octávío Paz
Qualquer palavra que eu te diga ou te silencie
é tão sem sentido -
para o meu poema que é só bruma
voz muda esferográfica:
e o que sobre é esse silêncio pesando sobre os corpos,
esse chumbo,
o exaurir do carbono,
o vão dos corpos.
Agora quero inventar um poema
com isso que em mim é aresta,
arpão, fratura exposta,
berro içado sobre setembro,
estilhaço, beijo esgarçado,
grifar minha mudez sem fundo
afundada de tantas palavras.
Solto o poema como uma vertigem,
desse perigo não há fuga:
a nona sinfonia arrebenta num revés de crepúsculo.
Inverter o caos da tarde em melodia
ou aceitar o que um poema fabrica
de naufrágio?
pela página?
Num lapso: me escapam o salto e o grito irisado,
e daqui fotografo o abismo em cores kodak.
Palavras desabam numa catástrofe:
quero agora o vazio das margens,
a intransferível brecha,
o vão da palavra impronunciável.
Em que poema jogar fora
as palavras onde sempre esbarro?
- Vida & Morte
Deus & Sexo –
Escrever é o que se arquiteta
do deserto de uma falta,
infância e cio,
o turvo de alguém,
antro de uma boca.
Mas o que escrevo é noite cava,
emparedamento, poço
e não cabe no estreito de nenhum poema.
É só por afronta e voracidade
que escrevo escavo: indefinidamente
até preencher com o poema
a branca ausência: impreenchível.
Agreste
Não mais recuo:
o que escrevo é escassez e fendas,
é contra esse modo reto e seguro de escrever
que escrevo
- em desaprumo.
Bebo o gosto travado desse poema
numa cobiça de ser dito:
um laivo de sangue escorre de minha boca.
o processo vital subsiste ainda na artéria,
a manhã poluída prossegue sua lenta engrenagem,
seu incêndio diário, sua as simetria
- apesar do azinhavre no garfo
do pêndulo,
do cotidiano cigarro
igual ao trabalho noturno da morte num corpo.
Mas pra nomear o que respira secretamente
por trás dessa vida de veias nervos assombros penhoras
e sofre desfiladeiros poços terrenos baldios,
a mais inexplicável vertigem
— nenhuma palavra é possível:
nenhum selo.
A paIo seco
Meu poema armado
com lacônicas palavras
(contundente arpejo)
canta-se assim torto
como não convém
e maneja facas
lâminas secas
pra te dizer certas coisas
que te fariam sangrar:
profundamente.
Arquitetura
Procura a ordem
desse silêncio
que imóvel fala:
silêncio puro.
João Cabral de Meio Neto
Um dia escreverei um poema
que não precise dizer nada
um poema: apesar das palavras
arpejo relógio ou pedra
silêncio que ninguém suporte
lâmina dentro da goela
de João Cabral de MeIo Neto
voz e fino topázio
a linguagem apenas tece
a trama de nenhuma sintaxe
um dia escreverei um poema
no azul vazio da lousa
em ecos um silêncio adormece
(Vôo Ávido/ 1991)
Página elaborada por Zenilton de Jesus Gayoso Miranda e publicada em novembro de 2008
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