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LILA MAIA
A maranhense Lila Maia é graduada em Pedagogia e tem três livros publicados: A Idade da águas, Céu despido, vencedor do II Prêmio Literário Livraria Asabeça 2003 e As Maçãs de antes, livro vencedor do Prêmio Paraná de Literatura 2012 na categoria poesia e semifinalista do Prêmio Portugal Telecom de Literatura 2013.
Vidência
Já me curvei o suficiente para entender a vida.
Nem quero o velho ofício que passa de pai pra filho.
Gosto das frutas que amadurecem secretamente
conheço o que dentro de mim se fecha
e é esculpido diariamente.
Desde que nasci tenho um verbo presente: morrer
e tantas vezes me sinto montada na fera,
outras apenas arrastada como a cômoda de peroba
que não cabe no quarto.
Acreditar naquela pequena luz de uma estrela anã
é dizer sem pressa uma reza mansa.
Inesgotável
Já fui tão antiga querendo ser feliz.
Mas ele chega louco demais para o meu corpo.
Me arrasta, porque sabe que serei magma
Neste doce deslumbramento das marés altas.
E feito um guerreiro suas mãos tocam
Onde só existe falta.
Esse homem me habita com fúrias e pássaros.
Uma vigília
Quarenta anos depois
o silêncio da chaleira que ferve.
Na infância, sempre acendi uma vela na outra.
As surras que levei não se enraizaram.
Cada dia soletrei um tempo do verbo partir.
Vivi com a indiferença e a saudade presas ao calendário.
Quarenta anos depois
não sei me despedir da saudade:
continuo ouvindo o arrastar daquele chinelo
número trinta e três pela casa.
Extraído de
POESIA SEMPRE - Ano 6 – Número 9 - Rio de Janeiro - Março 1998. Fundação BIBLIOTECA NACIONAL – Departamento Nacional do Livro - Ministério da Cultura. Ex. bibl. Antonio Miranda
Canto intermitente
Celebro uma ferocidade plena.
Furo com os dedos teu peito nu.
Parto que nem vento
e saio da boca do leão para a do lobo.
Janeiro me trai feito sol.
Tudo que podia brotar
não é flor.
Desejo
A árvore que persigo é alta
e mordo seus frutos
como quem mata.
Mas meu peito selvagem
quer a outra metade.
Fala-me
Aprendo agora
a palavra engolida,
o alvo certo que os loucos têm
se atiram pedras.
O momento exato de refletir
sobre teu silêncio
com a fala
Página publicada em janeiro de 2018
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