KISSYAN CASTRO
Nasceu em Barra do Corda, Maranhão, em 1979. Poeta e escritor. Atualmente assina uma coluna às quintas-feiras no jornal virtual www.turmadabarra.com.
Publicou em poesia: “Vau do Jaboque” (2005)e “Bodas de Pedra” (2012). Tem inéditos os livros: “Rio Conjugal” e “Farelos”.
“Você, em seus versos, imprime metalinguagem que não é de iniciantes, e dispensa de sua palavra o lugar comum; é hermético e conciso, e isso lhe dá fôlego e magia. (...) Você é como me disse certa vez o poeta de Martim Cererê, Cassiano Ricardo: ‘Todo mundo faz poesia aos vinte anos, mas você a fará pela vida inteira...’.” FERNANDO BRAGA
De
Kissyan Castro
Bodas de Pedra
b.c.: Assegraf, 2012
De “BODAS DE PEDRA”. Barra do Corda: Assegraf, 2012
CARBONO 14
Pensar a pedra
como atrás fora
o ser, é do chão.
A pedra que dentro
diz da criatura
seu peso-réu
de ambição. (De quem
o novo erro?)
Nosso verbo se iguala
ao dos dinossauros:
adubos de um paraíso além.
TIPOIA
Sobre o rio trabalhado
algo além da mesma ave
pulsa no viés de sua órbita.
Algo que se elabora
dum quase inascido voo.
(Danificada asa sem apoio
senão o da paz traída
no avesso nenhum
de um deus subtraído)
Exato (posto que concluído),
inclina-se habitual
em seu vir desnecessário, o canto.
FÊNIX
Um corpo
para que o pó o plume
da pedra que o pena,
que pena
é peso de pálpebras
na palha após
do tempo.
A pena
que é do pássaro
o sempre depois
no próprio pó
a repetir-se.
CAMA MESA E BANHO
Já um só,
já além,
escrevo-me
sem volta
qual rio.
Já igual,
já meu,
me findo
de somas
e de ossos.
Abaixo,
(já tudo)
tenho-me
de eterno,
já nu
e nada.
O GOLPE
Deu-nos Deus a dádiva-dívida
do existirmos para a folha
de pagamento, indébita
quando pese em juros
o cunho do ser no chão
e cesse a cobrança.
CONTRACEPTIVO
É da noite
o colher galos
de sua infância.
Para a noite,
o experimento do dia.
A manhã final
previne-se da luz:
o galo in vitro
e o sol na gema.
LIÇÃO GASTRONÔMICA
À maneira dos peixes
no paladar dos mares,
as línguas do silêncio
nadam juntas no pó.
Ó cardápio em mim
onde sem pai naufrago:
és o que de Deus cabe
quando porto nenhum.
ESTOCAGEM
Um museu de sombras
gela em nosso sangue.
Pesamos sobre o engaste
do nada como um depósito
de sobras sem nenhum direito.
Detrás de que pálpebras
existiremos? Sob que
pensamento?
Qual pedra de nós
se fará sem risco?
EXERCÍCIO DE MONTARIA
O dia cavalga crepúsculos
em seus cavalos
Ó reino do estábulo,
a existência é esse relincho
sob os cascos gastos das horas.
CROSTA
Da cruz se extingue
sua voz de sangue
sobre a maca ilegal do tempo.
De ouro se cobre
o sangue do lenho
para que em quilates
se avalie a dor.
(Que lenho geme,
não luze
como o silêncio.)
Que ouro a morte
estanca.
A boca do Calvário
é sua asfixia.
ÊMBOLO
Temos porém
um cão,
que só porque é pronto
late para dentro
do fundo
que se dobra
ao vazio quintal
do Ser,
entre o que nos sobra,
para logo
ir-se no mesmo nada.
Um cão
na imordaça.
Desafio
é alimentá-lo
sem que flua
à boca.
OFÍCIO SOTURNO
Quanta carne
idêntica
usufrui o tempo.
Uma tabula rasa
sobre quem o solo
forja esquecimento.
Como de um AR-15
a última verdade:
em berço esplêndido
deita-se eternamente.
REFORMA AGRÁRIA
Repartir terras
no partir do ser
à terra que o dista,
a juntar-se ao ínfimo
grão sem flor dos ossos
da eternidade nele
debulhada em bulha.
Repartir terras
no ser adentro
como do bagre ao bago
se afogam na feira os peixes,
em frescos e podres:
o ser pode em bago
voltar ao que lhe é de terra
e de direito.
PÁSSARO NEFASTO
Desde agora o pensamento
transpõe o mármore do verbo.
A agonia de negar o desejo
exala-se
porém o grito se abafa.
(logo a sombra mestra
se retira e deixa apenas
sua ressonância violenta)
Desde agora o medo ou mulher
apodera-se do meu silêncio.
Então volto de alguma parte em mim
que por vezes se afoga.
Desde agora a claridade,
o disparo ou distância
retrocedem,
retrocede o canto.
Devo sentir o rasgo da chuva
e reconhecer-lhe o tempo urdido
longe do equívoco e do rio,
encerrado no vazio
que me penetra como incêndio.
Devo assim tornar-me exalação
ou castigo
quando de repente
passos ondas instante
percorrem jardins de fumo
sob tuas pálpebras
no escuro.
Até que através de ossos
eu circule e durma
e fique o grito
nas areias de meu país.
RESGATE
Na boca das mamoranas
a noite amadurece,
irrompe em múltiplas papilas,
resvala nos muros encardidos
confundida com as pontas de cigarro
apagadas na urina
e com o asfalto esburacado
da avenida,
resumida à velocidade
que os pneus lhe dão
e aos passos clandestinos
de que se alimenta.
O silêncio depois é tão grande
que chega a derrubar as flores,
a desafiar as pedras,
o frio.
Engasgado nos sapatos
anda a disputar os homens.
Assume então a consistência
das sombras,
o assédio das sombras
que nos usam e se disfarçam
para despistar a claridade.
Alastra-se pela cidade inteira
até que o braço da aurora
se estenda
reavendo seus reféns.
Página publicada em agosto de 2012
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