JOSÉ SARNEY
Sexto ocupante da Cadeira nº 38, eleito em 17 de julho de 1980, na sucessão de José Américo de Almeida e recebido em 6 de novembro de 1980 pelo Acadêmico Josué Montello. Recebeu os Acadêmicos Marcos Vinicios Vilaça e Affonso Arinos de Mello Franco.
José Sarney nasceu em Pinheiro (MA), a 24 de abril de 1930. Filho de Sarney de Araújo Costa e Kyola Ferreira de Araújo Costa. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Direito do Maranhão. Casado com Marly Macieira Sarney. Filhos: Roseana Sarney Murad, Fernando José Macieira Sarney e José Sarney Filho.
Leia a biobibliografia completa do autor em:
http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=760&sid=345
BREJAL DOS GUAJAS
Brejal, ai meu Brejal,
Brejal dos Guajajaras,
Morrer em ti, ai Deus,
Morrer em ti, ai Deus,
Tomara ...
Valsa de Zé Binga
Em pace, em pace,
em rua, em rua,
Ai meu Deus, padecendo
sem culpa nenhuma!
Incelência do Olho-d’Água Seco
Brejal, Brejal, terra querida,
Brejal, ai meu Brejal,
Motivo da minha vida,
Dizer adeus a ti, ai Deus,
Não digo tal ...
(Valsa de Zé do Bule)
CONVERSA DE CANOEIRO
- Nestes mares, Mestre João?
- Sim, cá e code.
- Por amor de quê?
- Para sofrer menos.
- Sofrer de menos ou sofrer de mais?
- Tanto faz.
- Andando que rumos donde?
- Caminhos do Norte.
- Do Norte ou da morte?
- Tanto faz.
- Norte de que?
- Das águas, compadre.
- Das águas de mais ou das águas de menos?
- Tanto faz.
- Águas ou éguas?
- Tanto faz.
- Êta Maranhão grande aberto sem porteira ...
(Homens do Rio Pericumã)
Meditação sobre o Bacanga
As águas passam
É lua e as casas aparecem.
Sou eu. Narciso que se olha
E fenece.
Tudo é sombra, sombra e nada,
água e silêncio nas folhas e vales
rompidos pelo Bacanga em sulcos
de madrugada.
Faixa de vento na montanha a encher e vazar:
címbalos onde o tédio geme.
É o gigante do não esquecer e as vozes do mangue.
Sangue correndo das imagens mordidas
pelos dentes estranguladores da noite.
Narciso se olha
Satanicamente o brilho dos olhares
buscam o que não existe mais.
Ele vivia além e tinha fome, mas pensava.
Comeu os pensamentos devorando os dias
o nome e a noite.
Doce rio que vem e bóia
na enseada.
Águas barrentas, sujas,
Liberdade que morreu
e se afoga
no Mar.
Medito sobre mim que já sou morto:
as canções fúnebres que me pesam
como pedras no vazio do
lembrar.
- Barquinho de vela
que vai sobre o mar.
Boneca amarela
que me vem roubar.
Meus olhos fenecem e o presságio dorme
no espelho das águas que
escorrem.
(A Canção Inicial/1954)
SARNEY, José. Os marimbondos de fogo. Porto, Portugal: Bertrand Editora, 1986. 94 p. Ilustrações: Carlos Carreiro. Design: Luis Serpa.
Carta do Anti-Santo José aos seus tristes
EU, de nome José,
rasguei os olhos da vida
em cinza manhã de abril.
Chorei e o campo chovia
onde a cidade pedia
tempos, clemência e amor.
BENDITO sejais chão Pinheiro
com o canto dos bois
e os patos selvagens
que deixam as nuvens
e os ventos gigantes
que lhe guiaram as asas
cruzando oceano
e pousaram
à beira dos Defuntos
onde sacodem a viagem
e fazem ninho
na folha das plantas aquáticas
que flutuam como anjos deitados
na mansidão dos lagos.
IRMÃOS:
NÃO me julgueis pelo abandono dessa sombra
que prometeu entregar-me o corpo
de pelúcias de carne para que eu o amasse
com a força de todas as tempestades
e eu nunca o amei.
NÃO me julgueis por haver
começado o meu caminho
naquela canoa de toldos
e ramos que cantavam,
"bendito é o santo nome".
EU fui ferido pelos vampiros gigantes
que esmagaram a sunga de chita colegial
feita de flores pequenas e alças de rendas
onde ficou sepultado para sempre
o seu sexo pequenino
e o meu primeiro olhar
que eu carregava nas mãos
como o cálice
daquele vinho
do corpo de Deus que eu não bebi
para embriagar-me
na fome de amar a pronta carne,
o pão, o fruto, a vida e
os peixes que habitavam os lagos desse campo
que me abriu os olhos numa manhã de abril.
IRMÃOS:
NÃO me julgueis pelo que fui
e jamais fui e sempre serei,
pois de não ser vou sendo
esta noite que não teve pôr de sol.
EU juro que a cadela que latia
junto de tuas mãos e eu dizia que era raiva
devia ter morrido
para que hoje eu não a lembrasse
para matar o meu ódio e ressuscitar o meu nojo
de pensar que eu fui capaz de amar
e os ventos da minha vida
não têm mais velas a empurrar
nem barcos para sair do Rio Pericumã e chegar
ao mar alto da Ponta de Itacolomi
e ali afundar
como afundaram
nas pedras eternas de moluscos
tantas navegações e tantos monstros.
IRMÃOS:
Eu habitei a Rua da Madre de Deus
onde os teares funcionavam dia e noite, no número 127.
Dona Sérgia! eu te beijo cerzideira
que me carregou de amor quando os outros me cuspiam
e as estátuas de porcelana branca que vieram de Portugal
guardavam vigilantes as cumeeiras largas do casaria da Fábrica
onde batiam algodão branco e doce
da velha indústria Santa Amélia
e as operárias furtavam
os casulos
para higiene do ciclo menstrual
naquele mundo de louças
fusos, caldeiras e fardos.
A Fonte das Pedras
que de pedras tinha a água que escorria como sangue
das carrancas que jamais aceitaram o suor dos escravos
que Dona Ana Jansen fazia atirar nos poços de lanças
para serem espetados e se transformarem em fantasmas que
enchiam de gemidos todos os becos desta cidade que
nasceu para ser possuída em coitos de agonia e pecado
e em virgindades com cheiro de alfazema
entre o amor e as picadas de arraia.
IRMÃOS:
NÃO me julgueis pelo bonde de minha infância que matei
porque eu o amava e o matei,
como se não mata o amor, mas
pelo indesejo da morte.
ELE não corre e foram minhas mãos
que o trucidaram e trucidaram com ele
as moças todas que estavam na janela
e eu desejava casar para fazer filhos que
de novo pegassem o bonde
e fossem até o fim dos caminhos
e de novo fizessem outros filhos e outros mais
para que o bonde fosse o trilho eterno
e não o fim do filho.
............................
IRMÃOS:
NÃO me julgueis por não haver fugido
com a trapezista do circo mambembe,
com que todos os meninos
das cidades de cavalos e cabeças-de-cuia
pensam fugir para viver em
acrobacias e picadeiros.
Eu a reencontrei em Brooklin, num janeiro de neve
nessa cidade de Nova Iorque que eu também amei
como se ama a prostituta pintada
que nos acena com uma noite de orgia.
O táxi amarelo parou. De repente ao meu lado
a trapezista que eu tinha amado
e ali repousava de sandálias e tranças.
Ao meu espanto apenas disse:
José!
De repente o mundo voltou ao princípio e eu senti
que os passarinhos podem cantar em Manhatan como
na mangueira velha do quintal da casa do velho José Costa,
meu avô,
que me disse um dia:
Guarda a tua alma e o teu corpo em vinha-d'alho,
porque a vida é feita de postas azedas
em que os figos e as melancias não têm nem gosto nem cor.
IRMÃOS:
EU, José,
vos digo que a vida é um bando de itãs
que gritam histéricas
na beira do lago de Viana à espera
da terra parar de repente
e de repente a canarana ter flores eternas
as mangueiras terem galhos de meia légua e
debaixo de sua sombra
os índios pedirem amor com os anjos,
plantando rosas de capim de marreca
e homem Senhor do destino
a descansar os seus lábios vermelhos
nos seios das deusas jovens,
adormecidas nas aguadas de ventos,
novilhas de todos os mundos.
IRMÃOS:
PERDOAI-ME de dizer a Deus
que ele não pode pisar meus caminhos
com os pés de cardos
que romperam de sangue a coroa fria e sem glória
desses dias que ele me deu e eu esmaguei.
IRMÃOS:
perdoai-me.
O sonho da morte é uma nuvem
que não cobre as eternas noites da vida.
(Os Maribondos de Fogo/1978)
SARNEY, José. Os Marimbondos de Fogo. Rio de Janeiro: Alhambra, 1978. 97 p. ilus. Capa: óleo do pintor peruano Óscar Corcuera. pb & col. 11.5x19,5 cm
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SARNEY, José. Saudades mortas. São Paulo: Arx, 2002. 152 p. 14x21 cm. Capa: Guilherme Xavier. Imagem da capa: Keystone. Miolo em papel Pólen Bold 90 gr. capa em cartão Supremo 250 gr. da Cia Suzano. ISBN 85-354-0247-0
AUTORRETRATO
Bigode,
indevassável,
eterno,
ausente,
habita
intocável
o latifúndio de minha solidão.
Menino, moço e velho
superpostos,
me olho e não me vejo.
VELAS APAGADAS
É uma
chama vermelha
em meus olhos.
Fé, crença, certeza,
luz e esperança.
Agora,
ali, parada e morta,
solitária e fria,
um vela apagada.
UMA NOITE
Uma noite
dormiu
dentro de mim.
Mil demônios
balançando-se para lá e para cá,
a rede de linha de sede.
Ela sorria
com o odor
do cio.
Página preparada por Zenilton de Jesús Gayoso Miranda, publicada em setembro de 2008. Ampliada e republicada em abril de 2015
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