EVANDRO SARNEY
“Acompanhamos há muito tempo a poesia de Evandro Sarney, publicada através de suplementos literários da imprensa loca. O poeta produz com impressionante regularidade. E tem uma facilidade singular de imprimir forma poética à suas emoções. Ele vive em permanente diálogo com São Luis, deslumbrado com as belezas da ilha, em exaltação à natureza que o comove. “ Carlos Cunha
SARNEY. Evandro. Cantigas de quebra-mar – poesia e prosa. São Luis do Maranhão: Edições SIOGE, 1979. 79 p. 15,5x23 cm. Capa de Floriano Teixeira. " Evandro Sarney " Ex. bibl. Antonio Miranda
CANÇÃO PARA A LAGOA DE MARAPONGA
1° Canto
A Lagoa de Maraponga não tinha nome.
Foi balizada
Em hora imprevista
inesperada.
Nunca foi vista
Mas ela existe.
Tal quietude
Margens tão verdes
Que lá não chega
Nada que é triste.
Menino ainda
Longas manhãs
De claros dias
Banhei meu corpo
Nessa Lagoa.
Agua tão pura
Que faz perfume
Não sendo rosa.
Essa lagoa bonita
Parece feita de espelhos
Cristalina
Refletindo
No incolor de sua água
Nuvens, garças, folhas verdes
E os cabelos castanhos de Cíntia
Que nem os castanhos cabelos
De espigas maduras de milho.
Voltando de Maraponga
Cintia não quis mais pecar.
Nunca mais.
Eu ouvi isso do vento
Do enorme azul das alturas
Também dos peixes dourados
Inquilinos da lagoa.
2° Canto
Um, dois, três.
Passou tudo de uma vez.
Nunca mais vi Maraponga
Nem mais ela me quis ver.
Hoje amanheço cansado.
É sol, é deserto, é poeira.
Onde está essa lagoa?
Ai, vontade de banhar nela,
Virar peixe
ou ser canoa.
MARÍTIMO
Estou no mar, sereias milenares
Madrugam sob um céu feito desgosto.
Desconheço se existem esses lugares
Que surgem quando faz maré de agosto.
Medito que já tive muitos lares
Mulheres me ofertando o corpo e o rosto
Com as honras que provinham do meu posto
Fundador de prazeres e luares..
Viajor incontido atravessei caminhos
Inaugurando auroras num festivo
Tinir de taças, derramar de vinhos.
Agora estou no mar. Todas as portas
Fecharam para mim que ainda sou vivo
Quando todas as coisas estão mortas.
URUBU
No topo dessa árvore sem fruto
Vejo-te, urubu, pássaro horrendo
Na aberração da tua dor trazendo
A vestimenta do teu próprio luto.
Vendo-te triste, retraído, escuto
Tua voz rancorosa maldizendo
O dia, a hora, o trágico minuto
Da natureza, a raça concebendo.
Ambos somos iguais, ave agoirenta
O veneno que encheu a tua taça
É o mesmo que interiormente me sustenta
Como tu, revoltado, e até profano
Maldigo dez mil vezes minha raça
E esse destino que me fez humano.
Página publicada em dezembro de 2008
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