VISÃO PERENE
Ao conterrâneo Omar Furtado
Visão do Brejo. O temporal arranca
pela raiz uma fruteira antiga.
Vem a neblina que amanhece branca.
Os passarinhos medem-se em cantiga.
Resplende o sol, a chuvarada estanca.
Um sapo sai da gruta em que se abriga.
Ressoa em casa uma risada franca,
que me revela visitante amiga.
Corre um regato à sombra da mangueira.
No patamar da igreja escuto a banda.
Recordo a procissão da Padroeira.
Abraço e beijo a mãe, querida e branda.
Na festa, uma sanfona de primeira.
E um cheiro forte de mulher tresanda.
OBRA DE ARTE
Ao produzir poemas não me basto,
sozinho nunca estou quando versejo.
Os sons da lira servem-me de pasto,
para eu mudar em rimas um lampejo.
No desempenho deste ofício casto,
arrebatado para além me vejo.
De qualquer outra ocupação me afasto,
na realização de meu desejo.
Um ser oculto, rigoroso e brando
no estilo próprio, me domina a mente,
que versifica sob igual comando.
A inspiração, que todo artista sente,
súbito vem, e não se sabe quando,
nem se algum dia surge novamente.
DISSABOR
Culpado sou também – confesso agora –
do imenso dissabor que me castiga,
desta saudade que em meu peito chora,
depois mudada em sons de uma cantiga.
Cego supunha amar-te à moda antiga,
de dentro vinha o que eu mostrava fora.
Em minha solidão a dor me obriga
a revelar-te o mal que me apavora.
De nossa ligação, jamais eu via
os laços frouxos do começo ao fim,
dissimulados pela fantasia.
O rompimento nos provou assim
os exageros da paixão tardia
que felizmente se afastou de mim.
Extraídos da obra Gorgeios. São Luis: Arco Íris Gráfica e Editora, 2001. 376 p.
COMPLEXIDADE
Embora eu tente acreditar deveras,
não seja um sonho esta união feliz,
no renovar de minhas primaveras,
— o oposto, apenas, a razão me diz.
Tuas palavras — sei que são sinceras,
mas nosso enlace esteve por um triz!
Ainda bem que nunca desesperas,
Com grande esforço, em breve eu me refiz.
Todo otimismo nos convém agora.
No amor, por certo, o pensamento engana
e enfim, só os descrentes apavora.
A sorte, para nós, jamais tirana,
a nosso ouvido revelou, sonora,
quanto é complexa a natureza humana!
TARDIO ENCONTRO
Não tive, quando moço, o bem que ora desfruto,
mas isto não me rouba a paz nem a alegria.
Antes imploro, humilde, ao Céu, todo minuto,
que me conserve a mente iluminada e pia.
Sou grato pela, fé, com que o melhor disputo,
feliz da sorte bela - e rara - que eu pedia.
Nas provações me torno audaz e resoluto.
Minha alma nunca está, de modo algum, vazia.
Tão tarde eu te encontrei! Pouco perdi, no entanto.
Nossa união, o Pai Acolhedor completa.
Que aos dois, ela nos traga indefinido encanto.
Ninguém nos, f az sair, J amais, da estrada reta.
Nosso convívio dura, inigualado e santo.
Amada esposa minha, inspira teu poeta!
(De “Meus Sonhos em Rimas”, 1966
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LATINIDADE: I COLETÂNEA POÉTICA DA SOCIEDDE DE CULTURA LATINA DO ESTADO DO MARANHÃO. Dilercy Adler, org. São Luis: Estação Produções Ltda, 1998. 108 p. Capa: Carranca – Fonte do Ribeirão – São Luís – Maranhão – Brasil Ex. bibl. Antonio Miranda
QUANTO TE QUERO!
A sensação que me imprimes
ao espírito elevado
é gozo dos mais sublimes
que tenho experimentado.
Desejo que tu me estimes
quanto te sou devotado;
por teu amor, até crimes
te haveria perdoado.
Mas, se um dia resolveres
desfrutar outros prazeres,
que não terias comigo,
a verdade me revela,
que, embora sejas tão bela,
não maldirei meu castigo.
FREITAS, Eugênio. MEUS AIS Sonetos, quadras e trovas. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1973. 129 p. 14 x 20.5 cm
Ex. bibl. Antonio Miranda / doação do livreiro Brito – DF
ENLEVO
Na praia, em noite de lua,
nós dois, sentados na areia,
o encanto da maré cheia,
naquele avança-e-recua...
Em minha mão vibra a tua,
na compressão de uma veia;
teu hálito me incendeia
e gozos mil insinua.
Deténs o que se inicia...
Desfeita, agora, em zumbaias
e, ao mesmo tempo, arredia,
em negativas te espraias...
E, apesar da teimosia,
tocamos do enlevo as raias!
MUSA IDEAL
Relembro, ainda, o semblante
daquela moça bonita,
que, embora esteja distante,
em nosso afeto acredita.
Sabe que eu era inconstante,
e não lhe abate a desdita...
Agora, crédula amante,
maus pensamentos evita.
A minhas cartas atenta,
outros amores recusa
e os preconceitos enfrenta...
Feliz por ser minha musa,
não julga a sorte agourenta
e não se mostra confusa...
DOIS RITMOS
São dois compassos diversos,
quer te convenças quer não:
o privativo dos versos
e o da prosaica expressão.
Com teus sentidos imersos
nas regras da evolução,
evita esforços dispersos,
não te afadigues em vão...
Verás, um dia, que a Prosa
ao Verso não se equipara,
por mais corrente e formosa...
O Verso não se mascara;
graficamente, não goza
de outra aparência, mais rara...
T R O V A S
I
Que eu faça, um dia, uma trova
que, embora simples, agrade!
E eu veja, em frase mais nova,
alguma antiga verdade...
II
De quatro versos formada,
de sete sílabas só,
a trova a todos agrada
e eleva todos do pó...
III
A trova é luz repentina,
no claro-escuro da mente;
traduz mensagem divina,
que só transmite quem sente.
XIV
A Humanidade, que é cega
(já no Corão se aprendia),
ao transitório se apega
e o eterno negligencia.
XV
Salta de todos à vista,
não são palavras à-toa:
mérito algum se conquista,
apenas se aperfeiçoa.
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Página ampliada e republicada em fevereiro de 2023.
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