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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DOMINGOS PEREIRA NETTO


Nome de batismo: Domingos Marciano  C. Pereira, pseudônimo Domingos Pereira Netto, maranhense de Pindaré-Mirim, nasceu em 1963 e mora em Brasília. É advogado, poeta e professor. Também grafado como Domingos Pereira Neto em publicações.  

Membro da Academia Cruzeirense de Letras,  Cadeira 16 (Patrono: Cassiano Nunes)


TEXTO EM PORTUGUÊS -  TEXTO EN ESPAÑOL

 

 

BENDITA GULA

                Para sua fome de amor
(meu amor)

       jorro
leite
e mel;

                            confeito
carinho,

                                          fornalha
carícias
e
amasso pão.

        Leve-me à boca: prove-me, gota a gota...
engula com calma a minha alma
e nos condene a mais sublime perdição.

                 Depois coma-me até se fartar
sem temer pela sua salvação:
serei seu pecado
seu castigo
e o seu perdão.

        Deite-me! Sirva-se à exaustão!

                  É de plumas e nuvens
a mesa em meu corpo.

        Está posta a cena em meu coração.

 

 

PEREIRA NETTO, Domingos.  A canção da manhã acesa em teus olhos.  2ª ed. Brasilia: 1999.  110 p.  14x21 cm.  “ Domingos Pereira Netto “  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

          (fragmento)

 

do fundo escuro dos tantos úteros que me elaboram;

com o mormaço do último verão,

                    fincado                                                                             

                    na garganta e no coração,

salto,

aos primeiros sopros da aurora

para cantar o espetáculo matinal de tua boca:

                    palco

onde encontro exposto

                                       /e/

                                                             ardendo

um incêndio feroz de sonhos que ainda há pouco

detinha

adormecidos

                    em alguma cratera

                    dos desertos temidos do meu peito;

                    em alguma caverna

                    dos territórios saqueados do meu sono.

 

   E o que pressentia ser um feixe de planos

                                                amontoados

                                                               em

                                                          cinzas

                     coagulados em ressentimento

 

   desamarra-se

                  e

   alastra-se agora

pela geografia violentada dos meus passos

   prestes

   a pisarem

   o chão desta manhã

                             —onde

                             ameaço florescer,
         

 

Mas antes

rasgo a cortina de medo dos quartos onde

                                       me guardo

         (e me resguardo)

abro sulcos no tecido impermeável da angústia

                           com que me cubro

                             (e me descubro)

          e deixo

          o clarão

          dessa tempestade

                    (que varre os meus

                                       olhos)

 

       e s t i l h a ç a r

 

o que ainda resta de noite acumulada

         no cristal empoeirado dos meus dias.

 

PEREIRA NETTO, Domingos.  As latitudes do sonho.  Brasília: 1983.  188 p.  14x22 cm.  “ Domingos Pereira Netto “  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

UM GRITO NO IMENSO NADA

 

De dentro de ti,

dessas tuas asas cheirando a sangue,

de anjos sem trombetas, empoeirado,

escapa ardendo, qual música derretida,

de mãos póstumas a tambores e harpas,

teu voo de trepadeiras agudas

por esse pouso solitário

acendendo outonos espantados,

naufragados em despovaada.s papoulas

certamente das estaçôes acorrentadas.

 

E desse teu ventre ajoelhado

ainda velando lágrimas brancas,

ainda bebendo húmus

e talhando linhas,

e pingando aromas doloridos,

desata-se esse soluço giratório e prolongado,

de agonia e vento fecundado:

o grande filho prometido

solta-se da placenta divinizada

e, divinizando, encanta os olhos,

assombra o mundo adocicado e febril.

 

Em tuas mãos, em teu ventre,

em teu caminho de planta,

em teu passado de água repartida,

de leite libertado e fugaz,

não mais escutarás o peso da ânsia

ainda em golpes sonolentos e eternos...

enchendo poços, derramando taças,

por onde teus braços e teu coração,

compartilhados e leves, se juntaram.

 

Esse esforço de mar aprisionado,

de plumas abandonadas,

esquecidas da asa das tempestades,

com essa fúria magnética e de fuga,

de peixe em cuja escama germina sal e ouro,

como as damas enfeitadas de silêncio e profundeza,

de tuas crateras e reentrâncias,

de teus vasos e carrancas de pedra,

ouviste a chuva de leite em sangue balizado

ensopando o céu, o chão, as paredes e penas,

de quem do fundo de ti

virgem aparecera...

 

Agora, em outro estio, ,

tocando o espírito da chuva,

o esquecimento normal do sono,

em outra atmosfera de aquário,

abrem-se movimentos de possuídas pombas

girando lentas, criando circunferências,

deixando sua sombra infinita

sonoramente resgatar de lamacentas músicas,

divididas horas em que pesam e tombam sobre ti,

a vingança fatigada e contínua

de lavar o púbis dos crepúsculos

com a lembrança dos vulcões

ainda não dispersos e de pé.

 

A ti, noturna pele de poros vazios,

resta o solitário instante,

resta a solidão medonha,

a chama torcida da fogueira impávida,

donde observarás atónito,
passos que se perderão na madrugada

com o sentimento distante

dos pássaros emigrantes, sem ninho e sem céu.

Resta contemplar dessa altitude

a viagem única e sem fim,

cujos adeuses alongados e ácidos

ficam estreitos, confusamente perdidos

entre a chama e o fogo.

 

Mas de dentro de ti,

desse teu corpo indivisível,

cheio de moléculas,

de lanças e voantes folhas,

ficam as preces, as coisas e as bocas.

Daí escutar-se-ão palavras, silêncios,

desejos e lâmpadas consteladas,

que te farão também ouvir

o choro abafado das gerações seguintes,

o lamento verde e queixante

de todos os dias, de todas as tardes e noites,

de todos os tempos sem princípios nem fins...

Então, dolorido e longínquo,

alcançarás com esta substância de borboleta,

como se tivesse surgido sem mesmo aguardar,

toda a ausência do parto inacabado,

todo o aprendizado do feto engravidado

e minuciosamente,

trabalhado e tingido de perfeição.

 

NETTO, Domingos PereiraO incêndio dos passos. 2 ed.  Brasília, DF: Edição do autor; TC Gráfica e Editora, 1999.   112 p.  14x21 cm.   Capa: Luis Eduardo Resende (Resa). Ensaio fotográfico: Armando Veloso. Apresentação: Menezes y Moraes.  ISBN 978-85-981178-4-4   Ex. bibl. Antonio Miranda.

 

        Coágulo

                 Eu sou
O meu alarido, meu silêncio,
a minha voz incinerada.
Sou a nascente e a foz
deste rio adulterado
que em mim ameaça secar.
Daqui
ouve-se a queda, a correnteza
e a linguagem asfixiada do seu curso
desatinado, fecha-se, sem saber como
escorrer.
Mas liberta-se
E explode
os seus barrancos
de alaridos verbais.

                                      2

                   Só então
O silêncio
num amplo incêndio
que inicio
na ferida das palavras
ou se possível,
na carne escura do dia
onde há pouco rompia-se
o tecido coagulado
dos vários úteros
que me fabricam.

 

         Nebulosa

        Não tenho
constelações
nos bolsos
estrelas nas mãos
nem luas no coração:
tenho
apenas um corpo
(de incerta grandeza)
rompendo paredes
que os dias erguem
sobre o meu chão.

                  

         (????)

        Quantos idiomas terei
que falar
para não deixar
minha linguagem
explodir
em silêncio
tendo
tanto o que
dizer?
 

 

TEXTO EN ESPAÑOL

 

LINGUAGENS – LENGUAGENES /Edição bilíngue Português / Español.  organização Menezes y Morais; tradução Carlos Saiz Alvarez, Maria Florencia Benítez, Lua de Moraes, Menezes y Morais e Paulo Lima..   Brasília, SD: Trampolim, 2018. 190 p. (7ª. coletânea do Coletivo de poetas) ISBN 978-85-5325—035-6. 


BENDITA GULA                   

Para tu hambre de amor
(mi amor)

                 chorro
leche
y miel;

                              caramelo
cariño,

brasas
carícias
y
amaso pan.


Llévame a tu boca: pruébeme, gota a gota...
engulle con calma mi alma
y que nos condene la más sublime perdición.

Después cómeme hasta saciarte
sin temer por tu salvación:
seré tu pecado
tu castigo
y perdón.

¡ Acuéstame! ¡Sírvete de la extenuación!

                          
Es de plumas y nubes
la mesa de mi cuerpo.

Está puesta la cena de mi corazón.

 

I COLETÂNEA DA ACADEMIA CRUZEIRENSE DE LETRAS.  Rafael Fernandes de Souza (org.)  Brasília: Art Letras Gráfica e Editora, 2019.  224 p.  ISBN 978-85-9506- 135- 4        Ex. bibl. Antonio Miranda

 

ALMOÇO DE DOMINGO

Sobre a comida
(sobretudo no prato)
em silêncio servida
à mesa posta sem mim
sugerindo minha saída

(quando aqui
ainda estou):

não se preocupe
em revelar o valor;

não se preocupe
em elogiar o sabor...

desnecessário
qualquer gesto
ou comentário
inibidor.

Minha fome nada come
não se ouve
e nem se vê
onde exala o desamor.

 

POR FALAR EM NOSTALGIA

 

                Depois de tantos
sonhos
mortos
que
(comigo)
já enterrei

e de tontos
passos
tortos
que
(por nós)
tropecei,

a única saudade
que
sei
é a que
sinto

do que
ainda
serei


*

Página ampliada e republicada em junho de 2022

 

 

 

 

Página ampliada e republicada em janeiro de 2020

 

 

 
 
 
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