DAGMAR DESTÊRRO
(1926? - 2004)
Dagmar Destêrro e Silva, poeta, foi membro da Academia Maranhense de Letras, onde ocupou a vice-presidência. Autora de Segredos Dispersos (1957).
Êxtase
Amor, bem sabes tu como te quis...
No afeto que minha alma te ofertou,
dei-te tudo... Ilusão... Dei-te carinho...
uma alma vibrante,
- essa taça de vinho que sorveste feliz,
o vinho delirante
que tua vida embriagou.
Amor,
bem sabes tu como te quis.
Na volúpia de querer a tua vida,
Tua alma na minha alma confundida,
retratei-me toda inteira nos meus versos...
Meus segredos dispersos!
Amor, bem sabes tu quanto te quis.
No momento supremo, iluminado,
que ainda agora o coração bendiz,
nos encontramos,
e nos amamos
o meu olhar no teu continuado.
Meu ser estremeceu,
vibrou minha alma, num lampejo.
Senti, na terra, o céu.
Tive em mim a volúpia de um desejo.
Tudo, agora, porém, é solidão.
Já não voltas, não podes mais voltar.
A minha alma lamenta em triste pranto,
nunca mais te encontrar.
Lamenta este meu coração
não haver gozado,
não haver te dado,
carinhos que me deste e eu não aceitei,
os beijos que pediste e não te dei...
(Segredos Dispersos,1957)
São Luís
pequena sala de objetos antigos
do nosso imenso e querido Brasil.
São Luís
dos sobradões de azulejos,
do lendário Ribeirão,
do cuxá com peixe frito
e do gostoso camarão.
São Luís
da canção dolente
que mexe com o coração da gente
na voz doce de um Romeu.
São Luís
é antiga
e tão cheia de ladeiras!
Nestas, as casas inclinadas
parecem moças cansadas,
recurvadas,
fatigadas,
depois de um baile infernal.
São Luís é tão linda!
É minha terra natal!
São Luís
de Ana Jansen,
Pai-Avô
e o pobre Maia,
que pela rua, cantando,
deixava a gente pensando,
dava trabalho à memória:
qual será sua história?
São Luís
é saudade!
Dantes havia,
bem me lembro,
casinhas pobres,
na porta,
uma luz vermelha,
morta,
era a trombeta silenciosa
anunciando·a existência
da tainha frita, gostosa.
Isso foi quando eu era
bem criança.
Essa luz vermelha, morta,
guardei sempre na lembrança.
São Luís
é sala antiga
é o retrato da saudade;
desafio da esperança
transformado em realidade.
Vibrante, alegre, altaneira,
romântica e cultural.
São Luís é terra linda.
É minha terra-natal!
(Parábola do Sonho Quase Vida,1973)
Corrida
O avanço do tempo corre a vida,
mas nesse tempo há pedras espalhadas,
pedras agudas, carnes esfarrapadas,
sangue jorrando de cada ferida.
o tempo açoita a vida noite e dia
e ele chora, tropeça, levanta e continua.
Só e esperança anima a travessia;
e a alma corre, descabelada e nua.
E a vida não tem tempo, ao tempo, em meio,
de ver o belo existente no caminho;
não perder na corrida é o seu anseio;
sua atenção conserva em desalinho.
No embrião da vida, no tempo, avanço.
Subidas e descidas - tantas conheço:
e na vertigem do correr me canso.
Procuro, em vão, meu horizonte do começo.
(Pedra-vida,1979)
O que é a verdade
Lancei a minha semente
na terra que conquistei.
Com cuidado e água crescente
aquele meu chão reguei.
Esperei com esperança
esse dia que chegou.
Fiz sorriso de criança
quando a plantinha vingou.
Retirei pedras pequenas,
pedras feitas de maldade;
com agudas pontas-penas,
arestas de falsidade.
Adubei com meu amor
o meu pedaço de terra;
pedaço pequeno, sei,
grande, porém, no que encerra.
Arranquei ervas daninhas,
afastei gestos diversos.
De manhã cantei modinhas.
A noite, disse meus versos.
Meu próprio sangue eu usei
para dar à planta alento.
Em muitas noite fiquei
vigilante e ao relento.
No meu chão está plantada.
Lutou, cresceu, prometeu.
Por muitos foi sufocada,
mas reagiu e venceu.
Minha vida é aquele chão,
pedaço da humanidade.
E a semente, simples grão,
é minha própria verdade.
(Canto ao Entardecer, 1985)
Página preparada por Zenilton de Jesus Goayoso Miranda e publicada em out. 2008.
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