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CARLOS CUNHA
Luis Carlos da Cunha nasceu em São Luis do Maranhão em 18 de maio de 1933, poeta, crítico, ensaísta, cronista, jornalista, professor, graduado em história e geografia, membro da Academia Maranhense de Letras. Autor de muitos livros de poesia, desde o primeiro – Poesia de ontem (1968).
Punhal da aurora
Ainda escuto a fala do meu pai,
iluminando o silêncio de tapeçaria
da nossa casa de telhado verde.
O rio que lavava a ruazinha estreita
não vegetava mágoas.
Ainda escuto a canção da aurora
que tocava o homem do realejo
com seus olhares retos
e o sorriso de orvalho.
Saudade de Maria
com seu olhar umedecido de alvorada.
Muitas vezes, muitas, percorri a rua
carregando sonhos nas mãos inocentes,
brincando com meus irmãos que nesse tempo
eram apenas anjos de porcelana,
num país sem memória.
Hoje que Rominha tem outro nome
e outras as crianças que ali residem,
a perspectiva das casas tornou-se paralela.
Deuses tiranos caminham sobre a lama viva
e os jardins que sorriam,
como as janelas, agora são de nuvens.
Como a infância corre depressa
na terra grávida do tempo.
Os meus castelos,
já não são fantasiados de papoulas,
mas castelos de vento.
Os meus sonhos agora já não têm a cor do gerânio
e o sol que havia no meu olhar
tornou-se uma saudade ancestral.
(Cancioneiro do Menino Grande/1972)
Trovas
Saudade é vaso quebrado,
guardado em maior recato;
é o fantasma do passado
colorido num retrato.
Confesso, na mocidade
saudade não ter sentido;
mas hoje sinto saudade
daquele tempo perdido!
Saudade traz o perfume
de tudo o que já passou;
a saudade é um vagalume,
resto de luz que ficou.
(In Minha Terra Tem Palmeiras/Clóvis Ramos/1970)
Condor Ferido
Para Jacimira, minha esposa
Eu já fui forte, ousado, destemido,
um rochedo sem medo do oceano,
primavera durante todo o ano
um feliz vendaval sem ser vencido.
Eu fui condor, voando distraído,
sem receio ou temor, sem desengano,
conquistei corações qual um tirano,
fui mais forte no amor do que Cupido.
Mas, tu chegaste, assim, na minha vida.
E foste entrando, em mim, despercebida,
deitando lá no fundo da minh'alma.
Pobre destino o meu, morrer assim:
um furacão vencido pela calma.
Foi tão-somente o que restou de mim.
(Areia Velha/1989)
Colaboração de Zenilton de Jesus Gayoso Miranda.
CUNHA, Carlos. Cancioneiro do menino grande. Ilustrações de Genes Soares. São Luis,MA?: Tipografia São José; Edições Mirante, s.d. folio dobrado em 8 folhas. ilus. p&b. Col. A.M. (EA)
BREVE ROMANCEIRO DO NATAL no ano de mil novecentos e setenta e dois do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Salvador: Editora Beneditina Ltda, 1972. ilus. s.p. 22,5x 30 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda.
CANTO DO NATAL NO PERÍMETRO URBANO
há mecanismo no espaço físico das ruas.
ruas estreitas apertando
casas e cones;
ruas largas aceitando
esquinas e deltas.
ruas que se eu penso
são becos, burgos, rampas.
todas repletas de criaturas mecânicas
que dormem o sono depressa
da aceitação sem hino,
que amam com uma ternura
dúbia e morta.
cheias de criaturas chamadas práticas
que choram uma vez por ano
que perdoam uma vez por ano
que são solidárias uma vez por ano.
as vitrines são bailarinas feéricas
bonecos que expelem fogo pela boca
ursos que falam com um gramofone no peito
papai noel sem mais a obesidade secular...
estão cheias de criaturas metódicas
que pensam que jesus cristo é romano
que leram a bíblia para duvidar
que informam que o anjo gabriel é vesgo e coxo.
as igrejas são santos de celulóide
sinos automáticos
cérebros eletrônicos medindo o fervor
dos salmos e a carência dos deuses.
o recém-nascido
é ensaiado nas televisões
o recém-nascido
tem um olho azul de vidro
o recém-nascido
tem o cabelo partido ao meio.
as ruas estão cheias
dos que não perdoam uma vez por ano
dos que não choram uma vez por ano
dos que não são solidários uma vez por ano.
o canto do galo já não tem sete ecos
a estrela guia já não tem sete cores
o rei que indaga que indaga
já não tem sete servos.
os reis magos são todos
do perímetro urbano,
os bichos que adoram
são bichos domésticos,
os pastores são todos do perímetro urbano.
Poesia mística e religiosa - Natal
Página publicada em novembro de 2008. Ampliada e republicada em dezembro de 2013. Página ampliada em setembro de 2019.
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