ASSIS GARRIDO
(1899 - 1969)
Poeta, teatrólogo, jornalista, funcionário público nascido em São Luis do Maranhão, membro da Academia Maranhense de Letras, Instituto Cultural Americano-Argentina.
Obra: A Divina mentira( Poesia, 1944), A Vergonha da família (Teatro),
Dom João (1922), O Livro da minha loucura, e O Meu livro de mágoa e de ternura (Poesia, 1923), Oração materna (Poesia, 1920), Regina (Teatro, 1920) e Sol glorioso (Poesia, 1922).
VÊNUS
Deusa, a teus pés a flor das minhas crenças, ponho!
Mulher, eu te procuro, eu te amo, eu te desejo!
Para a tua nudez, - a gaze do meu Sonho,
Para a tua volúpia, o fogo do meu beijo.
Divina e humana, impura e casta, o olhar tristonho,
Cabelos soltos, corpo nu, como eu te vejo,
Dás-me todo o calor dos versos que componho
E enches-me de alegria a vida que pelejo.
Glória a ti, que, do Amor, cantaste, aos evos, o hino,
Que surgiste do mar, branca, leve, radiante,
Para a herança pagã do meu sangue latino!
Glória a ti, que ficaste, à alma dos homens, presa,
Para a celebração rubra da carne estuante
E a régia orquestração da Forma e da Beleza!
(In Antologia da Academia Maranhense de Letras,1958)
A FRASE QUE MATOU O OPERÁRIO
"Não precisamos mais do seu serviço",
Disseram-lhe os patrões, há dois meses e pouco.
E ele se foi, sob o calor abafadiço
Daquela tarde, murmurando como um louco:
" Não precisamos mais do seu serviço" .
,. Não precisamos mais do seu serviço..."
De tantos anos de trabalho era esse o troco
Que recebia. Em vez de lucro, apenas isso...
E ele consigo murmurava como um louco:
" N fIO precisamos mais do seu serviço..,"
"Não precisamos mais do seu serviço..."
Torou-se bruto e respondia, a praga e a soco,
Aos filhos e à mulher, famintos no cortiço,
E após, chorava murmurando como um louco:
"Não precisamos mais do seu serviço..."
"Não precisamos mais do seu serviço..."
E ele saía a ver emprego, triste e mouco,
Nada! Nenhum!... E cabisbaixo, o olhar mortiço,
Ele voltava murmurando como um louco:
"Não precisamos mais do seu serviço..."
"Não precisamos mais do seu serviço..."
E cada vez sentia mais o cérebro oco.
Enforcou-se.Morreu. "Foi o diabo ou feitiço..."
Ele murmurando, como um louco:
"Não precisamos mais do seu serviço..."
(O Livro da Minha Loucura,1926)
TROVAS
Tic-tac... E a mocidade
vais-se e aparece a velhice...
Tic-tac... Ai, que saudade
Dos tempos da meninice!...
O amor, que em sonhos espreito,
em teu coração não medra:
Será por acaso feito
o teu coração de pedra?
Eu era um só. Tu surgiste -
e assim ficamos os dois:
Depois, eu vi que mentiste,
e um só me tornei, depois!
Foge-me a tua conquista,
vou-me embora, - por que não? -
Quanto mais longe da vista,
mais longe do coração...
Minha filha, pobre rosa,
vê quanto sofro, querida,
ao pressentir ver trevosa
a estrada de tua vida!
(In Minha Terra Tem Palmeiras/Clóvis Ramos/1970)
RAMOS, Clovis. Minha terra tem palmeiras... (Trovadores maranhenses) Estudo e antologia. Rio de Janeiro: Editora Pongetti, 1970. 71 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
Esta vida é uma pomada
de maciez de veludo...
e eu já não sofro de nada,
de tanto sofrer de tudo.
Tic tac... E a mocidade
vai-se, e aparece a velhice...
Tic tac... Ai, que saudade
dos tempos da meninice!...
O amor, que em sonhos espreito,
em teu coração não medra:
Será por acaso feito
o teu coração de pedra?
Eu era um só. Tu surgiste —
e assim ficamos os dois:
Depois, eu vi que mentiste,
e um só me tornei, depois!
Foge-me a tua conquista,
vou me embora, — por que não? —
Quanto mais longe da vista,
mais longe do coração...
Minha filha, pobre rosa,
vê quanto sofro, querida,
ao pressentir ver trevosa
a estrada de tua vida!
ampliada e republicada em outubro de 2019
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