ANA ELISA MERCADANTE
Ana Elisa Viana Mercadante nasceu em São Luis do Maranhão em 1926. Poeta, diplomada em Letras (1945), diplomada em medicina (1953), médica psicanalista. Autora de "Os ritos da noite".
PERFEIÇÕES
No ubíquo mar da minha inveja
nadam e surfam jovens seminus
Na pele espelho, o sol imprime ouros.
Montando águas, potros luzidios
empinam ondas.
Sobem na tensão
turbando arcos verdes de cristal.
Se lançam:
setas ávidas de vida
rasgando espumas.
Ícaros do mar
se escondem.
Pumas
se embrenhando em ventres
vão grafitando nomes de água e sal.
Ressurgem
lassos de êxtases
de espasmos
mas já buscando a volta, o renovar.
No horizonte vagas perfeições
formam volumes, planos e apelos.
No leito seda,
as curvas destruídas,
em letargia,
afagam pés que fogem.
São deuses.
Deuses alheios ao meu mau olhar.
GINÁSTICAS
Tirana de seus eixos e seus fulcros,
asseia em óleos íntimas roldanas.
Não óleos bentos, certamente lúbricos,
óleo de peças amoldando atritos.
Em tácito controle de seus músculos
apura sempre as modernas juntas,
aptas à luta pelas endorfinas,
a exalar suor e feromonas
nessa rotina de correr pelas ruas
e de repente disparar de susto.
Aptas à guerra santa ou pulcra
dessa rotina de correr sempre por camas
e competir por nota em Kama-sutra.
Extraídos da revista POESIA SEMPRE, ano 9, número 14, agosto de 2001. Edição da Fundação Biblioteca Nacional.
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De
Os Ritos da Noite
(Rio de Janeiro: Sel Editora, 1999
NOITES
I
Em mim as noites rimam seu cansaço.
As dúvidas.
A trágica certeza
Envolta no mistério desse abraço.
Lembranças. Vozes frescas de surpresa
amarelinhas pulam verdes passos.
Em prometida cena de beleza
sementes plantam corpos no embaraço.
Escorrem dores da úmida represa.
Em mil e um dos contos já contados
Restam assuntos nunca divididos.
De malas prontas, amarrados cintos,
sonham viagens barcos ancorados.
Aguardam rotas. Rumo decidido.
Ilhas insones de vulcões extintos.
O DOCE PÁSSARO
Em raros,
cada vez mais raros,
momentos,
certos movimentos,
às vezes bruscos,
outros lentos,
tão ágeis modos de energia,
passos
ou estender de braços
em graça
e planos de harmonia,
em curvas
firmes de amplitude,
me instalo
em breve mocidade.
Indiferente ao tempo rude.
tendo por dote o infinito
e por presente a eternidade.
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Poema publicado em
“Poetâneas 5”
em Portugal, com a coordenação de
Julião Bernardes, em 2006.
Miragens
Os versos tristes surgem dos meus prantos,
Banhados pelas ondas, pelos sais,
Dos frios, insistentes mares, tantos
Que me anunciam eras glaciais.
Se há restos de ternura pelos cantos,
Há tênues sóis que não me aquecem mais.
Vestiu-me a idade em castigados mantos
Precários nas arenas invernais.
Porém se a noite volta-me ao passado
Retorno em alegrias, esperanças,
Antigas cores, jovem ao teu lado,
Oásis vivo à seiva de lembranças.
Rebelde ao tempo, o sonho, em seus ardis
Sempre floresce em quem já foi feliz.
Página ampliada e republicada em dezembro de 2008
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