ALBERICO CARNEIRO
Poeta e romancista, editor do suplemento Guesa Errante, Suplemento Cultural e Literário do JORNAL PEQUENO.
“Alberico Carneiro chega ao seleto clube dos sexagenários com uma invejável bagagem de trabalho em prol da cultura e da educação maranhense. Este admirável poeta e professor, que nasceu em Primeira Cruz, no dia 15 de maio de 1945, e viveu a infância no Arquipélago de Farol de Sant‘Ana, no litoral oriental do Estado, é hoje, assim do alto de seus 60 anos de vida útil, uma figura representativa para o Maranhão atual.” Manoel Santos Neto
As Damas Negras em Noite de Núpcias
1 talvez um poema seja
simples sobra de palavras
impronunciadas por pessoas
na inútil BabeI da fala
mas impressas como em tábuas
da sarça do Verbo em chamas
nessa partida de Damas
Negras em Noite de Núpcias
que num lance de dados e de dedos
o acaso não abolirá
2 talvez um poema seja
simples poeira de palavras
projetadas de pessoas
imprimidas como trevas
bem no coração da névoa
que acaso num lance de dedos e dados
como silhuetas que se projetam
como penumbra esfumada
que o acaso não abolirá
3 talvez um poema seja
simples sombras de pessoas
transformadas em palavras
silhuetas tatuagendadas
por invisíveis carimbos
que explodem na claridade
a pista de rastros e restos
de cacos caos e resíduos
do simulacro das lágrimas
mumificadas em larvas
de adeuses e últimos gestos
salvo após o rescaldo
em caligramas e símbolos
que de súbito num lance de dedos e de dados
o acaso não abolirá
4 talvez um poema seja
simples escombros de palavras
projetadas de pessoas
balbuciados pedaços
de silêncios e silícios
de gritos amordaçados
silenciosos ideogramas
gritos dos olhos dos mudos
barulho de dedos dos surdos
o supertato dos cegos
na visão dos surdomudos
aprisionados em páginas
imagens anônimas das almas
mensagens psicografadas
na comunhão dos sentidos
que num lance de dados e de dedos
o acaso não abolirá
5 talvez um poema seja
simples sobra de palavras
projeção de suas sombras
ou o espectro de suas auras
que da escassez ou da falta
ingressam na noite e tombam
no elíptico canto deságuam
no despenhadeiro da ascensão
que por um lance de dados e de dedos
acaso não abolirá
6 talvez um poema seja
simples sobras de palavras
impronunciadas por pessoas
projetadas como sombras
tatuagendadas na pele
tangenciadas na neve
com impressões digitais
silhuetas que despreendem
oscilam dos corpos e tombam
num lance de dados e dedos
que o acaso não abolirá
7 talvez um poema seja
simples sobras de pessoas
encantadas em palavras
projetadas como sombras
tatuagendadas incisões
como impressões digitais
de cicatrizes em ronda
que se despreendem da pele
oscilam dos corpos e tombam
num lance de dedos e dados
que o acaso não apagará
8 talvez um poema seja
somente sombras de palavras
pó que despreende dos corpos
como poeira de estrelas
que viola a gravidade
do Cosmo e telescópios
e foge de apelos celestes
viaja a mil anos-luz
e à noite poleniza as folhas
em suas densas carolas
e no coração das trevas
inscreve-se em simples larva
e deixa aí manuscrito
todo o poema da Terra
que nos charcos enfim enfloresce
como num lance de dedos e de dados
que o acaso não abolirá
9 talvez um poema assim
seja simples
como sombras de palavras
simples silhuetas ímpares
de simples pessoas pares
anônimo canto dos parias
que no caminho meio desta vida
entre lances de dedos e de dados
como as Damas súbitas da partida
o acaso não abolirá
talvez o poema assim seja
(As Damas Negras em Noite de Núpcias/1994)
LATINIDADE: I COLETÂNEA POÉTICA DA SOCIEDDE DE CULTURA LATINA DO ESTADO DO MARANHÃO. Dilercy Adler, org. São Luis: Estação Produções Ltda, 1998. 108 p. Capa: Carranca – Fonte do Ribeirão – São Luís – Maranhão – Brasil Ex. bibl. Antonio Miranda
O CANTO
a morte chega e diz: stop!
e o canto avança no seu galope.
o corpo tomba. O invólucro não soma
é o canto em ascese do seu própria soma.
que a morte é sempre pretérita ao canto,
quando ela gera seu assédio e espanto.
de Edgar Allan Poe, Villon ou Pope
a morte é antes, que o canto é izope
e salta adiante no seu galope.
POESIA SEMPRE. Ano 15 Número 30 2008. Polônia. Editor Marco Lucchesi. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2008. 178 p. No. 10 381
Exemplar da biblioteca de ANTONIO MIRANDA
O corsário
Bebi da água
de vários rios
saqueei navios
em vários portos
voei no voo de muitas rotas
segui gaviões e gaivotas
e não me importo
por ser procurado
por ter achado
pela bagagem de contrabando
por ter cruzado oceanos
já conquistados
mas sempre a nado
Eu me perdoo
Por ser ousado
Eu sou um náufrago
eu não me engano
Eu não me zango
por ter sido dado por morto
há milhares de anos
tombadilhado no Atlântico
como um herdeiro de Adão
Indiciado por uso indevido de patente interior
e multiplicidade de identidades
por ter vários sósias em cada porto
mostro meu rosto de vários rostos
revelo plásticas e tatuagens
removo as placas das páginas
mostro os postiços e as próteses
Nada a opor:
EU NÃO SOU SÓ
Eu sou a soma
de quantas sombras
e o avesso
de quantos dramas?
Eu sou os versos
de quantos idiomas
e o processo
de quantos nomes?
Eu sou o fogo
de quantas chamas
e o pavio
de quantas bombas?
Sou o legado
de quantos anônimos
e a legião
de quantos nômades?
Eu sou o assombro
de quantos tombos
e as cartas
de quantas damas?
Eu sou o poço
de quantas águas
e o calabouço
de quantos lázaros?
Sou o gatilho
de quantas armas
e armadilhas
de quantas cigarras?
Sou as cartolas
de quantos mágicos
e o voo solo
de quantas águias
Eu sou os rios
de quantos cílios
e o delírio
de quantos grilos:
Sou a revoada
e quantas asas
e as palavras
de quantos párias?
Eu sou os rastros
de quantos passos
e as pegadas
de quantos astros?
Sou a linguagem
de quantos mártires
e os sabiás
de quantos cárceres?
Sou a alquimia
de quantos dados
e as alegorias
de quantos dedos?
Só sei quem sou
em caso de missão e labor
obstinação e amor:
EU NÃO SOU SÓ
Na trajetória desta viagem
há muitos riscos
há muitos risos
há muitos passos
há muitos pássaros
misteriosos
há muitas gralhas
e gargalhadas
entre espinhos e rosas
há muitas lágrimas
em cada láurea
há muitas hostes
muitas risadas
novas piadas
e hostilidades
muitas viagens
e espantalhos
de pirralhos
e piratas
nas laudas
sem identidade
há muitos ossos
há insanos corvos
há muitas gralhas
comendo migalhas
às gargalhadas
pelas latadas
seguindo as pegadas
no ROSEIRAL.
Há muitos bicos
de aves que bebem
em estranhos rios
Outras se atrevem
a abelhudar
os precipícios
soltas em abismos
não se protegem
e caem no ridículo
da glória breve
sem tomar conhecimento do Sol
da Linguagem.
Página preparada por Zenilton de Jesus Gayoso Miranda, publicada em outubro de 2008. Ampliada em outubro de l2019
|