POESIA GOIANA
ção de SALOMÃO SOUSA
XAVIER JUNIOR
(1902 – 1979)
Xavier Junior é o nome poético de José Xavier de Almeida Junior, nascido na cidade de Goiás, no palácio Conde dos Arcos, em 1902, quando seu pai era presidente da então província de Goiás. Formou-se em Medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1927. Clinicou durante 30 anos nas cidades goianas de Morrinhos, Goiás, Caldas Novas, Anápolis e Goiânia. Foi Secretário de Obras Públicas do Estado de Goiás, no período de 1927 a 1930. Aposentou-se como médico da Estrada de Ferro de Goiás. Fundador e primeiro ocupante da cadeira nº 13 da Academia Goiana de Letras, que presidiu de 1953 a 1957. Na sua gestão, mais precisamente, em 1954, coordenou a realização do I Congresso Nacional de Intelectuais em Goiânia, evento que foi um divisor de águas no cenário intelectual goiano, contando com a presença de vários escritores ilustres, entre eles, Pablo Neruda e Jorge Amado. Mais conhecido como poeta, tendo inclusive recebido o título de “Príncipe do Poetas Goianos”. Publicou algumas obras científicas, mas sua carreira literária foi marcada pela publicação, em 1942, do livro A canção do Planalto, que retorna em 2002, em edição da Cânone Editorial, com a mesma composição original, acrescido de alguns poemas inéditos e de alguns textos em prosa reveladores da riqueza de sua formação intelectual.
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A CANÇÃO DO PLANALTO
O Torto, como dissemos, é o ponto mais elevado do Brasil. A vista se estende ao longe, dominando colinas e montanhas, rios e florestas. Estamos na linha divisória das águas: as vertentes do norte e do oeste correm para o Tocantins e o Araguaia, as do sul para o Rio da Prata e as de leste para o São Francisco.
Frei Tapie
Das convulsões telúricas primevas
Brotei, rocha de fogo, enorme e alcantilada!
Quando me aplaino e alargo pelos ermos,
A extensão das campinas que revestem
Meu dorso, como as ondas ao Atlântico,
Desfaz-se no horizonte,
Embebe-se de azul,
Tinge de verde o céu, no indeciso limite...
E o próprio sol, quando agoniza,
É uma poeira de ouro,
Para o engano da vista deslumbrada,
Sobre o mistério verde-azul
Do ocaso indefinido.
Quando me precipito e dilacero
Em socavões e grotas,
Esses desvãos da minha estrutura vulcânica
Enchem-se de ouro e pedrarias,
Eternizando a lenda do El-Dorado.
Das rugas do meu solo imenso e rico
Nascem caudais buscando o oceano:
Ora, pausadas rolam, verdes e tranqüilas,
No leito do Araguaia,
Sereno como um lago
E desmedido como o próprio mar...
Escaldam-se nos crepúsculos
Tropicais,
Iluminam-se na hesitação
Das cores,
Estremecem à luz de todos os matizes,
E tênues ou profundas,
Sobre bancos de areia
Ou nos braços de pedra,
Que os travessões tentaculares
Apertam delirantes,
No furor do combate,
E desfazem, de manso,
Exaustos, rasgados, cobertos de espuma...
Prosseguem...
Irmanadas no Tocantins,
Glorioso de mais áspero caminho,
Enlaçam a Marajó,
E se misturam na peleja
Ao rio das Amazonas,
Restrugindo, gemendo, esbravejando,
Repelindo a invasão do largo oceano...
E abrem um sulco de doçura
Entre as ondas amargas...
Ora, saudando o oriente,
Rumo do São Francisco,
Arrepiadas e trêmulas,
Descem,
Pressentindo o esplendor de Paulo Afonso!
E, em procura do sul,
Torvelinham no Paranaíba...
Vertiginosas e cantantes,
Barrentas e erosivas,
Vão purificar-se
na Cachoeira Dourada,
Envolta na bênção do arco-íris perene...
E da Cachoeira Dourada
Derivam para o Rio da Prata.
As águas que se desatam dos meus flancos
Circulam por todo o Brasil.
E o sangue de todos os brasileiros
Vem se cruzar dentro do meu sertão.
O sertanejo que se afasta
diante da imigração,
Tropeiro, boiadeiro, garimpeiro,
Lavrador ou peão,
Vem para os meus campos,
Vem para as minhas matas,
Vem para as minhas jazidas,
Renovando as bandeiras...
Muita ambição se amortalhou
Na areia dourada dos meus rios.
E se envolveu muita esperança
No sudário verde das minhas florestas...
É o carinho selvagem da terra bravia!
Há de passar
Esta fereza primitiva:
Eu deixarei vencer a minha solidão...
E o sertanejo vitorioso
Há de abrir aos povos todos do universo
O coração do Brasil,
Deste Brasil tão grande,
Que os seus filhos tiveram
De alongar as bandeiras pelo azul,
As asas dominando a imensidade,
A cruz dos aeroplanos
Sob o Cruzeiro do Sul,
Para unir na distância os limites da Pátria!
ARAGUAIA
Plácido curso de água verde-clara,
Mar sem ondas e rio sem cachoeiras,
Quem seus matizes trêmulos pintara,
Do sol às lentas luzes derradeiras?
Se do leito surgisse alguma iara,
Lascivo o gesto e as formas feiticeiras,
Quem sabe, aos seus encantos se entregara
O índio que busca as ermas ribanceiras?
Dança a ubá sobre a tona, leve e esguia.
O índio, de pé na proa, o arco distende
E sonda o fundo com a mirada fria.
A emoção de ferir um peixe enorme
Sacode o corpo todo ao brônzeo duende.
E a noite desce... e o grande rio dorme.
A CASA CHATA
Casa onde nasci...
Velha morada do tempo
do Conde dos Arcos.
FLAMBOYANT
Flamboyant, que ilusória Primavera
Enfeita de esperança e de quimera,
Quase encobrindo a tua idade austera;
Flamboyant, que te elevas paternal!
Muita vez, nestes límpidos luares,
Me esqueço, imerso em lânguidos cismares,
Sentindo a leve placidez dos ares,
Embaixo à tua paz de catedral...
Vês? À saudade as lágrimas oferto.
Leva-as, leva-as, em seiva, para o incerto
Balanço de teus ramos viridentes.
Delas faze uma nuvem que, fugindo,
Voe pelo espaço... e vá, depois, caindo,
Molhar de minha amada as mãos tremente
A POESIA GOIANA NO SÉCULO XX (Antologia) – Organização, introdução e notas de Assis Brasil. Rio de Janeiro: FBN / Imago / IMC, Fundação Biblioteca Nacional, 1998. 324 p. (Coleção Poesia brasileira) ISBN 85-312-0627- 3 Ex. bibl. Antonio Miranda
As chuvas de ouro
As chuvas de ouro da avenida
Cobriam-se de flores...
Por galhos abertos em leque
Pendem os cachos amarelos,
Leves como se fossem plumas,
Louros como os raios de sol...
Ao vento que soprou pela manhã,
Muitas pétalas caíram
E, ora, espalhadas pelo chão,
Parecem "confetti"...
As árvores, também, gostam de Carnaval!
A tarde cai.
Imóveis e brilhantes, ao crepúsculo,
Enquanto a paisagem se torna,
A pouco e pouco, pardacenta,
Elas retém os últimos fulgores
Do sol que morre.
E o plenilúnio,
Assomando entre as árvores mais altas
Dos pomares vizinhos,
Cobre de uma chuva de prata
As chuvas de ouro...
(A canção do planalto/ 1942)
Coração vazio
Os versos vêm-me, como frases lentas,
Murmuradas, a custo, no silêncio...
São versos que não cantam
São versos que não choram,
São versos roucos...
Depois de um turbilhão de amores que amargaram
Toda a alegria do meu viver,
Bate, soturno,
O coração vazio.
De que vale a ambição,
A conquista ilusória de aparato,
Conforto e luxo,
Vaidade e glória?
Para quê?
Se não descubro o lábio casto que receba,
No meu beijo, a oferenda
Do meu amor, do meu trabalho, do meu sonho?
Se têm sido miragens
As sombras meigas de mulheres puras
Que, um momento, me deram a esperança
De que viriam completar a minha vida?
Para quê?
De que vale a ambição?
Quando as promessas do porvir
Outro objeto não têm,
Senão satisfazer o meu orgulho?
Mais vale que eu encerre o meu destino:
Na derradeira página vibrante,
Serena ou fria,
Que encheu meu pensamento...
No último poema de prazer ou de renúncia,
Que me feriu a sensibilidade...
No derradeiro passo luminoso
Da Ciência...Que prendeu minha atenção...
Nas derradeiras horas de trabalho,
Em que, aliviando o sofrimento alheio,
Pude esquecer, por algum tempo, as minhas mágoas...
No último corpo de mulher efêmera e bonita,
Que os meus sentidos perturbou e adormeceu...
Penso que, se eu perdesse o desprezo da vida,
Nobilitando o afã das horas porvindouras,
Constituía, porventura, um lar...
Mas a ironia dos minutos de hoje
Sugere o pessimismo
De que seria inútil:
Passar a novas mãos para a mesma arrancada
O facho involuntário da existência.
(A canção do planalto/ 1942)
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Página ampliada e republicada em maio de 2022.
Página publicada em fevereiro de 2009.
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