WESLEY PERES
Nasceu em Goiânia (GO), em 1975. Atualmente mora em Catalão (GO). É mestre em estudos literários pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e doutorando em psicologia clínica e cultura pela Universidade de Brasília (UnB).
Autor do romance CASA ENTRE VÉRTEBRAS, Editora Record (2007), vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2006. Seus livros de poesia: PALIMPSESTOS, vencedor da Coleção Vertentes, da Editora da UFG, 2007; RIO REVOANDO, USP/COM-ARTE, 2003; ÁGUA ANÔNIMA, prêmio Bolsa Cora Coralina 2001, publicado em 2002 pela AGEPEL.
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Ela, a que não escreverei,
a que me rascunha os ventos e me arranha a língua,
caos entremeando-me os dedos,
ela, a que me escreve em suas cartas.
De Palimpsestos, p. 59
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E se ela sente saudades da noite,
envio-lhe, em palavras,
uma concha, por exemplo,
ou simplesmente pronuncio seu corpo em aramaico:
caos, cuja chave é do lado de dentro.
De Palimpsestos, p. 97
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Tão humana quanto um demônio sonhando, ela
me sopra o húmus da-alguma-mulher-que-se-abraça-e-diz:
A lua sabe a minha chuva,
anjos são mulheres que escolheram a noite;
sem lua, é outra a beleza da noite.
De Palimpsestos, p. 99)
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Percorre como um caule ou a morte,
percorre como a mão percorre o tempo
ou como a superfície do vento se percorre,
percorre, mortalmente, uma rua numa tarde sem estrelas
e em que a neve brilha o brilho de um corpo
ou das frases nuas enrolando um demônio morto
um vidro quebrado no asfalto: intermeando o vidro e o passante,
por sobre o reflexo torto, uma formiga, espremida pela imagem
que transita entre o vidro e o passante, numa linguagem nua
movida a raios de lua ou de sol ou pela coisa nenhuma
pensada agora pelo passante que percorre.
De Rio Revoando, p. 40
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Então,
em meio à eternidade,
ardia-lhe o gume
de não ser humano,
de não mais ser aquela fratura imposta,
e, sobretudo, doía-lhe aquela noite,
a única possível no depois da morte.
De Rio Revoando, p. 77
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Caderno existencial
E depois do entre lâmina e água, o nada
cala esse algum observador de ventos;
deserta-o para nem dizê-lo, para
alá-lo, nem entredizê-lo nunca.
E o quem observa só se fala em frinchas:
do nada, são palavras, as aquelas,
ou, sim, o mesmo, a plena ausência delas.
De Rio Revoando, p. 78
De
PERES, Wesley.
Paiimpsestos
Goiânia: Editora UFG, 2007. 117 p.
(Col. Vertentes) ISBN 85-7274-274-0
Esvaziado ("Há um imenso ninguém em minha pessoa"), ou multiplicado nos microfragmentos que compõem estes belos Palimpsestos, o discurso de Wesley Peres demonstra que poeta é o ser capaz de "sonhar em terceira pessoa". A dicção
delicada e lapidar do autor, nessa nova incursão após o bem-sucedido Rio revoando, atinge um patamar de alta reflexão lírica, em que o sujeito, em busca de sentido, recolhe a "oniausência" de sua voz frente aum real sempre esquivo.
ANTONIO CARLOS SECCHIN
Segredos para dormir:
ouvi um cão orando para as águas;
meditei chamas para entender o rio;
respirei águas e me parti em dois;
de fora desses dois em que me parti, flutua a coisa que sou.
Também foi ela quem me aconselhou a sonhar em terceira
pessoa.
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Um grito ou um cisco metafísico:
nítidos lábios se pronunciam.
Úmido o olhar de quem venta,
e a carne de quem olha para dentro,
imensa de almas perdidas.
Se tenho boca, é para vesti-la,
se tenho águas, é para falar-me.
DE
PERES, Wesley Godoi
Rio revoando
Ilustrações de Márcia Witchmann.
São Paulo: Com-Arte, 2003. 170 p. ilus.
ISBN 85-7166-064-6
“Você tem a mesma namoração com a natureza que eu tenho: “Se eu era crfiança / até vivía na beira dos sapos / escutando nuvens e árvores”. Acho isso poesía da boa. Outro: “Há um azul cheiro de mar…” Todo o poema é ótimo. “Acordes molhados de sol” é lindo. “Compulsão de dar mundo ao inexistente” é ótimo (…) Por fim “Amar a Deus / como ama uma formiga / a um trecho de folha”. Esse amor amplia o mundo. O amor da formiga amplia o mundo. (…) Vocéd é um ser caído no mundo das imagens — e é poeta por isso também.(…) Você vai fixar, como Rimbaud, as vertigens nas palabras. E tem o olho divinitório.” MANOEL DE BARROS
Quase espuma
Breve, poderosa matéria,
metáfora inconsútil de toda
e qualquer coisa
até o não.
Sua carne é o nada, sabe-se,
assim òomo de ossos d'água é
a musculatura invisível de suas cores.
O vento não a destrói não a sustenta
nem a habita, apesar de que habita
o dentro e o fora dela, pulsando
o imóvel de suas circunferências.
Limítrofe, essa mais efémera coisa eterna,
pois o que é, é da exata nervura
do tempo que a sua esfera encerra.
Imagem extraída da exposição "VARAL POESIA GOIANA 1917-2016" exposta durante do I COLÓQUIO DO POESIA GOIANA, na Universidade Federal de Goiás, de 13-14 de junho de 2017.
Página publicada em fevereiro de 2008. amplaida e republicada em outubro de 2011; página ampliada em junho de 2017
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