POESIA GOIANA
Coordenação de SALOMÃO SOUSA
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UBIRAJARA GALLI
Nasceu em Pires do Rio (GO), em 22 de fevereiro de 1954. Filho de Ludgero Carolino Soares Vieira e Elisa Galli Vieira. Fez o curso primário no Grupo Escolar Martins Borges, Pires do Rio; curso secundário no Ginásio Sagrado Coração de Jesus, de Pires do Rio, Escola Estadual Prof.º Ivan Ferreira, de Pires do Rio, Lyceu de Goiânia e Colégio Pré-Universitário. Formou-se em Administração de Empresas pela Faculdade Anhangüera em Goiânia. Foi diretor do Instituto Goiano do Livro e recebeu várias premiações em concursos literários. Foi presidente da União Brasileira de Escritores de Goiás, e da Fundação Cultural de Pires do Rio. Membro da Academia Goiana de Letras.
Bibliografia: Poemas e Papos, poemas, Goiânia: Oriente, 1977; A Fábula do Êxtase, poemas, Goiânia: Roriz, 1982; Poemas Balzaquianos, poemas. Goiânia: UCG, 1986; Licores da Carne, poemas. Goiânia: UCG, 1988; Amor Inverso, Goiânia: Kelps, 1990; Almíscar, Goiânia: Kelps, 1994; Tatuagens em Fuga, poemas. Goiânia, 1998.
* * *
Hoje meus versos
não disseram bom dia.
Não me acompanharam ao supermercado
para comprar pão e leite.
Estão farto desse poeta
que vive o cotidiano.
Não quero ler Buda,
comer nenhum tira-gosto.
(Nem mesmo cebola
de que tanto gosto)
Só desejo você
Anjo Desconcertante
dançando nas carnes do meu poema.
CHEIRANDO À GOIABA
Aqui cedo
meu corpo,
cheirando à goiaba madura.
Por ser poeta,
tenho na carne:
o privilégio
de todas as frutas.
MANGABAS SEIOS
Seus seios são saborosos
como as mangabas que amadurecem
no fundo das latas de arroz.
* * *
Não quero a poesia
que reprima em expectativa
o homem para o homem.
Não sofro por ser poeta.
O que dói é ter a compreensão
exata da humanidade.
Eu que convivo com os sentimentos
ainda não aprendi
DESCASCADOR DE AMÊNDOAS
para não falar da vida
seria capaz de tirar as sandálias
dos meus olhos
e beber o licor das minhas vísceras
de pássaro abatido.
O que fazer se até hoje
só tive acesso aos matadouros
edificados na extensão miserável
do meu destino?
Não quero a sensação
das mangas que caem para morrer.
Nos meus olhos
tem mais pedras do que peixes.
Eu nunca conversei
com as pedras dos meus olhos.
Não há alfaiate nesta terra
que possa suturar minha carne
que represa esse misto de sangue,
solidão e mentiras.
Tudo em mim é mentira.
Quem me vê
não sabe que sou o privilégio
dos que mentem.
Se a carne é fraca,
serei imortal como açougueiro.
Estou completamente
estuprado de poesia.
Erguerei meus versos
como quem ergue uma hóstia
e darei de comer a todos.
Eu preciso ser digerido.
Quero estar dentro de todos
como uma olaria que vomita estrelas.
Porém em mim
nada é sagrado.
Não sou batizado em nada.
Nasci para provocar a eutanásia
das flores das gameleiras
e dos condores que velejam
nos andes do meu coração.
Tenho nos quintais dos meus dedos
todas as sobras da vida.
Não sou um homem.
Sou um jardim de coágulos.
Meus versos são depósitos
de cinzas,
porque tudo em mim
está cremado à espera do vento.
Quero semear a minha ausência
nas crinas dos olhos em movimento;
e à sombra do crepúsculo verde
das mangabas,
ficarei a sós com a paisagem
triste do meu corpo.
Eu tenho que me ignorar.
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