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Inês Sarmet: s/foto do acervo do autor

TM  CASTRO   

Temístocles de Mendonça Castro nasceu no Ceará, em 1945. Advogado, exerceu a Promotoria de Justiça no DF, professor de Língua Inglesa. Pertence ao Grupo Chevalier de curiosos, que reúne artistas e intelectuais de Olhos d’ Água e  Alexânia - Goiás - onde atualmente reside. Ainda inédito em livro, possui sólida formação literária e tem compartilhado apenas com os mais próximos a vasta produção. Folhas e folhas de papel são confidentes de um novo tempo na vida dessa instigante figura humana, enquanto modestamente afirma: ”ponho no papel o que sinto para não me afogar no nada”. Uma promessa de longa jornada na criação de literatura.

 

Recuerdos 

(da série Cordel)

 

 

Tenho vontade de ter vontade

De ter vontade de vontades que já tive

Vontades que não dizem com o anoitecer

Nem com o amanhecer

Nem com a chuva

Nem com o sol

Era um se exorcizar, um se exercer

Algo que chegava de baixo pra cima

Que descia de cima pra baixo

Que doía debaixo do umbigo

Que fazia suspirar no peito

Uma coisa vontade que fazia rir

Rir pra quem estivesse de frente

De banda

De costas

De fronte

Que fazia os olhos esbugalhar

Zarolhar

Piscar

Tremer

E as capelas deles baixar

Que dava medo de não acontecer

E a roupa tão arrumada

E a colônia tão economizada

E o fumar tão elegante

Lembro-me de tal vontade

Vontade que já não é

Senão saudade em vez de.

Anônima e perversa e frustrante

Qual este o Mal, não acaba

Qual aquele, o Bem só fugidio

 

Alexânia, 10/ 11 de junho, 2006 



ANGINA PECTORIS  

Como dói ver-te na memória do que fui.

Sentir teu hálito no passado de meu olfato.

Tatear teu corpo no crepúsculo de meus olhos.

Salivar teus sabores em minha decídua boca.

Sonhar-te em meus solitários jovens sonhos.

Sonhar.

Sonhei.

Deixar-te ir, anos verdes, e

ao despertar,

viver o coração apertado ante esmaecidos horizontes.

Doer.

Doar.

Dói-me

 

Brasília, 30dez 2005

Uma vez a cada nós.

 

Não me olhes assim, ó Lazlo,

louro como és,

cabelos de Teseu,

torso de Minotauro,

como queres que te olhe, ó Lazlo?

 

Não me fales assim, ó Lazlo,

se me gorjeias teu contralto,

em candura de poeta inglês,

com a prosódia do planalto

como queres que te fale, ó Lazlo?

 

Não me andes assim, ó Lazlo,

se  marchas como um potro

se gingas a italiano,

se quedas em soslaio,

como devo me quedar, ó Lazlo.

 

Assim não me esperes, ó Lazlo,

mão ao mento, a Rodin,

de lascivas costelas, não há outro,

com teu perfil carmesim,

como posso te evitar, ó Lazlo?

 

Não te afastes assim, ó Lazlo,

com tuas sandálias de couro

com a urgência das Termópilas,

se me provocas a languidez ,

como te posso alcançar, ó Lazlo?

 

Não me venhas de mansinho, ó Lazlo,

com teu franzir de sobrancelhas,

com o arquear de omoplatas,

com o estufar dos peitorais,

como  devo me ataviar, ó Lazlo?


Não me provoques assim, ó Lazlo,

com sorriso de ignorância,

se me pões a cavalo

com estribo de desdém,

não quero assim cavalgar, ó Lazlo.?

 

Convida-me ao regato,

joga as espontâneas ancas,

masca o alecrim,

imita o macaquinho

fala ao sumido jaó,

desnuda-se desacato,

mergulha golfinho,

emerge sereia,

contempla-se Narciso,

sacode os pelos mastim,

desliza piroga,

cospe peixinhos,

mija satisfação.

 

Vambora embora, convido.

’pera um pouquinho, revida

e ri,

e ri

por que ris, ó Lazlo?

 

Foi bom, gostou, pergunta.

É, foi não, respondo.

 

Brasília, 2005 

A noiva nua 

 ( Inspirado em um mosaico de Marta Eliane de Oliveira)

 

                                                        A Marteliane

Cacos

Sucatas de vidas

Apanha-os impulsiva

Perfeitos em retos ângulos

a formar sonhos em quadriláteros.

Círculos – juras recíprocas -

esvaziam-se na magreza dos triângulos

Vértice – a bifurcação do real –

o impossível do ponto

O ponto – impossível de abrigar a pluralidade que somos

Ponto impossível de sermos.

Ninho de cacos-

adiável, mas sempre infalível

Proh pudor

 

Decompõe-se

A noiva se ver estilhaços

Córdicos, multicoloridos estilhaços -

O vermelho do sangue

O roxo do luto

O amarelo do pranto

O verde, há um verde, um verde

 

Seu suspirar é cinza

É cinza

É cinza

É cinzento

Finda-se em cinza

 

Há um dedo cor de rosa

Um dedo cor de rosa  aponta- lhe os cacos

É rosa.

É rosa

Inunda-lhe o rosa.

 

Meu champanha é rosa

Embriago-me

Dispo-me pálida

Acomodo-me em cores

Meus pequeninos retalhos me compõem

 

Elaboro meu sexo em amarelo

Ocorrem-me vermelhos meus novos alentos

Jorram-me dos seios o azul

Emana o verde de minhas negras pupilas

Meu canto é róseo !

 

Eu sou a noiva

Eu sou a noiva que repousa

que repousa sobre rijas e confortáveis almofadas

Eu sou a despojada noiva

nua, una, composta

Eu sou a noiva ex-pedaçada

ex-fragmentada.

Perdas, não as digo

Lutas, não as festejo

Festejo-me nua. Não luto

Antes róseo

Re- unida

Verde cerúleo

Minha noiva nua, eu sou

E meu champanha é rosa.

 

Alexânia, junho de 2005

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