POESIA GOIANA
Coordenação de SALOMÃO SOUSA
OSCAR DIAS
(1939 — )
Nasceu em Santa Rosa do Viterbo (SP), em 29 de janeiro de 1939, mas está em Goiás desde 1950, onde formou-se em Direito e construiu sua obra literária. É jornalista e advogado, mas ele se define como “engraxate, poeta, jornalista, publicitário, advogado e vagabundo”. Perseguido pelo regime militar de 1964, volta a São Paulo, passa pelo Rio de Janeiro, e acaba retornando a Goiânia (GO). Em 1966, publicou o livro de poemas Perfil em movimento, que foi saudado por Domingos Félix de Sousa, Brasigóis Felício e Basileu Toledo França. Aparece nas antologias A nova poesia em Goiás e Goiás, meio século de poesia, de Gabriel Nascente, e no livro A poesia em Goiás, de Gilberto Mendonça Teles. Tem livros inéditos de crônica e poesia.
SEGUNDO DELÍRIO
Não sei se é hora
de colher a fruta sanzonada.
Não sei.
Não sei mesmo até que ponto, exausto,
suportaria os ácidos sabores da espera longa.
Às vezes sinto o travor da morte, antecipado,
e o desânimo me aniquila debaixo dessa árvore.
E não consigo ao menos aproveitar-lhe a sombra.
A dúvida que me assola encontra a tua dúvida.
E nesse choque de emoções contidas pelo medo
a nossa vida se escoa lenta e trágica
até quando tentamos disfarçar a agonia
no risco torto e seco
onde não corre a seiva quente e olorosa
estancada na origem do sangue e da vontade.
O sentimento de ternura intemporal
fixou-se na minha alma e não sai mais.
E a minha impressão às vezes
é a de que ele chegou antes dos séculos.
As horas do relógio, os dias e os anos,
a ruga mansa envolvendo a tua boca,
nada me convence da existência do tempo
e que nos consumimos sem aproveitá-lo.
Uma coisa eu sei. E ela dói.
A fruta madura à minha frente é minha
e me espera.
E me espera até que o amor supere esta razão insana.
TERCETOS DE LAMENTAÇÃO
Falta o consolo que negaste ao meu sofrimento.
Um riso amigo ou palavra amena
que dissipasse essa tristeza longa e úmida.
Minha voz como um queixume te busca inútil,
e a amarga placidez da lua sobre os ramos
me agita o pensamento por estas sendas asfaltadas.
Se me inclino da bruma para ver os teus olhos
surpreendo apenas o vestígio morno dos teus cílios
e uma árida vontade de morrer me cobre o corpo.
Falta o consolo que negaste, graça indecifrável.
Um gesto simples ou semi-vago olhar
que me fizesse conservar a atenção de mim.
Quanto martírio para os meus poemas brancos
que de tão brancos, se transformarão em mármore.
Quanta maldade nesta pequena vida leve e branda.
As almas dos meus senhos irão em procissão
seguindo os rastros dos teus indefiníveis sonhos
e pousarão tranqüilas nas flores do teu cismar.
Não sentes, nesse modo alheio de enxergar o mundo,
o pesar profundo que inoculaste em mim
e a extraordinária falta que me faz o teu consolo.
POEMA 106
Sei de ti, até a rosa mais íntima dos teus anseios
de suspirar mais leve;
sei dos teus sonhos
e das lágrimas;
seu da tua profunda mágoa infinita de perder-se para sempre
além dos meus olhos e dos versos.
Sei de ti, amada,
como sei de mim.
Conheço o estranho ponto constelado
que tua pupila alcança mas não sente.
Sei de ti como de mim.
Da nossa tristeza,
dos caminhos que não caminhamos
e das dúvidas.
Sei de ti. Que me escorrerás pelos fios dos dedos
como a água,
e não tornarás, jamais, filha única da minha insônia.
Sei de ti como de mim.
Do amor (e se não for amor?).
Sei do destino,
do fado,
da fatalidade (sei lá)
que nos fez separados
quando somos o mesmo corpo-coração,
a mesma vida,
o princípio e o fim da natureza.
A POESIA GOIANA NO SÉCULO XX (Antologia) – Organização, introdução e notas de Assis Brasil. Rio de Janeiro: FBN / Imago / IMC, Fundação Biblioteca Nacional, 1998. 324 p. (Coleção Poesia brasileira) ISBN 85-312-0627- 3 Ex. bibl. Antonio Miranda
O enigma do tempo
Venci as águas do mal
e teu vulto emergiu das algas
— estátua de sal
— Iemanjá resgatada
por entre conchas e esponjas
enquanto estranhos seres marinhos
relutavam para manter a tua guarda.
Venci a resistência da morte
e o amor ressuscitou
tão intenso como era antes
no tempo da tua insensata partida.
Apenas há em mim uma palidez de desespero
e as minhas mãos trêmulas
não conseguem acalmar teus olhos.
Venci a inexorabilidade do tempo
e, de repente, estamos frente a frente
como se despertássemos do minuto mal dormido
da nossa perplexidade.
O tempo, essa ave de rapina,
não conseguiu estraçalha meu sonho
e nem apagar o nosso amor.
(Inédito/ 8.11.1984)
*
VEJA e LEIA outros poetas de GOIÁS em nosso Portal:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/goias/goias.html
Página ampliada e republicada em maio de 2022.
|