POESIA GOIANA
Coordenação: SALOMÃO SOUSA
MIGUEL JUBÉ
Miguel Jubé é natural de Goiânia. Concentra seus estudos em poesia luso-brasileira, literatura goiana e estética e filosofia da arte. É professor de Língua Portuguesa e Literatura para os ensinos básico e superior. É editor de livros pela martelo casa editorial. Recebeu, em 2014, o Prêmio Literário Açorianidade, da Associação Internacional de Colóquios da Lusofonia, por seus poemas de minimemórias (Calendário de Letras, 2015/Caminhos, 2015), obra vencedora com unanimidade pelo júri.
JUBÉ, Miguel. Poemas de minimemórias. Prefácio Goiandira Ortiz de Camargo. Posfácio Jamesson Buarque de Souza. Goiânia, GO: Caminhos, 2015. 100 p. 16x27 cm. (Coleção mensagem, n. 01) Prêmio Literário Aici. Açoranidade 2014 em honra de Brites Araújo.
“A poesia de Miguel Jubé é esteticamente bem realizada, com o rigor na elaboração do verso, porém sem incorrer no exercício da forma pela forma.” GOIANDIRA ORTIZ DE CAMARGO
“Eu diria que este é um livro propriamente enciclopédico, que, embora aqui e ali deixe para lá de evidente quais volumes — e até edições — de biblioteca vieram à tona no curso do processo criativo, jamais compromete — e muito menos perde — seu potencial lírico, o qual é próprio de quem, no recôncavo do monodia, suspeita, elege, cinzela, poda, inebria-se e canta.” JAMESSON BUARQUE
Soneto
Goiás... que nome largo, longe
José Décio Filho
casa, vidro em esquivo, quase pleno.
latências se desfazem lá no vinco
de outrora: estou aqui e nada mais!
se perguntas ‘desejo vão ou mútuo?’
respondo: estou aqui e nada mais!
os ventos e as revoltas distanciam
a coisa — perspectiva em paralaxe
sobre o esquivo fugaz —, rostos perplexos.
ao olhar deste copo se trincando
à bandeja entreaberta de um imóvel
centrado em meio alto, setor côncavo
os sussurros só curtem as pessoas
repercutidas (sempre!) em goyania—
goyaz, planície plena de planalto.
a hora da pele
marcar a pele em brasa
depois sorvê-la em brisa.
sentir e reter todo um movimento
alheio às formas secas
tão ríspidas tão amargas
numa atmosfera semblantes
em duo de valsa e versos.
e como tu sorvesses
toda uma brasa em beijos
depois recorresse à brisa.
em homenagem ao sacrifício
chocolate
matéria do paladar:
o paladar de tua magia:
a magia é a matéria.
inebriada entre as vozes sucumbe
e ralha mui nervosa:
ó cousa afasta-te daqui!
envolvo teu braço e teu pescoço
tua boca teu ventre tua coxa
e como eu tateasse
toda a tua pele em corpo
e isso te definisse mulher
nas mãos do meu sentido opaco.
ao tronco de um ramo caído
dirijo-lhe metade dos meus olhos
áspera a outra ainda aguarda.
JUBÉ, Miguel. eugênio obliterado. Goiânia, GO: Editora UFG, 2017. 92 p. 16x22 cm. Projeto gráfico e capa: Géssica Marques. ISBN 978-85-7274-471-3 Ex. bibl. Salomão Sousa
i
travo o pensamento obtuso
a forja inscrita deve
tudo um aquilo que não teme
uma PAREDE fosse
navalha de fossa ou de vento
e na cabeça CICATRIZ
apenas canto da razão
escondida que estava
se nas questões – RANCOR
risco é cara
o choro
claro
LIVRE
ii
é como colecionar um corpo, depois dizer adeus
não basta esteja a carne incrustada na memória
A MEMÓRIA É UMA COISA QUE NÃO.
eis abandonar o amarelecido da matéria
escorrendo gumes de tempo e espaço
AMONTOADOS de peças e papéis de jornais MAIS AMARELECIDOS
AINDA
partira um pão amiúde escasso
E FORA OUTRA VEZ UM SILÊNCIO
iii
quando um pensamento
inerte
no mesmo azulejo
passar a incomodar
VIRA O ROSTO
a manhã estava linda metida de cinza...
se o ragaço que te afaga é o mesmo que te larga
não é de pranto toda tristeza
nem de curtume o lixo
da dor
E SE FOR ASSIM, NÃO TE INCOMODES
vai secar
CONTRASTE DA AMÉRICA: antologia de poesia brasileira. Organizador Djami Sezostre. São Paulo, SP: Editora Laranja Original, 2022. 189 p. ISBN 978-65-86042-40-5.
Ex. biibl. Antonio Miranda
MINHA ELEGIA
se te ganha ou perde
a vela soçobra
monturo de cera
Jamesson Buarque
proteja-me ó tempo dos males de depois
dos males de que não sei
dos males escondidos
dos males maiores.
Só podemos contar com a sorte
se a lâmina atravessar primeiro
e descer à morte a luta.
mesmo que apolo ou atena
de posse de corpos travassem
mesmo que eneias vertesse
para o pacífico sul
proteja-me ó tempo de todos os males
e não de deixes ficar à mercê de mim mesmo.
quando da primeira colheita
que os camaradas estejam bem fortes e
dispostos
mesmo que a praga das pragas assole
o solo de todos os povos.
como entristece a praga nos
solos de todos
os povos.
é como a praga da noite inquieta
em rancho de baía
demais hilário
um rancho para todos os nossos reis.
dois santos estendam-se a nós
e guiem-nos pela labuta;
protejam-nos de todos os males
agora e na hora de nossa morte.
CRÔNICA
um:
era uma vez um rei encontrara da princesa
rainha.
com a ajuda do vil pedreiro fizera seu templo
esculpido de
pedras.
e era de alvenaria forte
casa forte mesmo
[na novavila ou na velha mocca]
ou fosse casa forte um dizer para todos os
nossos reis:
um rei precisa de ventos que o levassem de
volta
à traição
um rei precisa de calma para fosse rei de nação
ou
tivesse da relutância um tempo que se dissolva
no espaço.
um rei jamais deve se ater
a tempo e a espaço
senão dissolvê-los.
eis um rei para todos os povos: um rei-
dissolução.
pegou seu martelo e disse um rei pedreiro vale
mais
do que um pedreiro rei.
não que não razão não estivesse
nem que não tivesse à cena
caso que pudesse aviltar
mas o tocante à saudade de toda uma nação:
era outra vez silêncio
retido de pupilas chorosas
e naquela casa de alvenaria
forte, ficava de uma penumbra
um amarelo cheiro de enternecido
porquanto o rei sondava
a patente de causas e cousas
repetindo seu moto: era uma vez.
dois:
era uma vez um pedreiro roto que quis de,
vil uma alvenaria
não pode não poderá não poderia, pegou
então seu martelo
[e se negou, portanto, pelo gesto do martelo
sobre a sombra dos homens —
suas rainhas —, a fazer de vil
alvenaria um castelo
para todos os nossos reis].
resolveu que era pronto
e decidido houvesse
casa forte se apenas
casa forte se fosse
para todos os seus
camaradas / irmãos.
desmediu essas pedras
de pranto dumas casas
e como desmedisse
a si toda uma chaga
assolava e estava.
agora a pedra vai
à vontade de povos
antes latente agora
fato antes promessa
agora vida, força
que se faz e que fica
como é de pedra ser.
era outra vez um velho
e era uma vez a noite.
era uma vez um velho
cego mas se fizera
em que seus olhos todos
para todos se abrem.
sempre fora pedreiro
mas um dia foi rei.
guerreiro sempre fora
mas um dia deixou
escapar pelas mãos
de seus povos controle
e era outra vez pedreiro
não roto, mas pedreiro
e fez, do tempo, nata
que talha e se transforma
em isca para novos
auspícios que virão.
se não vierem, é
porque falhou em fábula
fabulare, e era
outra vez um começo
feito em seu próprio fim:
objectum factus est.
os povos e o martelo
um castelo moldaram
por terra, e na terra
está e estará
por todos os séculos
dentre todos os séculos
até que em si se faça
só voz.
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Página ampliada e republicada em julho de 2023
Página publicada em maio de 2016; ampliada em junho de 2018
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