RIO QUENTE E EU
Na minha terra existe um rio.
Pequeno curso, pequeno caudal
que deságua límpido
nas turvas águas do Piracanjuba.
Corre alegre, borbulhante,
mantendo constante
a água clara
a trinta e sete graus.
Persistente, meu pequeno Rio Quente!
Foi ele a imagem primeira
do que chamei de rio.
Mas não é ele, ainda,
um rio de verdade. É ribeirão;
e na cidade (pouco mais que vila),
o Córrego de Caldas,
miúdo e manso: hospitaleiro
para o banho, farto de lambaris
de ingênuas pescarias.
Rio mesmo
é o Corumbá, violento e forte.
Vem do norte
e reforça o Paranaíba,
que nasce em Minas.
Rios são assim, feito a vida. Tímidos
primeiro, crescentes depois.
E viram grandes
quando grandes somos também
tal como grande nos parece o mundo.
Saudade de ser córrego:
hospitaleiro e manso.
TRÊS SINAIS DE DEVOÇÃO
A VILA BOA DE GOIÁS
I – FETICHE
Joguei na estrada
o peso incômodo de afazeres:
fiz-me despojado das angústias.
Vim ver a lua quase plena
despontar perto da cruz
na elevação de Dom Francisco.
Vim veloz, sobre rodas roçando asfalto.
Trouxe os pés de beijar as pedras das ruas
e os ouvidos de encantar-me a alma
ao rumor do rio Vermelho.
II – O SOL
O sol nas pedras (é manhã de agosto)
alegra o tempo de se contar histórias
e de se ouvir conceitos pela luz das letras.
Abri antenas
de sentir presenças
e escutar fuxicos.
Beijei o sol
no verde alegre das folhas
e no vivo das cores do ipê.
III – CRUZ DO ANHANGÜERA
Cruz mortiça de madeira velha
na cruz das ruas. Logo ali,
Casa Velha da Ponte, no caminho do Rosário.
Cruz de bênçãos, velho madeiro
que se tem de história
onde existiu em fé e taipa a Igreja da Lapa
que as águas do rio Vermelho
levaram de volta ao barro.
Da Lapa, só lembranças.
E o sussurro ingênuo das águas
Colhe bênçãos de velha cruz.
A CASA NASCE DAS ÁGUAS
A casa de Aninha, a casa grande
na beira da ponte,
dá mão ao tempo e espera outro século.
Mas a casa está só.
Não há mais quem lhe varra o chão
e espane pó das histórias.
O tacho de cobre não coze mais doces:
Aninha descansa em São Miguel.
Não mais as histórias dos becos nem livros de cordel.
Doce Ana doutros anos,
força e voz, tempo e tempero.
Foi-se Ana, a cordeleira, cordilheira feito humana,
canto e coro, coralina, voz menina, canto forte
cristalina voz poesia.
A casa nasce das águas
à beira da ponte, à beira do tempo.
A casa escura das águas.
Rio Vermelho resmunga.
Rio velho, triste...
Rabugento, o Rio Vermelho.
Extraído do livro SARAU. Goiânia: Edição do autor, 2003. 152 p.
VIDA
A força da corda
não força a sorte
nem corta o cachaço.
Na força da corda
o corte da forca
não solta o sanhaço.
Na lida e no eito
a liça e o feito
enfeitam o que faço.
No peito, o cio,
a vida no fio
que escorre frio
e morre no leito.
BOÊMIO
É sexta-feira.
Afogo-me em fogos
d chopes e chuvas
com medo de não acordar amanhã.
Bobagem:
no vejo razões
pra se acordar num sábado.