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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

POESIA GOIANA

Coordenação de SALOMÃO SOUSA

 



LUIZ ARAUJO PEREIRA

 

Nasceu em Pirapora, Minas Gerais. Graduado em Letras pela Universidade Federal de Goiás e mestre pela École dês Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris. Foi professor do Instituto de Letras da UFG de 1979 a 1996. Poeta e editor de livros técnicos. Publico Oficio fixo (Poemas, 1968, Prêmio da Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos( pela Editora Oió e Linhas (poemas, 1994) pela Editora da UFG. Desde 2002 é cronista do jornal O Popular.

De
mini
grafias

Goiânia: Cânone Editorial,2009.  148 p.
ISBN 858-763 63568-9

“Eu diria que há alguma coisa de calviniano no andamento da poesia de Minigrafias, ou, melhor dizendo, de uma sugestão de leveza calviniana que se mostra pelo avesso. Explico-me ao leitor: para o escritor italiano Ìtalo Calvino a leveza é uma das virtudes contra o peso cada vez maior do mundo humano, é uma reação ao peso do viver. / Embora composta com leveza breve, quer acreditar que a poesia de Luís Araujo Pereira está cheia desse peso do mundo, não dos “cemitérios de automóveis enferrujados” — mas um peso que resulta do Tempo que age sobre tudo e sobre todos. Um tempo-réptil, que se afigura como “um relógio que desanda” a marcar um tempo lento, moroso, quase imperceptível: um tempo do Cerrado — espaço a partir do qual o poeta percebe o mundo e dele fala — e para além do Cerrado. Tempo este que está a revela que “tudo/tende ao desastre”, ao desgaste, à corrosão.”  FERNANDO CERISARA GIL

 

rios arcaicos

quem atrasou
o tempo
tem poucas
cicatrizes

sabe que todos
os segundos
prolongam-se
num rio
que nos passa

— signos lentos —

: nós passamos
ao longo, entre
remansos —
sinais
convulsos
de
corredeiras

gritos de mais
clima de menos

         liquidações
de corpos gastos


escrita

    duas letras
    dois traços
: kabala de alguns
momentos

& por serem
   tão sumérios
parecem riscos
no cimento


non-sons

o boi berra
a cabra bale
a rã coaxa

o meu telefone
— ai de mim! —
nenhum
      pio


ciscos

penso
todos os dias
em minha vida

assim como
o lobo-guará
pensa

sua trilha

se é verdade
que os canídeos
ligam o seu rastro
à matilha

eu desarmo
as armadilhas
que são colocadas
todos os dias
no meu caminho


incisões

o bisturi
e os seus cortes
convexos

a mutiliação

— cicatrizes
que fossilizam
o movimento
da sutura

o aço
que perfura
— gumes
no corpo inerte

carbonos
entre a erosão
e os sedimentos

distraído,
o açougueiro
nos fere de morte


fenda

a noite
invade
o mar

é tarde

gaivotas
como sempre
fazem alarde

minha
senhora dama
— quantos anos
de ferrugem!

é assim que tudo
tende ao desastre


mini hq

ali fazia frio e sua noite era descomunal
mente inútil.  Diante daquela circunstân
cia incomum,  para a qual não havia um
só comprimido,  ele não pensou duas vê
zes : pegou o revólver na gaveta e atiro
u naquela que era a última foto da famil
ia : pam! a imagem amarela do avô, nu
m átimo, desapareceu entre o cheiro de
pólvora. Para ter certeza deu outro tiro:
pam! — e pôde enfim dormir sossegado

 

PEREIRA,  Luiz Araujo.  Garatujas.. Goiânia, GO: Cânone Editorial, 2016.  88 p.  11,5x21 cm.  ISBN  978-85-8058-066-2   Capa e ilustrações: Laerte Araujo Pereira.  “ Luiz Araújo Pereira “  Ex. bibl. Salomão Sousa 


“ Na escrita, a poesia é exclusiva de Luiz Araujo Pereira, algo que só ele poderia fazer, já que traz a sua visão de mundo, indo do mais amplo ao mais doméstico, do mais largo ao mais ínfimo.”  ROGÉRIO BORGES

 

 

 

         5.

         Cai a chuva
         — quase sinfônica —
         e tão aveludada
         sobre todos os seres
         molhando-os
         todos eles
         lá embaixo

         Telhados, plantas
         ruas, asfalto

         Até um cachorrinho
         ensopa-se na chuva
         — animal magrelo
         sem dono

         Essa chuvinha
         de janeiro não cai
         — ela se derrama,
         regando, molhando,
         serena, calma,
         tão regular
         aqui no Cerrado.

         É essa chuva
         — queiramos ou não —
         que também vai inundar
         logo mais
         fevereiro e março

 

 

 ‘        8. Dei procê
         o soneto três
         de Camões

         Dei procê
         a minha vaga
         na garagem

         Dei procê
         a camisa
         do Corinthians

         O raio X
         dos meus pulmões
         — até isso eu dei

         E,
         como eu era bocó!,
         ocê não queria
         nada disso

 

 

 

         15. Não sei
         se alguém
         lhe disse

         “Mas os tatus
         são tratores
         subterrâneos”

         Foi esta frase
         que a toupeira
         repetiu
         pelos quatro cantos

         Ela a disse
         sem ouvir o furão
         que também cava
         e acha ouro
         desenterra ossos
         e às vezes
         esbarra num dobrão

         O tatupeba
         o tatu-canastra
         o tatu-bola
         o tatu- galinha

         Não são muitos
         os megatérios

         Eles escavam
         atrás de raízes
         do podre
         da decomposição

         De vez em quando
         um ou outro
         sai na tevê

 

 

         32.   Hoje,
         meu bem,
         nada de poesia

         Aujourd´hui,
         é você quem lava
         as vasilhas

 

A POESIA GOIANA NO SÉCULO XX (Antologia) – Organização, introdução e notas  de Assis BrasilRio de Janeiro: FBN / Imago / IMC, Fundação Biblioteca Nacional, 1998.   324 p. (Coleção Poesia brasileira) ISBN 85-312-0627- 3                  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

Minha admiração pela obra crítica da literatura brasileira  de ASSIS BRASIL vem de muito tempo, desde a época em que ele atuava como jornalista literário no JORNAL DO BRASIL, onde eu publicava alguns textos desde a época do Suplemento Dominical, com Reynaldo Jardim e Ferreira Gullar. Comecei a adquirir livros dele — muitos — e o informava que o acompanhava e, tempos depois, comecei a divulgar o que ele compilava nas antologias de poesia brasileira, e os textos que escrevia, com muita competência, sobre os autores.
Comecei com Salomão Sousa, responsável pela seção de poesia goiana em nosso Portal de Poesia –
www.antoniomiranda.com.br, e com a notícia da morte do grande piauiense, aos 92 anos, em 28 de novembro de 2021 – e também "carioca" como eu, que vivi no Rio de Janeiro, boa parte de minha vida ou por lá andava desde sempre... decidimos ampliar a divulgação dos textos, não só dos poetas e, mais recentemente, sobre o que ele escreveu sobre os autores que divulgava, na certeza de que ele sempre viu com simpatia o nosso trabalho.


LUÍS ARAUJO PEREIRA
por ASSIS BRASIL

Tela 6

Erosão da substância
de tua fuselagem
possuída pelo derma
telúrico

O colo do solo
guarda em toda sua
corrosão
o resto
do que sofrido
na labuta em pastos
foi
o verde sempre grama
para teus olhos
já não tremulará
ante
tuas antenas ou
navalhas

(Ofício fixo/ 1968)


Gravura

   sou
esta cicatriz de Frankenstein
costurada no lábio inferior

faca que me rasga
de dentro pra fora
atrás de mim mesmo
evadido nas fretas
do anterior

meu avesso me ataca
diante do espelho
por onde fujo
versátil
trocando de lado
com o meu duplo

éter que me formou
eterno esplendor
de Sansão kamikaze

sou a soma e não peso nada

se respiração de Pan
eis sopro de contradições
se Polichinelo
eis Pierrô

enfim pensar que eu só queria
ser-me
sem cessar-me

(Linhas/ 1994)


*

 

VEJA e LEIA outros poetas de GOIÁS em nosso Portal:

http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/goias/goias.html

 

Página ampliada e republicada em junho de 2022.


 

Página publicada em janeiro de 2010; ampliada em agostoa de 2016.

 

 

 

 
 
 
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