POESIA GOIANA
Coordenação de SALOMÃO SOUSA
LUIZ ARAUJO PEREIRA
Nasceu em Pirapora, Minas Gerais. Graduado em Letras pela Universidade Federal de Goiás e mestre pela École dês Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris. Foi professor do Instituto de Letras da UFG de 1979 a 1996. Poeta e editor de livros técnicos. Publico Oficio fixo (Poemas, 1968, Prêmio da Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos( pela Editora Oió e Linhas (poemas, 1994) pela Editora da UFG. Desde 2002 é cronista do jornal O Popular.
De
mini
grafias
Goiânia: Cânone Editorial,2009. 148 p.
ISBN 858-763 63568-9
“Eu diria que há alguma coisa de calviniano no andamento da poesia de Minigrafias, ou, melhor dizendo, de uma sugestão de leveza calviniana que se mostra pelo avesso. Explico-me ao leitor: para o escritor italiano Ìtalo Calvino a leveza é uma das virtudes contra o peso cada vez maior do mundo humano, é uma reação ao peso do viver. / Embora composta com leveza breve, quer acreditar que a poesia de Luís Araujo Pereira está cheia desse peso do mundo, não dos “cemitérios de automóveis enferrujados” — mas um peso que resulta do Tempo que age sobre tudo e sobre todos. Um tempo-réptil, que se afigura como “um relógio que desanda” a marcar um tempo lento, moroso, quase imperceptível: um tempo do Cerrado — espaço a partir do qual o poeta percebe o mundo e dele fala — e para além do Cerrado. Tempo este que está a revela que “tudo/tende ao desastre”, ao desgaste, à corrosão.” FERNANDO CERISARA GIL
rios arcaicos
quem atrasou
o tempo
tem poucas
cicatrizes
sabe que todos
os segundos
prolongam-se
num rio
que nos passa
— signos lentos —
: nós passamos
ao longo, entre
remansos —
sinais
convulsos
de
corredeiras
gritos de mais
clima de menos
liquidações
de corpos gastos
escrita
duas letras
dois traços
: kabala de alguns
momentos
& por serem
tão sumérios
parecem riscos
no cimento
non-sons
o boi berra
a cabra bale
a rã coaxa
o meu telefone
— ai de mim! —
nenhum
pio
ciscos
penso
todos os dias
em minha vida
assim como
o lobo-guará
pensa
sua trilha
se é verdade
que os canídeos
ligam o seu rastro
à matilha
eu desarmo
as armadilhas
que são colocadas
todos os dias
no meu caminho
incisões
o bisturi
e os seus cortes
convexos
a mutiliação
— cicatrizes
que fossilizam
o movimento
da sutura
o aço
que perfura
— gumes
no corpo inerte
carbonos
entre a erosão
e os sedimentos
distraído,
o açougueiro
nos fere de morte
fenda
a noite
invade
o mar
é tarde
gaivotas
como sempre
fazem alarde
minha
senhora dama
— quantos anos
de ferrugem!
é assim que tudo
tende ao desastre
mini hq
ali fazia frio e sua noite era descomunal
mente inútil. Diante daquela circunstân
cia incomum, para a qual não havia um
só comprimido, ele não pensou duas vê
zes : pegou o revólver na gaveta e atiro
u naquela que era a última foto da famil
ia : pam! a imagem amarela do avô, nu
m átimo, desapareceu entre o cheiro de
pólvora. Para ter certeza deu outro tiro:
pam! — e pôde enfim dormir sossegado
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PEREIRA, Luiz Araujo. Garatujas.. Goiânia, GO: Cânone Editorial, 2016. 88 p. 11,5x21 cm. ISBN 978-85-8058-066-2 Capa e ilustrações: Laerte Araujo Pereira. “ Luiz Araújo Pereira “ Ex. bibl. Salomão Sousa
“ Na escrita, a poesia é exclusiva de Luiz Araujo Pereira, algo que só ele poderia fazer, já que traz a sua visão de mundo, indo do mais amplo ao mais doméstico, do mais largo ao mais ínfimo.” ROGÉRIO BORGES
5.
Cai a chuva
— quase sinfônica —
e tão aveludada
sobre todos os seres
molhando-os
todos eles
lá embaixo
Telhados, plantas
ruas, asfalto
Até um cachorrinho
ensopa-se na chuva
— animal magrelo
sem dono
Essa chuvinha
de janeiro não cai
— ela se derrama,
regando, molhando,
serena, calma,
tão regular
aqui no Cerrado.
É essa chuva
— queiramos ou não —
que também vai inundar
logo mais
fevereiro e março
‘ 8. Dei procê
o soneto três
de Camões
Dei procê
a minha vaga
na garagem
Dei procê
a camisa
do Corinthians
O raio X
dos meus pulmões
— até isso eu dei
E,
como eu era bocó!,
ocê não queria
nada disso
15. Não sei
se alguém
lhe disse
“Mas os tatus
são tratores
subterrâneos”
Foi esta frase
que a toupeira
repetiu
pelos quatro cantos
Ela a disse
sem ouvir o furão
que também cava
e acha ouro
desenterra ossos
e às vezes
esbarra num dobrão
O tatupeba
o tatu-canastra
o tatu-bola
o tatu- galinha
Não são muitos
os megatérios
Eles escavam
atrás de raízes
do podre
da decomposição
De vez em quando
um ou outro
sai na tevê
32. Hoje,
meu bem,
nada de poesia
Aujourd´hui,
é você quem lava
as vasilhas
A POESIA GOIANA NO SÉCULO XX (Antologia) – Organização, introdução e notas de Assis Brasil. Rio de Janeiro: FBN / Imago / IMC, Fundação Biblioteca Nacional, 1998. 324 p. (Coleção Poesia brasileira) ISBN 85-312-0627- 3 Ex. bibl. Antonio Miranda
Minha admiração pela obra crítica da literatura brasileira de ASSIS BRASIL vem de muito tempo, desde a época em que ele atuava como jornalista literário no JORNAL DO BRASIL, onde eu publicava alguns textos desde a época do Suplemento Dominical, com Reynaldo Jardim e Ferreira Gullar. Comecei a adquirir livros dele — muitos — e o informava que o acompanhava e, tempos depois, comecei a divulgar o que ele compilava nas antologias de poesia brasileira, e os textos que escrevia, com muita competência, sobre os autores.
Comecei com Salomão Sousa, responsável pela seção de poesia goiana em nosso Portal de Poesia – www.antoniomiranda.com.br, e com a notícia da morte do grande piauiense, aos 92 anos, em 28 de novembro de 2021 – e também "carioca" como eu, que vivi no Rio de Janeiro, boa parte de minha vida ou por lá andava desde sempre... decidimos ampliar a divulgação dos textos, não só dos poetas e, mais recentemente, sobre o que ele escreveu sobre os autores que divulgava, na certeza de que ele sempre viu com simpatia o nosso trabalho.
LUÍS ARAUJO PEREIRA
por ASSIS BRASIL
Tela 6
Erosão da substância
de tua fuselagem
possuída pelo derma
telúrico
O colo do solo
guarda em toda sua
corrosão
o resto
do que sofrido
na labuta em pastos
foi
o verde sempre grama
para teus olhos
já não tremulará
ante
tuas antenas ou
navalhas
(Ofício fixo/ 1968)
Gravura
sou
esta cicatriz de Frankenstein
costurada no lábio inferior
faca que me rasga
de dentro pra fora
atrás de mim mesmo
evadido nas fretas
do anterior
meu avesso me ataca
diante do espelho
por onde fujo
versátil
trocando de lado
com o meu duplo
éter que me formou
eterno esplendor
de Sansão kamikaze
sou a soma e não peso nada
se respiração de Pan
eis sopro de contradições
se Polichinelo
eis Pierrô
enfim pensar que eu só queria
ser-me
sem cessar-me
(Linhas/ 1994)
*
VEJA e LEIA outros poetas de GOIÁS em nosso Portal:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/goias/goias.html
Página ampliada e republicada em junho de 2022.
Página publicada em janeiro de 2010; ampliada em agostoa de 2016.
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