POESIA GOIANA
Coordenação de SALOMÃO SOUSA
HUGO DE CARVALHO RAMOS
(1895-1921)
Nasceu em 21 de maio de 1895, em Vila Boa, então Capital do Estado de Goiás. Iniciou seus estudos na cidade natal e depois foi para o Rio de Janeiro, onde, em 1916, matriculou-se na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais. Em 1917, publicou Tropas e Boiadas,coletânea de contos que até hoje permanece como uma das obras goianas mais festejadas. Em 1920, estando prestes a concluir seu curso jurídico e, em crise de depressão, viaja ao interior de Minas Gerais e São Paulo. Em 31 de março de 1921, quando retorna ao Rio de Janeiro, suicidou-se, enforcando-se com uma corda de rede. Sempre presente na história da literatura pelo seu livro de contos, deixou poesias que mereceram inclusão no livro de Andrade Muricy sobre o Simbolismo.
Bibliografia: Tropas e boiadas (contos). Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1917; Obras completas de Hugo de Carvalho Ramos, São Paulo, Panorama, 1950, 2 v.
SAUDADE PÓSTUMA
Há de um dia ter fim o meu tormento,
há de um dia acabar o meu martírio,
quando for do meu peito o último alento,
quando tiver na mão aceso um círio.
Quando empós do festim do verme, um lírio
da minha cova alçar-se ao firmamento,
e, exsudando em perfume o seu delírio,
subir aos astros num deslumbramento.
E feito essência, e feito cor e som,
livre das leis de peso e da atração,
na esfera gravitar do Excelso e Bom.
Para que, na assonia do Nirvana,
dissolvido no Todo o coração
chore a saudade da miséria humana.
NOTURNO BÁLSAMO
Estou hoje esplenético e vazio,
— maré vazante e angústia do sol-pôr...
no meu crânio, ao clarão sinistro e frio,
passam, bailando, espectros de terror...
Já não acho expressão à minha dor,
que, de ribeiro, se tornou em rio,
onde bóia, afogado e em seu livor,
da Glória, da ilusão, do Amor, o trio...
Assim fico, gelado e resupino,
olhos vidrados, dentro a treva imensa,
petrificado pelo meu Destino.
Eis, sonâmbula, a Noite ascende a prece
da alma das plantas, que o jardim incensa,
— e, lenta, a Febre baixa e se arrefece...
PAISAGENS GOIANAS
Estranha sinfonia andam nalva vibrando
batuíras e xeréus, sanhaços e azulões;
por sobre os buritis das marrecas o bando
vai, em arco, guinchando em busca dos sertões.
A palma da indaiá, como velame pando,
freme ao vento. O assa-peixe inclina os seus florões
sobre a tropa, a passar, das madrinhas ao mando,
e estruge na vereda o grito dos peões.
Acorda a várzea em festa. É a ronda das falenas!
A “chuva de cajus” enflorou as campinas
para onde erguem o vôo multicolor das antenas.
Vão as emas, ralhando, através da malhada.
Treme o rocio... E ao sol, que aponta entre colinas,
pulverizam-se em luz as gotas da orvalhada.
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