POESIA GOIANA
Coordenação SALOMÃO SOUSA
HEITOR QUILLES
(1979) no interior de Goiás, mas durante quase todo o seu período de formação viveu em Goiânia, de onde seguiu para Portugal, afim de concluir seus estudos em literatura e filologia. Após breve retomo ao Brasil, passou por diversas cidades da América do Sul, e agora vive entre o Rio Grande e o
Uruguai, onde desenvolve trabalhos ligados à literatura infantil e à tradução editorial. ÚLTIMOS SONETOS é seu primeiro livro publicado no Brasil.
QUILLES, Heitor. Últimos sonetos. Goiânia, GO: Caminhos, 2014. 763 p. 13x18 cm. ISBN 978-85-68071—00-7 763 p. 13x18 cm. “ Heitor Quilles “ Ex. bibl. Antonio Miranda
II
QUERO COMEÇAR COMO QUEM ESQUECE
o que ia fazer; rabiscar versos
tal como um pianista que disperso,
sem se dar conta a melodia tece.
Não tem a minha arte um fim diverso
da algazarra de luzes se amanhece
o dia, ou do rigor em que é imerso
o mundo quando a noite enfim desce.
Em ver cumprir-se em mim a lei do acaso
como na natureza, me comprazo.
Quem busca algum sentido sofre em vão.
E o maior absurdo, o menos percebido,
é o fato de alguém ver algum sentido
em dar para o absurdo uma razão.
V
SEGUNDA-FEIRA, REPARTIÇÃO QUALQUER.
Há um homem tranquilo e acomodado,
contente de se ver em seu estado;
há um outro, sedento de poder.
Se a vida generosa conceder
a um, o seu sofá de aposentado,
ao outro, o peito mais condecorado,
foi pra cevá-los antes de abater.
A tão sonhada estabilidade,
que faz da existência longa espera,
não faltam nem remorso, nem saudade.
E por maior que seja uma ambição,
a fama e o rol de bens que ela enumera,
tudo isso caberá num só caixão.
XLII
A PORTA QUE SE ABRIU PRA RECEBER
o jovem que chegou tão confiado
em tudo que inda pode vir a ser
vira também entrar, recém-chegado,
o velho que hoje, à força de viver
desse mesmo futuro, já passado,
só espera aposentar-se, sem saber
que a Parca não fará o combinado.
Já ambos, o sol prestes a se pôr,
as salas onde estavam enjaulados
deixam, buscando o mundo exterior;
se cruzam no caminho, sem supor
que suas longas sombras, lado a lado,
confundem-se no longo corredor.
Página publicada em junho de 2015
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