EMÍLIO MOURA
(1902 — 1971)
Nasceu em Dores do Indaiá (MG), em 14 de agosto de 1902, e faleceu em 28 de setembro de 1971. Em 1928. formou-se em Direito pela UFMG. Foi professor de Literatura Brasileira na Faculdade de Filosofia da Universidade e um dos fundadores da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, da qual foi catedrático e seu primeiro diretor. Funcionário do Estado em diversos setores e cargos, além de redator dos jornais Diário de Minas, Estado de Minas, A tribuna e Minas Gerais. Em 1925, o escritor foi o responsável pela criação, ao lado de Drummond, de Francisco Martins de Almeida, e de Gregoriano Canedo, de A revista, considerada a publicação-manifesto do modernismo nas Minas Gerais. Em 1949, ganhou o Prêmio de Poesia da Academia Mineira de Letras, e, em 1969, o prêmio do Pen Club do Brasil, e o Prêmio de Poesia do Instituto Nacional do Livro.
Bibliografia: Ingenuidade, 1931; Canto da hora amarga, 1936; Cancioneiro, 1945; O espelho e a musa, 1949; O instante e o eterno, 1953; Itinerário Poético, 1970, reeditado em 2002 pela editora da UFMG, considerada sua obra poética definitiva.
TEXTS EN FRANÇAIS
CANÇÃO
Que consciência dividida
me faz ser dois e, em seguida,
me torna um só, mas sem vida?
Quem me trouxe a este degredo?
Quem me jogou desde cedo
em labirintos de medo?
Que sombra, estigma ou segredo
se grava, trêmulo, a medo,
em minha face plural?
Quem te conta o que não digo
e dorme sempre comigo
sono de pedra e de cal?
COMPREENSÃO
Bem sei que já não ouvirás mais, ah, nunca mais, as palavras de uma
infinita doçura que estão nascendo dentro de mim.
Se elas falam sem voz, é porque a noite me surpreendeu, de repente, nesta
encruzilhada que não tem nome.
É daqui que partem os que não voltam;
é daqui que partem os que já não têm raízes, mas ainda vivem.
Em vão me calo, bem vês.
Em vão me calo, tudo são vozes:
o mar e a noite, o céu e o vento.
Tudo são vozes.
Vozes de fogo... que dizem elas?
Que dizem elas que a claridade
se espalha no ar?
Só agora é que nos entendemos;
só agora é que teu sorriso,
morta a esperança, me ilumina.
Fraternais, os teus braços se estendem através da noite e é como se a
aurora me tocasse.
POEMA
Mal surgiste, teu caminho
ficou traçado, era aquele!
De nada valeram gestos,
palavras ou vãos desígnios.
Era aquele! E, já submisso,
humildemente seguiste,
com frágeis pés vigorosos,
(pisavas o ar, chão de nada,
do que julgavas que fosses,
ou então fosse teu sonho,
gravado em cristal e nuvem.
Não, não era. Era o que o vento
bordava no ar, projetando-se
no bojo do nada, ou no âmago
de uma aurora inexistente.
Contudo, humilde, seguiste.
E, espetro apenas, mais nada,
ainda arquitetas (inútil!)
além do tempo e do mundo
outra aurora, outro caminho.
MUNDO IMAGINÁRIO
Sob o olhar desta tarde,
quantas horas revivem
e morrem
de uma nova agonia? Velhas feridas se abrem,
de novo somos julgados, o que era tudo some-se
e num mundo fechado outras vigílias doem.
A noite se organiza e, no entanto, ainda restam
certas luzes ao longe. Ah, como encher com elas
este ser já não-ser que se dissolve e deixa
vagos traços na tarde?
Já que as sombras chegaram,
é urgente sacudir os ossos,
olhar o horizonte e recolher o poço
que ainda resta a uzir. Luzir onde, em que furnas
secretas, em que vagos
roteiros já não sabidos? oh, será preciso
encarar o vazio, ou esquecê-lo por outro
ainda maior, mais próximo? Esquecer
o perdido caminho, raros signos válidos,
e a aurora não mais factível na solidão crescente?
Um mundo de repente se fecha. Mas, agora,
outro logo desperta, mundo apenas imaginário? e nos desafia.
Imaginário e, no entanto,
tão vivo.
LIBERTAÇÃO
Sou um poeta quase místico:
A vida é bela quando é um êxtase.
Ah! Não ter um pensamento, um só pensamento no cérebro,
não vigiar a vida, a vida inquieta, a vida múltipla da sensualidade,
mas vivê-la, de olhos cerrados, num silêncio cheio de ritmos;
não ouvir as palavras frias que mudam o destino,
ou que o fazem semelhante a um autômato;
e saber a toda hora,
saber sempre,
que a vida é bela quando é um êxtase.
AQUI TERMINA O CAMINHO
Os sinos cantando, as sombras, todas se diluindo
dentro da tarde. Dentro da tarde, o teu grave pensamento de exílio.
Por que ainda esperas? Aqui termina o caminho,
aqui morre a voz, e não há mais eco nem nada.
Por que não esquecer, agora, as imagens que tanto nos perturbaram
e que inutilmente nos conduziram
para nos deixar, de súbito, na primeira esquina?
Essa voz que vem, não sei de onde,
esses olhos que olham, não sei o quê,
esses braços que se estendem, não sei pra onde...
Debalde esperarás que o eco de teus passos acorde os espaços que já não tem voz.
As almas já desertaram daqui.
E nenhum milagre de espera,
nenhum.
PALAVRAS RAINER MARIA RILKE
(Depois da leitura de Rilke, de Cristiano Martins)
Estás agora diante de nós em tua atmosfera própria e te transfiguras.
Não és apenas o poeta, já te fizeste o canto.
Não és apenas a voz. Se ainda te apegas às palavras
é para que te levem ao intraduzível.
Se criar é criar-se,
cantar é ser,
como realizar tua integração, ó Rilke,
no sentido do eterno,
no mundo do invisível,
solitário e desassistido em tua fome de absoluto e de irrealidade?
A vida é rápida,
um sopro,
nada?
Do fundo do presente
a eternidade te espia.
Por isso é que alimentas
tua noção do divino.
“E assim, meu Deus, é cada noite:
sempre existem os solícitos
que caminham, caminham, e não te encontram.”
Mas, que espécie de Deus se revela agora diante de teus olhos,
se recria em tua consciência?
É antes “o vizinho Deus”, não a “Torre antiqüíssima”,
não o “obscuro Desconhecido, de eternidade em eternidade”.
Se és o seu invólucro e a sua substância,
Por ti, que és a Canção, é que Ele se formará e se fará rima;
em ti e contigo, que te fazes o sonho, é que se perderá o seu sentido.
Assim é que o interrogas,
na antevisão da morte:
“Que será de ti, meu Deus? Sinto-me inquieto.”
E inquieto permaneces.
Pois quem, se tu gritasses, te escutaria
dentre a ordem dos anjos?
SONETO A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
A hora madura envolve-te e palpita
nela o que ora te oferta, ora recusa:
posse do que és, na solidão recôndita,
graça de amar, ressurreição dos mitos.
Claros enigmas riscam céus distantes.
Falam-te as coisas pela voz que é o próprio
sentimento do mundo e pela meiga
sombra gentil que ressuscita a infância.
Ouço-te andar nas lajes desta rua,
que nem sei se é de Minas ou de alguma
pátria remota que ao teu canto se abre.
E amo-te a voz multiplicada em ecos:
verbo dócil à força íntima e pura
que à máquina do mundo se incorpora.
MOURA, Emilio. 50 poemas escolhidos pelo autor. Rio de Janeiro: Serviço de
Documentação, Ministério a Educação e Cultura, 11961 96 p. 14x19,5 cm. (Os
Cadernos de Cultura, 126) Col. A.M. (EA)
POEMA l
Quantas vezes te destruí em mim para te criar de novo?
Quantas vezes te considerei mito, estrela desterrada
[de sua constelação, símbolo e chama?
De onde tirei a tua forma?
Dos mitos que me sustentaram antes de tua vinda,
[ou de minha própria sede de poesia?
Mito! Eras mito e eu te esperava.
Estrela desgarrada, e meus olhos te reintegraram em
[tua constelação mágica.
POEMA II
Renasces em ti mesma e por ti mesma.
Movimentas o sonho, a poesia e as aventuras imprevisíveis.
O imponderável é a tua matéria.
A poesia só me visita para que te realizes
para que eu te sinta e te compreenda.
Que caminhos te prendem,
que ignotas rotas te iluminam?
Uma rosa se forma entre o teu sorriso e a aurora.
De repente,
tudo se torna tão irreal
que te sinto visível.
MOURA, Emilio. Canto da hora amarga. Belo Horizonte: Os Amigos do Livro, 1936. 224 p. Trabalho executado pela Imprensa Oficial de Minas Gerais.
MOURA, Emílio. Itinerário poético. Poemas reunidos. Belo Horizonte, MG: Imprensa Oficial, 1966. 395 p. 15x21,5 cm. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação de Aricy Curvello.
POEMA
Quantas vezes te destruí em mim para te criar de novo?
Quantas vezes te considerei mito, estrela desterrada de
sua constelação, símbolo e chama?
De onde tirei a tua forma?
Dos mitos que me sustentaram antes de tua vinda, ou de
minha própria sêde de poesia?
Mito! Eras mito e eu te esperava.
Estrela desgarrada, e meus olhos te reintegraram em tua
constelação mágica.
MOMENTO
Nesta hora insolúvel,
apego-me a tudo:
presente, passado...
Futuro? Este é mudo.
Invento prodígios,
a ver se me iludo.
A mágica falha.
Do fundo da noite,
de mãos estendidas,
virá quem me valha?
Nesta hora insolúvel,
perdi meu caminho:
Nem rota, nem porto.
Quem é que me conta
se estou vivou ou morto
Navego sozinho.
TEXT IN NGLISH
AN INTRODUCTION TO MODERN BRAZILIAN POETRY. Verse translations by Leonard S. Downes. [São Paulo]: Clube de Poesia do Brasil, 1954. 84 p. 14x20 cm. “ Leonard S. Downes “ Ex. Biblioteca Nacional de Brasília.
IN THE DEPTHS OF NIGHT
It is form the depths of myself that there rise now
the quiet voices that died.
It is always thus in the depths of the night,
when the other voices, the everyday voices, have
all retired
to their incomprehensible silence.
O, the silence of this moment, a mere minute´s faintness,
and which comes from the depths of myself,
which gives me always the prescience of something
eternal, ineffable.
Silence of the submerged city, indefinable silence of a
city submerged,
silence not absolute only
because the night-shapes themselves,
rough-hewn and indistinct,
are articulate voices,
mouths that speak,
eyes that weep,
voices…
Meanwhile,
it is from the depths of myself that there rise now
the quiet voices that died.
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ODE AO PRIMEIRO POETA
“Comme le monde était jeune,
et que le mort était loin!”
Georges Chemnbevière
Quando os homens desceram, um dia, dos montes, e se
detiveram trêmulos,
diante da planície imensa,
eu te vi erguendo a tua voz forte, límpida e viva.
Eras jovem e tinhas a alegria de quem está descobrindo
o mundo.
Foi a tua palavra que modelou a primeira paisagem, deu
ritmo aos ventos e imaginou a beleza ingênua dos
primeiros e únicos símbolos que se perpetuaram.
Eras criatura e criador.
Estavas no gesto maravilhado que armava as primeiras
tendas e na mão indecisa que traçava o desenho
mágico dos caminhos que se improvisavam;
na imagem da vida sem que se embebeu o primeiro surto
livre do espírito;
Estavas em ti mesmo e fora de ti,
quando os homens desceram, um dia, dos montes e se
detiveram trêmulos,
diante da planície imensa...
ODE TO THE FIRST POET
When the men came down from the hills and stopped trembling,
before the immense plain,
I saw you raising your strong, clear, lively voice.
You were Young and had the joy o fone discovering the world.
It was your world that moulded the first landscape,
gave rhytm to winds and conceived the plain beauty
of the first and sole symbols ever to become eternal.
You were creature and creator.
You were in the amazed gesture that raised the first huts
and in the faltering hand that Drew the magical design
of the first trails that were blazed;
in the image of life into which the first free flight
of the mind swooped;
you were in yourself and outside yourself,
when men came down from the hills and stopped, trembling,
before the immense plain...
(Translation: Abgar Renault)
TEXTS EN FRANÇAIS
EMILIO MOURA
PÁGINA EM CONSTRUÇÃO
COLOCAR CAPA DO LIVRO:
Extraído de
TAVARES-BASTOS, A. D. La Poésie brésilienne contemporaine. Antologie réunie, préfacée et traduite par… Paris: Editions Seghers, 1966. 292 p. capa dura, sobrecapa. Ex; col. bibl. Antonio Miranda
Né à Dores do Indaia (Minas Gérais) en 1902.
L'apparition d'Emilio Moura est signalée comme celle d'un poète qui a attendu d'avoir trente ans pour disputer un prix de poésie et publier son premier livre. Il s'apparente sans nul doute à Carlos Drummond de Andrade avec une note plus accentuée de mysticisme, si remarquée chez les poètes de Minas Gérais. Il vit à Belo Horizonte où il est fonctionnaire et fait du journalisme.
Bibliographie: Ingenuidade, 1931; Canto da hora amarga, 1936; Cancioneiro, 1948; 0 instante e o eterno, 1953.
UN JOUE...
Tandis que les hommes s'agitent et
s'entre-dévorent, tandis que
les autos volent par les avenues, que les gavroches
annoncent les journaux et que les banques
s'ouvrent,
au-dedans de nous-mêmes
les mêmes ombres de toujours racontent la même
histoire de toujours.
Cependant, là-bas,
je sais qu'il fait beau.
Quelle est cette force étrange
qui me pousse vers moi-même ?
Un jour, cependant, j'en suis sûr, aucun obstacle
ne sera possible davantage,
Un jour, cependant, s'ouvriront à nos regards
assoiffés les humbles mais infinis
horizons qui nous attendent
et libre libre
La vie continuera vivante dans nous-mêmes.
« CANTO DA HORA AMARGA »
ENCHANTEMENT
Si un jour je suis de retour (oh, les voyages impossibles où
mon corps n'est pas présent !)
je sais bien que ce sera avec l'idée de partir à nouveau.
Comme en ce moment :
Tout m'apporte maintenant cette anxiété vierge de haute mer.
Partir, partir à nouveau...
Prestige des rues à peine entrevues, je vous évoque ;
je vous évoque aussi, visages sans nom, routes oubliées,
corps de jamais plus, je vous évoque.
Regarde — à l'ombre des choses visibles et invisibles
tout se révélera un jour, comme au moment même de la
création.
(Idem)
PASTORALE
Quand je t'ai rencontrée de quel étrange pays
ai-je rêvé que tu rentrais ?
je sais que c'était un pays éloigné et qu'il y avait
deux longues allées de platanes
bordant la route.
Je sais que tu venais en chantant.
Mais d'où venais-tu et pourquoi venais-tu quand
je t'ai rencontrée ?
(Idem)
ACCALMIE
Eau stagnante,
nuage immobile,
feuille perdue,
oiseau à l'aile
brisée.
— ô vent qui mourez,
tout doux, tout doux,
réveillez-vous !
Lumière qui s'éteint,
ombre estompée,
brouillard qui plane,
voix qui se tait,
blessée.
ô voix qui dormez
doucement, doucement,
criez, criez !
Timide espoir,
pâle désir :
soir si suave,
nuit languide
qui tombe.
ô âme naufragée,
comme tout le reste :
désespérez !
« CANCIONEIBO »
MATINAL
Sur les vagues sereines les bateaux jouent.
Devant mes yeux du matin,
les choses s'ordonnent simples et parfaites :
le ciel, la mer, ton corps !
Ah, ton corps !
Mes yeux jouent sur ton corps.
Aucun nuage dans mon âme.
(Idem)
MON CŒUR
Je pense en ce moment aux morts qui n'ont pas
de nom, aux vivants qui n'ont pas de nom je pense maintenant à ceux qui sont venus trop
tôt et se sont trouvés fatigués,
et à ceux qui arrivèrent quand toutes les
portes étaient fermées.
Je pense en ce moment à la soif de l'homme
désespéré qui est resté dans le désert,
je pense maintenant à ceux qui luttèrent
inutilement sur des routes qui ne mènent nulle part ;
à ceux qui se sont tus parce qu'ils ont compris,
et à ceux qui ont dit tous les mots sans avoir
été compris...
Pourquoi, tout à coup,
toutes les vies se rejoignent-elles
pour m'envelopper en cet instant ?
Mon cœur se multiplie :
maintenant, c'est mon cœur qui palpite dans
le monde.
« CHANT DE L'HEURE AMERE » - 1936.
PRIÈRE
Les inquiets, les fous, ceux qui ne T'ont pas
encore découvert et ceux qui ne commprennent rien,
ceux qui se sont arrêtés et ceux qui n'entreprirent pas le grand voyage,
eux tous, Seigneur, sont avec moi en cet instant,
Avec moi, Seigneur, sont tous ceux qui T'ont quitté et ceux qui n'ont pas su Te retrouver.
Avec moi sont ceux qui ne T'aiment ni ne Te
comprennent,
ceux qui Te renient parce qu'ils sont
malheureux.
Seigneur, ils sont tous maintenant dans mon
insomnie et dans ma désolation, ainsi qu'est sur le masque de tous ceux qui
n'espèrent rien, la présence de la mort.
Tue-les en moi, Seigneur.
(Idem)
Página ampliada e republicada em dezembro de 2017
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