Petulância
                     
                     
                    Você vai à loja de imaginação 
                      E compra um cordão 
                      Enquanto você se prepara para 
                      Me presenteá-lo
                    Você pergunta: o que ele vai fazer 
                      Com o cordão da minha imaginação?
                     
                    Eu pego esse cordão
                    Feito de barbante e amarro-o no coração
                    e faço uma pétala
                    E agora sou eu quem pergunta:
                    Sou eu ou é você que é petulante?
                     
                     
                     
                     
                    Vaticínio
                     
                    Peguei uma folha em branco
                      E fui pra o banheiro
                      Enquanto ouvi os meus restos orgânicos
                      Padeceram na descarga
                      Escrevi um poema de amor
                     
                    Depois percebi que
                      Não havia papel higiênico
                     
                    Dessa vez o meu poema
                      Entrou pelo cano
                     
                     
                     
                     
                    Estética
                     
                    Quase tão bonito
                      Quanto um João-de-Barro
                      É a beleza de saber-se contente por vê-lo
                     
                    Nesse caso, a beleza desse João
                      Está no barro dos olhos
                     
                    E ver é construir essas casinhas
                      De significar moradas pela imaginação
                     
                    E viver é, então, se transformar em  passarinho
                      Num longo trabalho para a construção
                      De nossa casa de amor
                     
                     
                     
                     
                    Caminhar...
                     
                    Os caminhos nos inventam
                      Mas somos nós que damos os passos
                      Fazer do percurso uma fonte de descoberta
                      É como compreender
                      Que misterioso é caminhar
                     
                     
                     
                     
                    Cicatrizes 
                     
                    Essas cicatrizes
                      Que carrego no corpo
                      São o ouro das minhas invenções
                      — e as minhas invenções 
                      são a linguagem concreta dos meus sonhos
                     
                     
                     
                     
                    Eu sou Congo...
                     
                    Eu sou Congo...
                     
                    Você é Bélgica, lindas planícies monótonas; 
                      Eu sou Congo, sinuosidade, ladeiras abruptas 
                      Você é Bélgica, frígidas temperaturas 
                      Eu sou Congo, faísca, brasa, fogo
                     
                    Você é Bélgica, cisnes em lagos paradisíacos 
                      Eu sou Congo, tigre de Bengala, fera
                     
                    Eu Sou Congo, indagação, procura, cores, pele 
                      Você é Bélgica, acomodação, prestígio, poder
                     
                    Você é Bélgica, equilíbrio financeiro, cálculo,
                      estabilidade 
                      Eu Sou Congo, força, resistência, luta
                     
                    Você é Bélgica, instituição 
                      Eu sou Congo, intensidade
                     
                    Você é Bélgica, controle 
                      Eu sou Congo, paixão. Paixão.
                     
                     
                    (Escrito a partir de uma releitura adaptativa 
                      de uma crónica de Paulo Mendes Campos)