POESIA GOIANA
Coordenação de Salomão Sousa
DHEYNE DE SOUZA
Nasceu em Cristalândia (TO), em 02.07.1983. É bacharel em Língua Portuguesa e Literatura, pela Faculdade de Letras, da Universidade Federal de Goiás – onde iniciou o curso de Artes Visuais. Atualmente, mora em Goiânia-GO, escreve principalmente poesia, tem trabalhado com artes plásticas e colabora nos ambientes de “Histórias Possíveis” (historiaspossiveis.wordpress.com) e “Vida Miúda” (www.vidamiuda.blogspot.com). Seu blog é: dheyne.wordpress.com
Tem um blog: dheyne.wordpress.com. É membro do grupo de vocalização de poesia Corpo de Voz. Tem um canal no YouTube de leitura de poesia prosa prosema, em parceria com Helô Sanvoy: www.youtube.com/pequenosmundos. Seu livro publicado é Pequenos Mundos Caóticos (2011).
toda escolha tem uma renúncia
todo mérito, um demérito
todo todo, um oco
nada, um
Pequenos mundos caóticos (III)
– o que me escura é vesgo, é tormento, é uma cratera amante no assoalho. é muito bom que você escute bem isso, porque talvez isso bem te levante, te interceda, te desejo até deus. o que me corrói é isso que eu faço que eu digo que eu rasgo de verbo de tecido de mente, é essa roupa suja, seu perfume gasto, sua voz enorme, que é mancha quando justamente me ouve, porque eu sei que é no meu dito que estão tuas cordas, tuas linhas, tuas fissuras de pele, tua cortina amarela. não é mais sol o que entra nesse teu cubículo vestido, porque sabe que tudo o que digo é teu nu, é teu ventre, é tua miragem avessa que apalpa teu tato. o que mente, o que mente, o que mente é a minha linguagem, a minha renitência, a minha mesura. rejeita a pátria de tua dor, sua esfera nos vasos. eu não quero te tirar daí, eu não quero te mudar de nada, eu não quero te criar coragem. eu te sou o caos. o que faço aqui nessa voz é te despir o sexo, recusa a minha língua e te recusa os mundos, todos os teus fantasmas não são noturnos nem bêbados nem insanos nem versos, são na tua carne crua. abre tua boca, abre teu clero, abre a tua in sa ni da de. e me atira da primeira porta que não for ausência.
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Imagem extraída da exposição "VARAL POESIA GOIANA 1917-2016" exposta durante do I COLÓQUIO DO POESIA GOIANA, na Universidade Federal de Goiás, de 13-14 de junho de 2017.
NA VOZ DAS JANELAS
Eu posso te tocar o lábio, te soprar o olho, te rimar a face
Eu posso te sonar a espera, te afinar a busca, te entornar a ordem
Eu posso escandir teu som, libertar teu verso, rasurar sua língua
Eu posso entupir de letra toda a partitura de seu gozo cru
Eu só não posso esperar as portas ritmarem ilesas os verbos das tuas mãos
enquanto
o vento morre gasto nas outras janelas.
A FÚRIA DO MOVIMENTO
o mundo coça leve lá embaixo
lá onde a cidade mastiga e dorme como placas furiosas
o organismo de um material elétrico é o sono daquelas luzes daquelas casas daqueles olhos
despejados
vista
do universo a cidade é ainda menos
tantas multidões de órgãos trotando o líquido
tanto fôlego
na fúria do movimento
simulado
SEMBLANTES DA LINGUAGEM
As ruínas de tua língua descobrem aldeias na minha pele.
Varro as soleiras de teus arrepios com o hálito de minhas janelas.
O vento que nos cobre veste os verbos desinibidos das nossas mãos.
Somos sons gasosos,
frestas vesgas,
papiros virgens
em um chão de hieroglifos.
Eu rasgo de urros
a língua de tua mudez.
Eu bebo os sulcos as valas os vãos
deito o terreno
espadas e arcos e balas nos dentes
eu fruto salgueiro aldrava veneno
água
meus lábios sulcados nos vãos das vidraças
eu silêncio
o portão
o jardim
a estrada.
SE PONDO LONGE
como um sol
que deita pra sempre
lentamente morno
displicente e nuvem
MEDIOCONTOS II
tem vinte medidas provisórias para o próximo ano.
se falhar a expectativa do riso, expectorante.
se calar quando devia falar calmamente nem muito nem pouco só o suficiente, mais água.
se por acaso buzinar mesmo estando em direito em sentido em vias de, cortes.
se desistir, multa. em convivência social.
porque espera ter fôlego, não esperança.
MEDIOCONTOS V
fez um balanço da vida
digo, contou os anos, os feitos, os defeitos e o que sobrava de expectativa
os resultados parecem não ter sido satisfatórios, dada sua indisposição para passar a limpo
tinha o hábito de passar a limpo
estender a roupa no varal, parar a alguns centímetros de distância, olhar por mais centímetros de tempo. talvez as cores, talvez os suores, talvez a propriedade do limpo, a chance, o sufixo
o saldo de estar autenticamente calmo triste ereto
os móveis tinham mais pó
o tempo menos
a lua sem
sentou-se no parapeito procurando inventar um parapeito mas já não havia palavras
ou seja mitos
ou seja o que for
tomou mais um café mesmo sabendo que não podia
POIESIS
enquanto os risos escorriam nos pés
na grama
nos galhos
nos céus
dos outros no tempo
em que sempre voltamos
jamais estaremos
uma criança, longe, muda, exangue, sentada
num canto daquele muro
(como no canto dos outros muros que agora a
derrubam
feito um sino mudo)
nesse canto lhe deram uma rosa
era uma rosa comum, cor-de-rosa, jovem, justa, virgem
não soube o que fazer com tanta verdade
embora sequer soubesse disso
de que agora a memória sabe
do jeito que a memória sabe saber reticente
poderia ter passado a tarde toda
aquela criança
talvez eras
com a rosa nas mãos
poderia dizer do cheiro daquela pétala uma obra aberta
do tônus firme do seu corpo frágil
das inverossimilhanças do contorno
na sua cor silenciosa
dos rosas da rosa
se fosse dizível
mas quando o sol se punha
naquela época
pés sujos
risos suados
cabelos ventados
fôlegos rotos
mas a rosa
intacta
naquelas mãos tão pequenas meu deus e que já sustinham o medo
de ser túmulo
qual teria sido o erro
que cometeram aqueles dedos
incapazes ainda de todo mal que agora teciam tão displicentemente
tomaram-lhe a rosa sem
não foi sequer capaz de
despedaçaram todas as pétalas e sépalas
ouviam-se ranger suas veias
enquanto ensinavam que era assim
que se brincava com as flores
foi a primeira vez para ela
que a poesia
colheu o seu silêncio
humano
DA VIA
daquele instante que escapa de esquina
perdido entre os cabelos das horas
daquele tempo de postes
de uma cidade-via
de mãos duplas
olho e neblina
e horas
da dobra do momento quando resvala na vida
como uma casa que procura um cão
e interrompe o trânsito
Extraído de
POESIA SEMPRE. Número 31 – Ano 15 / 2009. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Ministério da Cultura. 2009. 217 p. ilus. col. Editor Marco Lucchesi. Ex. bibl. Antonio Miranda
Soa a morte
entre mortalhas e coroas, um urro
ponto de cicatriz.
nu e escuro, um riso
um inferno concreto, de último suspiro a cada instante
o céu de vendas, a cada instante
um adeus de corda
um vergão de costas
beijando cores no chão
que são vidros nos olhos
que são abas caídas
que são corpos detidos
envergados e
sãos.
Corpo relicário
Há no teu ventre um colar de percalços
tecidos à pele
um anel de silêncios
escapulados ao colo
brochuras avessas ao chão.
Há nos teus olhos uma cilada ade brincos
um labirinto de pós
um penhasco de olhos.
Há no teu mural de semblantes
soslaios de adornos.
Semblantes da linguagem
As ruínas de tua língua descobrem aldeias na minha pele.
Varro as soleiras de teus arrepios com o hálito de minhas janelas.
O vento que nos cobre veste os verbos desinibidos das nossas mãos.
Somos sons gasosos,
frestas vesgas,
papiros virgens
em um chão de hieroglifos.
Eu rasgo de urros
a língua de tua mudez.
Eu bebo os sulcos as velas os vãos
deito o terreno
espadas e arcos e balas nos dentes
eu fruto salgueiro aldrava veneno
água
meus lábios sulcados nos vãos das vidraças
eu silêncio
o portão
o jardim
a estrada.
Caminho leve seus ombros nos lábios titubeantes
Ouço rangerem mobílias na sua pele
Minhas unhas descascam telhados no seu dorso nu
Eu sinto brejos sacudindo-se nos seus poros
E sopro ao pé das tuas montanhas de eco
Uma lareira.
Página publicada em julho de 2011; AMPLIADA em junho de 2017; ampliada em setembro de 2018
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