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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

POESIA GOIANA

Coordenação de SALOMÃO SOUSA

 


DEMÓSTENES CRISTINO

 

Musa bravia e bem-humorada

 

Por ANGÉLICA TORRES

 

Duas décadas antes de Garota de Ipanema (1962) tornar-se mundialmente um autêntico símbolo artístico brasileiro, Demóstenes Cristino escreveu o poema Eu vi quando a mulher bonita passou (1940), uma espécie, pode-se dizer, de versão goiana da canção de Tom e Vinícius, que bem poderia ser chamado “Garota de Ipameri...”!

 

Nascido mineiro de Caratinga, mas poeta feito em Goiás, Demóstenes Cristino é prova inconteste de que a inspiração não tem dono. Os criadores sensíveis registram impressões em épocas e lugares diversos, sem que mídia alguma tenha estabelecido a conexão.

 

No caso, a Musa que brindou os três poetas, irmanando-os extemporânea -espacialmente, foi ainda mais curiosa. Porque Cristino não apenas cantou a beleza da mulher que passou deslumbrando o seu olhar, mas encerrou o poema com os versos: “Tem compaixão das que não nasceram bonitas. / Piedade para as que nasceram feias!”, que remetem a Vinícius de Moraes em Elegia Desesperada, de 1943(“Tende piedade da moça feia que serve na vida / de casa, comida e roupa lavada da moça bonita”), e em Receita de Mulher, de 1959 (“As muito feias que me perdoem / mas beleza é fundamental”).

 

Das portas de entrada que a obra poética de Demóstenes oferece para apresentação, esta parece uma das mais interessantes e divertidas; tudo a ver com o seu senso de humor cultivado em vida e obra, que despertou leitores da pequena cidade, e também futuros poetas, para o gosto da poesia.

 

Demóstenes Cristino nasceu no dia 14 de julho de 1894 na Fazenda Caju, Distrito de Entre Folhas, Caratinga (MG). Cursou Odontologia em Juiz de Fora e exerceu a profissão em Poços de Caldas, até mudar-se em 1926 com a família para Ipameri (GO), à época chamada de Entre Rios. Lá, publicou Musa Bravia (1949) e Trovas (1960)e atuou também como jornalista colaborador dos dois jornais da cidade; um deles dirigido pelo também poeta Edésio Daher, avô dos filhos do poeta Reynaldo Jardim. A poesia, portanto, sempre rodeou Demóstenes, ele próprio avô da poetisa Ieda Schmaltz e pai de outro escritor, o médico Leonardo Cristino.

 

Segundo relato de César Baiocchi, que ocupa hoje a cadeira do poeta, de nº 30, na Academia Goiana de Letras, Cristino “transformou a frente de sua casa em ponto de tertúlias das tardes que se espichavam pelas noites cálidas de Ipameri. Das caçadas e estórias que perfilavam mansamente nos encontros dos amigos vespertinos, certamente nasceu esta confissão poética: Eu tenho um bugre dentro de mim, tenho... / Sinto-o nesta paixão antiga por caçadas, / No prazer infantil de andar no mato, / Na profunda afeição pelas coisas agrestes”.

 

O poeta permaneceu viúvo 34 anos dos 36 vividos na pacata cidade goiana. Louvado pelo humor picantemente irônico e mordaz, definia-se como excêntrico e vaidoso, “todavia”, lembra César Baiocchi, “era extremamente cavalheiro e culto. Dizemos nós hoje” – continua Baiocchi – “Demóstenes Cristino, você é como aroeira de Entre Folhas mineira e de Entre Rios goiana, vive altaneira e altiva entre as árvores e depois que morre vira esteio e nunca acaba”. Em 18 de abril de 1962, o poeta faleceu em Ipameri.  

Fortuna crítica 

“Um crítico já disse que Demóstenes Cristino não tem escola literária, hesitando entre o parnaso e o modernismo. Quem o lê não pensa em escolas, correntes passadistas ou modernistas, porque é poeta de verdade. Seus versos são completos. Forma, idéias, espontaneidade, humor, filosofia, tudo existe neles”. J. Rosa

 

“Algumas vezes, sua poesia surge de maneira nostálgica, nos moldes verde-amarelo, tão comum na época e abraçada pelos poetas contemporâneos. Mas é na poesia satírica e humorista que Demóstenes Cristino melhor se expressa com toda liberdade e potencialidade na criação”. Geraldo Coelho Vaz

 

“Demóstenes Cristino, poeta de vigorosa sensibilidade, é o maior dos humoristas que temos tido”. Leo Lynce 

 

Poemas extraídos de Musa Bravia (2ª edição, Editora Kelps, Goiânia, 2007)

 

EU VI QUANDO A MULHER BONITA PASSOU

 

Eu vi quando a mulher bonita passou.

As casas deitaram-lhe olhares compridos de cobiça,

as pedras da calçada sorriram-lhe ao serem pisadas,

o sol derramou-lhe punhados de ouro nos cabelos.

 

O vento beijou-lhe o corpo ondulante,

perfumando-o de essências de sândalo

trazidas de longe, do coração das matas;

até as árvores se curvaram reverentes.

 

Eu tive inveja daquelas pedras,

eu tive ciúme daquele sol,

ah! se eu pudesse ter sido aquele vento!...

 

Eu vi quando a mulher bonita passou.

Mas não lhe vi o vestido,

nem os anéis,

nem os sapatos.

Via-a num halo de luz, como um arcanjo do Senhor

(rosas floriam nos rosais e pássaros cantavam,

quando ela passou).

 

Mulher bonita, mulher bonita!

Ó tu que és do Criador a obra-prima

e a inspiradora de todos os artistas;

ó tu que é o fundo musical de todos os poemas

e a dourada fonte de todos os sonhos bons;

ó tu que sabes aranholar do amor

as feiticeiras teias,

tem compaixão das que não nasceram bonitas.

Piedade para as que nasceram feias!

 

 

GOIÁS

 

Terra de altiplanos e horizontes vastos,

coberta de florestas e verdejantes pastos,

onde é sempre azul a cúpula do infinito

e as águas rolam sempre claras,

cantantes,

espumantes

em leitos de granito.

 

A brisa é uma carícia doce

e perfumada... assim como se fosse

o ar suave de um leque

impregnado de essências raras...

 

Dorme-lhe absconsa nas entranhas,

como fantásticos tesouros de Aladin,

fabulosa riqueza mineral,

são cifras astronômicas, são montanhas

de ferro, de rutilo, de ouro e de cristal.

 

Terra de gente simples, terra de gente boa,

de mãos calosas e coração gentil

onde o carro de bois canta até hoje

o seu canto choroso,

o seu canto dolente,

despertando no coração da gente

ainda mais amor pelo Brasil.

 

Terra do Araguaia, terra do Tocantins,

orgulho do goiano, riqueza nacional,

com os seus peixes-boi e pirarucus

e a famosa Ilha do Bananal.

 

Terra dos plenilúnios deslumbrantes...

Terra de campinas ondulantes,

povoadas de emas, codornizes e galheiros...

Terra de buritizais, de leques sussurrantes,

terra de fumo bom, de boiadeiros.

 

Terra em que do Brasil o coração palpita,

terra onde se vive eternamente em paz,

terra de mulher bonita! Terra bendita,

bendita terra de Goiás!

 

LUA CHEIA

 

 Aquele rio de águas cristalinas

que, manso e preguiçoso,

desliza, em doce murmúrio,

por entre o fresco e umbroso

vale das colinas,

é bem feliz e venturoso, aquele rio!

 

Ind'outro dia

(anoitecia)

eu vi madame Lua,

pálida de emoção, arfando o peito,

inteiramente nua,

meter-se-lhe no leito...

 

E nesse dúbio

conúbio...

com o riozinho querido,

com o riozinho peralta,

esteve tempo esquecido,

demorou-se até noite alta.

 

Depois... mais branca... mais risonha...

mais bela... mais romântica, saiu;

mas ao sair me viu,

e então baixou das pálpebras o véu,

fugiu qual nívea e singular cegonha,

foi-se esconder pejada de vergonha,

num biombo de nuvem lá no céu.

 

Agora, após ter-se enredado

do amor na feiticeira teia,

costuma aparecer, no espaço constelado,

manchada e escandalosamente cheia...

 

 

De: TROVAS

 

Sarampo... escola... pião...

Amor... sofrimento ...lida...

Cabelos brancos... caixão...

Velas ardendo... eis a vida!

 

 

A noite ficou viúva.

Como o pranto lhe escorria!

Pelas lágrimas da chuva,

Chorava a morte do dia.

 

 

A vida é um copo de leite,

Azedo, ralo, sem nata.

E é quase no fim do copo

Que a gente dá com a barata.

 

 

Chegou num passo miúdo

Destrancou meu coração

E entrou de sapato e tudo

Pisando duro no chão.

 

 

Quando a mulher é bonita,

Tem força como ninguém.

Felizmente é como o touro

Não sabe a força que tem.

 

 

Há mais valor na feiúra

Que na beleza que tenta.

Esta passa, pouco dura,

Aquela com o tempo aumenta...

 

 

Passarinho, o meu destino

É diferente do teu.

São de dores, passarinho,

As penas que Deus me deu

 

A madeira, por mais dura,

Roe-a o cupim, lentamente.

– Caruncho – mal da madeira,

Ai, Tempo! – cupim da gente.

 

 

Certa moça à confidente

Dizia isto baixinho:

– Se beijo gastasse a gente

eu era nega um tiquinho.

 

 

Não corro da jararaca

Nem fujo ao cabra atrevido.

Só tenho medo de faca.

Mulher bonita e apelido.

 

 

Coração namorador

Lembra casa de pensão

– Quando acode a freguesia

Põe gente até no porão.

 

 

A saúde e a mocidade

Não são um bem permanente.

E a gente só sabe disso

Depois que fogem da gente.

 

 

Meu sorriso permanente

Não exclui mágoas e dores.

Entre os sepulcros sombrios

Também desabrocham flores.

 

 

Musa Bravia e Trovas foram reeditados num só livro publicado pela Editora Kelps (Goiânia, 2007), por iniciativa da jornalista e neta do poeta, Vânia Cristino.

 


A POESIA GOIANA NO SÉCULO XX (Antologia) – Organização, introdução e notas  de Assis Brasil.  Rio de Janeiro: FBN / Imago / IMC, Fundação Biblioteca Nacional, 1998.   324 p. (Coleção Poesia brasileira) ISBN 85-312-0627- 3                  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

Eu tenho um bugre dentro de mim

Eu tenho um bugre dentro de mim, tenho...
Sinto-o nesta paixão antiga por caçadas,
No prazer infantil de andar no mato,
na profunda afeição pelas coisas agrestes.

Nasci nas matas do Rio Doce.
"Minha bisavó foi pegada a laço"...
Talvez seja por isso que não gosto de arranha-céus,
estes jequitibás mortos, sem folhagens
no carrascal das cidades.
Não gosto de apartamentos onde o ar
só entra pelos conta-gotas das janelas;
não gosto de asfalto,  deixa o solo
sem poros,  como cicatrizes de queimaduras;
nem de estátuas eu gosto,
lembram cadáveres congelados...

Eu tenho um bugre dentro de mim,
diluído no meu sangue, tenho...
Sinto que ele me arrasta
para a fragrância balsâmica das matas,
para a música das cachoeiras,,
para as noites leitosas de luar,
para a majestade serena de grandes rios,
para o mergulhar cantante dos regatos,
para o verde dos mares,
para o azul dos céus,
para o silêncio repousante dos lagos adormecidos...

Ainda é ele, o bugre, que me impele
para a árvore de junco do teu corpo,
para os galhos roliços dos teus braços,
para a floresta escura dos teus cabelos,
para as águas dormentes dos teus olhos,
para o fruto vermelho da tua boca,
para os passarinhos que cantam na tua voz...

Eu tenho um bugre dentro de mim, tenho...
Por que, Senhor?  Não fique só no bugre?...
No bugre livre de selo,
livre de folhinha,
livre de relógio,
livre de roupa...
No bugre livre! livre! livre!

                                    
(Musa bravia/ 1949)

 

Raça

O brasileiro traz dentro de si
um português, um negro e um índio guarani.

O luso deu-lhe a fibra audaz, arrojadiça
e a fidalguia, própria dessa raça;
o bugre, a natureza apática, a preguiça,
o amor à pesca, a inclinação à caça.
No excesso de carinhos e de zelos,
reflete do africano o doce coração
e, às vezes, dos cabelos,
aquela permanente ondulação...

Em harmonia vivem sempre os três;
enquanto o negro bebe e o guarani batalha,
o pobre português
trabalha.
Mas, ai! Se no esplendor da graça,
quebrando as ancas em lascivo jogo,
uma mulata passa:

o negro dança,
o bugre pega fogo,
e o português... avança!

                                     (Musa bravia/ 1949)

 

*

 

 

 

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Página ampliada e republicada em maio de 2022.

 



 

 

 
 
 
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