POESIA GOIANA
Coordenação de SALOMÃO SOUSA
CIRO GONÇALVES
Ciro de Oliveira Gonçalves possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2010). Pós-Graduação (Especialização Lato Sensu), em Práticas Construtivistas e Construcionistas com Grupos, Casal e Família PUC (2011-2013); Formação em Terapia Narrativa (nível 1) pelo Dulwich Centre (Austrália); Atuou por cinco anos(2013-2018) em unidade de saúde mental com foco em uso abusivo de drogas. É psicólogo clínico desde 2011. Atualmente trabalha com Práticas Narrativas e integra a clínica Enteléquia - Soluções Sistêmicas (GO). Especial interesse pelos estudos da Psicologia em interface com a Filosofia, Cultura, Gênero, Poder e Política.
Informações coletadas do Lattes em 02/02/2020
OS OLHOS DO BILHETEIRO. Antologia POÉTICA [vol. 1] Goiânia: Nega Lilu Editora, 2016. 88 p.. (Coleção E/Ou) Capa: Beatriz Perini. Prefácio por Larissa Mundim. Apoio institucional da Prefeitura Municipal de Goiânia. ISBN 978-85- 928
MEUS OLHOS CHUVA
Pela janela choviam meus olhos.
Inundavam o jardim,
meus olhos grama,
lama...
... caminhavam (devagar) para o asfalto.
Atritavam em sua aspereza,
Espraiando a música das águas,
Sob as notas da rua,
das esquinas,
dos traços,
dos vértices
da cidade.
Enxurra meus olhos
Misturados a cor de cada coisa,
de cada ida,
de cada morte.
Arco-íris
meus olhos
no chão...
e——s——corriam
meus olhos
para o esgoto,
fediam meus olhos.
Meus olhos rio,
Meus olhos riam,
Meus olhos rio,
peixe,
rede,
meus olhos mar,
meus olhos sal,
meus olhos ar...
Longe jangadeiros remavam
meus olhos.
Quis ver-me no espelho,
pouco via,
meus olhos não estavam dentro,
estavam vento,
redemoinho,
tarde amena,
manhã ausência.
Estavam vento,
Lá fora.
Pela janela choviam meus olhos.
O SABIÁ E O MEU CÃO
O sabiá rouba comida do meu cão.
É bicho e tem fome,
Rouba.
É bicho e tem fome,
Rouba mesmo de um cão.
É cão essa fome.
É tanta fome
Eu não sabia.
Quem tem fome sabe,
Pula o muro,
Invade o quintal,
Mesmo de um cão.
Pularam o muro,
Pisaram na grama,
Instalaram uma antena,
Roubaram tudo,
Agora é só fome.
Tudo é fome,
Ninguém tem medo do muro,
Nem do cão,
Quando se é bicho e tem fome.
Eu o via, todo dia,
O sabiá cantava no quintal,
Não tenho mais quintal,
Só um cão.
O sabiá rouba comida do meu cão,
É bicho e tem fome,
Rouba.
DESDEJUM DO POEMA DO MILHO
Trouxeste “milho” da Cora
e quem cora, agora,
é o meu coração.
Não de vergonha,
é rubor de alegria,
àquela de quem recebe visita
e desembrulha poesia.
E eu que de tão pobre,
só tenho palavras,
vi-me em farta delas
pra dizer que o milho
servido em versos
faz um banquete,
onde se assente à mesa,
qualquer história,
cicatrizes, calos,
canto de galo,
ao estalo da lenha
em roda de café.
Onde se assente à mesa,
Qualquer causo,
por de tão assombrado,
faz-se por medo abraçar,
e lembrar: “é preciso mais braços,
pra escuridão atravessar.”
Onde se assente à mesa,
sem esporas,
de mãos e olhos limpos,
a lembrar...
quem planta o que não morre,
vive sempre a colher,
vive sempre a colher,
vive sempre, aprende a morrer
esquece
anoitece
chove
amanhece
vive
vive sempre vida a colher
vive sempre a morte a viver
colhe sempre vida a colher
morre sempre vive a colher
a colheita vive
Vive!
Vive!
Quem planta o que não morre chove,
Vive sempre a colher.
O BECO
Isso é um assalto, moça!
Passa o celular,
O whatsApp.
E-mail.
Me passa a grana,
A semana,
O mal-estar da civilização.
Me passa os braços,
Me dá teus olhos,
Vem comigo,
Me rouba também.
POEMINHA EM TRÊS PASSOS
Morro o ano inteiro
Mais de novo,
Menos de velho.
Velho, esqueço.
Anoitece...
Menino amanheço.
Página publicada em fevereiro de 2020
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