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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

POESIA GOIANA
Coordenação de SALOMÃO SOUSA

 

 

 

Foto e biografia: https://www.e-centrica.org/

 

 

CARLOS EDU BERNARDES

 

Formado em Filosofia, pós-graduado em Educação Ambiental e em Produção e Gestão de Projetos Culturais. Menção Honrosa no Concurso de Poesia Agrobanco da Academia Goiana de Letras, 87; 2º e 3º lugares no Concurso Sesi, Conto e Menção Honrosa Poesia em 1991; figura nas seguintes Antologias poéticas: Lauréis, Ed. Scortecci, São Paulo, 1989; Horizontes, Ed. PD-Literatura, São Paulo, 1999; InsPiração Erótica, Ed. Literarte, Jundiaí, São Paulo, 2000; Confraria Porto do Escritor, UBE-GO, Ed. Kelps, Goiânia, 2005.

Correspondente esportivo p/jornal angolano Gazeta Desportiva, 2004/5. Publicou Minhas Mulheres, Essas Ventanias (minicontos-2013), O Delírio de Ícaro (poesia-2014), Semente de Saudade (prosa – 2015), Pequeno Tratado Migratório da Palavra (poesia-2016) e Os Beatles e Eu (contos-2016) através de leis de incentivo cultural.

Publicações:  “Minhas Mulheres, Essas Ventanias”;  “O Delírio de Ícaro”.

 

 

OS OLHOS DO BILHETEIRO. Antologia POÉTICA [vol. 1]      Goiânia:  Nega Lilu Editora, 2016.   88 p..  (Coleção E/Ou) Capa: Beatriz Perini.  Prefácio por Larissa Mundim.  Apoio institucional da Prefeitura Municipal de Goiânia.   ISBN 978-85- 928

 

 

DIÁRIO DO SUJEITO

 

não tive tanta certeza desde que deixei de ser menino foi num dia de pássaros cantando sobre minha cabeça eu fazendo raios de bicicleta com chicletes olhando meu cachorro amarrado em libélulas e voando pra onde cachorro nenhum botaria defeito

 

esse foi meu erro

casar coisas que voam com pelos e afins

ora, tenham dó de mim

foi um custo aprender a nadar

 

então às oito começavam os relampejos

coisas de grilos pulando em sapos

algazarra de gorjeios

latidos e garças batendo no meu pulmão

dia e noite a mesma canção

seu pai não vem mais

sua mãe

sua mãe

 

batia o olho e brilhava na árvore besouros

desses de capotão

bicho-merda de chifre de pedra

furando o pau e traindo a noite

com sua casca preta igual casa de coruja

 

deixei lá sim pedaços de mim minha vó desandou a ficar doida

 

nadava pelada e comia moita

apesar dos seus dentes verdes

ela nunca deixou de sorrir

até morrer, até vazar e dormir pra sempre

no canteiro perto do portão

rugas que lembravam mãos

uma cara que já nascera velha pro seu coração

 

 

 

 

A PINGA E O SUJEITO

 

então era quase homem já

vô Fenela chegou pra mim falou "toma pinga"

eu retruquei "que trem é esse vô?"

provei

falei "senhor esqueceu de colocar sicupira pra gargarejar" ele retornou "sicupira tira pinga pira"

 

sentei, fui bebericando, cada vez mais ia gostando aquela quentura como se estivesse comendo ovo aquele ardido como se tivesse estourado uma pimenta fui vendo a grama cada vez mais linda

 

entrei dentro duma taturana

fiquei todo peludo e sacana

aproveitei e fodi duas formigas cabeçudas

que clamavam prum borrachudo "não

me ajuda, não

me ajuda"

 

enfiei o pé numa pedra pontuda

vi o sangue cintilando num pé de arruda

era tão vermelho

que o pica-pau foi pra dentro mais cedo

 

até proseei com uma andorinha
que veio com pernas de mulher
e me contou o segredo da penugem

 

disse ela que era pele de anjo
esse manto de fofura
que anjo bom às vezes acarinha
às vezes fura

 

fui pra cozinha e fiz cristais de carne
cortei um copo d'água em doze pedaços
um eu engoli com um santo
outros pendurei nos braços

 

jantei o reflexo da lua

que latejava no meu prato

meu vô ficou me olhando e pespegou

"ocê já tá poetando, bicho desgraçado"

 

 

 

 

A PALAVRA E O SUJEITO

 

eu olhei pro pavão

meu primo falou

"as penas dele

no sol são verdes

na sombra azuis"

eu disse então

"larga de ser burrão

as penas dele são verduis"

 

os ovos da tartaruga

nascem moles

depois ficam duros

e há pouca coisa que os fure

assim eles são nas suas vidas

dules

 

perguntaram
"ocê tá endoidado?"
eu disse "não sei

só sei que muita coisa que vemos
tem vários nomes pra ser tratada
outras que nem pensamos
só existe a palavra
mas o que ela será
pode nem ser gerado"

 

pra provar pros endurecidos acocorados

abri minha caixa de denominações

onde guardo significações ainda sem objeto

peguei um marilinto

que veio pregado num caradobleto

e expliquei que não são nem água de labirinto

nem sujeito obsoleto

estão esperando que chegue um dia

pra ver se tornam condensações de poesia

ou variações climáticas de preto

 

no meio da explicação

meu tesouro abriu, caiu no chão

alguns grupos de palavras dispersaram

foram buscar sua presa

e quando não acham, não ficam surpresos

voltam e esperam outra oportunidade

conversam comigo à noite perto da represa

sobre conceitos de ruim chuva mato bicho e bondade

 

certa alvorada, ali mesmo palavras danadas voaram

e emaranharam-se nos cabelos de Dorinha

que era uma mulherina

formosura de mulher com verdura de menina

ela ficou rindo com meio medo

brincando e se desvencilhando de tanta céutoca

balançando a face impregnada de amoredo

correndo foi pro milharal colher pipoca

só após seu aceno e beijo mandado
pela ponta do dedo
foi que descobri com espanto
naquela graça e enredo
o verdadeiro significado da palavra encanto

 

 

 

 

O AVÔ DO SUJEITO

 

 

vô Fenela não gosta e até puxa peixeira

quando lembramos seu nome registrado como Fátima

bisavô tinha tido fúria canina

pois depois de doze filhos

tinha que surgir menina

 

vô tenta não ligar com falatório
bisavó nunca chamou ele Fatinha
só Fenela Fenela era sua fala

mas bisavô quando vô criança reclamava gritava
"rala!"

 

talvez por isso vô não cresceu

talvez por isso estrangula qualquer indício de ser suave por dentro
nessa pendenga parou no um metro e cinquenta
e criou mais pelos do que lisura
grita muito e discute com as cores
fala pouco e com voz dura

 

quando admoestam ele na praça do arraial
nós cantamos "fura ele, vô!"
vô vira o chapéu e gira e grita

"danado que é bocó que só fala e não te fere o bucho

e se por isso for morto pela sua mão

mais cedo ou mais tarde tira o ar do seu coração"

 

depois que vó morreu

e foi virar adubo de flor perto do portão

(tem até uma rosa que parece com o seu dedão)

vô Fenela passou a dormir no berço

mesmo berço do seu nascimento

só trocou o colchão por pedra pura

e finalizava

"trem torto e deformado
carece de piorar a sua postura
pois assim muda"

 

ele sempre é velho

sessenta e oito ou setenta e dez

segura touro, finca cerca

conversa com galinha e nuvens em carregação

guarda tipos de chuva

na crua manga de algodão

 

de noite ele fica no alpendre
e eu me arrasto perto do muro
ele vê e me assovia pro seu lado
ali tantas vezes

às vezes vô dava murro no chão quebrado e falava duro

"caverna de onça não tem porteira

se quiser entrar tem duas artes

ou ocê se finge que é onço

ou ocê se arma com a cartucheira

porque trem vivo te quer amante e sonso

senão começa a te matar de várias maneiras"

 

solta

"boi que é boi só pensa na vaca
quando cruza pra ver filhote
depois pasta bebe descansa a cara
sabe que vai virar botina, virar capote"

 

noite dessas

"subi no céu matei três anjos
um me falou 'canalha'
outro me disse 'obrigado'
o terceiro entrou no meu peito
por isso sonho atravessado"

 

vô Fenela há dois dias ou quatro
não voltou do adentrado do mato
ele faz isso de vez em quando
quando fica azul acabrunhado

 

dum jeito meio abestalhado
rosna que vai buscar muda de antúrio
mas acho que ele vai mesmo é ser banhado
pela muda e pernuda mulher-espúria

 

 

 

 

A POESIA E O SUJEITO


vô Fenela falou na bucha
"engole uma pena de ave pra voar"
eu engoli uma de coruja
e fiquei a escutar, escutar

 

escutei o coração de Dorinha
quando o sol veio acordar
escutei arruaça da andorinha
quando o céu veio azular

 

fiquei escutando muito barulho
até captei o dobrar do mar
escutei cair no chão um embrulho
com estrelas, mel e coisas de rasgar

 

escutei bem mesmo
poesias escondidas no pomar
animais cantando a esmo
frases de semente a frutificar

 

elas entraram de roldão
aí eu sabia que podia então tentar
escrevi no sol vento com carvão
e comecei a flutuar

 

desde então eu voo sem penas

e quando pairo sobre a cabeça do vô eu ouço

"sim, há outras maneiras de um homem voar"

 

 

 

Página publicada em fevereiro de 2020


 

 

 
 
 
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