POESIA GOIANA
Coordenação de SALOMÃO SOUSA
BARTOLOMEU ANTÔNIO CORDOVIL
(pseudônimo de Antônio Lopes da Cruz)
(1746—1810)
Nasceu no Rio de Janeiro, 1746. Conforme alguns autores, ele teria nascido em Ouro Preto, Minas Gerais e de lá foi para Goiás. Esta versão contraria o próprio testamento de Bartolomeu Cordovil, que declarou ter nascido no Rio de Janeiro. Advogado pela Universidade de Coimbra (Portugal). Chegou em Goiás em 1783, como primeiro professor de Latim de Goiás, nomeado pelo Governador Tristão da Cunha Menezes, em 1788, a quem dedicou a poema transcrito abaixo. Lecionou 12 anos em Meiaponte (hoje Pirenópolis), onde faleceu em 1800. Escreveu, entre outros poemas, "Ditirambo”, “Epístola”, “Às Ninfas", "Epístola aos Árcades do Rio de Janeiro", “Ode”, e “Proteu e Sonho”. Publicou, em Coimbra, uma tradução da Arte Poética, de Horácio.
DITIRAMBO
Ninfas goianas,
Ninfas formosas,
De cor de rosas
A face ornai.
Vossos cabelos
Com muitas flores
De várias cores
Hoje enastrai.
Sim, ninfas, aplaudi tão grande dia!
E tu, doce Lieu, pai da alegria,
Vem-me influir,
Que os anos de Tristão quero aplaudir.
Olá, traze do Feno
O suave licor grato e sereno;
Traze os dourados copos cristalinos,
Venham falernos,
Venham sabinos,
Deita, deita, enche o copo — gró, gró, gró:
Não entornes, espera, que estão só
Não é que havemos
Hoje beber;
Mais vinho temos
Sem confeição,
Para brindar
O bom Tristão.
Hoje é à sua saúde
Pretendo de beber mais de um almude!
Evoé
O padre Leneu
Saboé
Evan Bassareu.
Néctar suave, oh! quanto me consolas!
De mim se ausentem
Rixas, temores,
Penas e dores.
Venha outro copo de Baco espumante,
Que ferva no peito,
E a mente levante.
Nos lusos fastos não se leia agora
Dos seus maiores a brilhante história:
Com alheias ações não condecora
A sua alta memória
O bom Tristão, delícias dos humanos.
O curso dos seus anos
Cheio não são deste furor guerreiro,
Que nos campos de Marte desbarata,
Rende, saqueia, obriga, assola e mata;
Mas esperam, que escuto!
Vejo os troncos bolir! Ah! sim, bem vejo
Os sátiros brincões, Faunos auritos,
Que cheios de desejo,
Saltando aos ares vêm ruidosos gritos,
Os caprípedes deuses que diriam?
Se não me engano, em sua companhia
Vem bistanidas Trácias ululando,
Agitadas na rúbida ambrosia,
Em coréias sincinas volteando,
Estas doces cantigas modulando :
Goianos louvemos
Tristão imortal,
Bebamos, dancemos,
Ausente-se o mal.
E os doces licores
Em taças se entornem
De claro cristal.
Evoé
O padre Leneu
Saboé
Evan Bassareu.
Pois já que Tristão
De paz nos encheu,
Gostosos bebamos
O sumo de Oreu.
Traze, traze depressa o peramanca,
Empine-se a botelha toda inteira.
Mas que chama ligeira,
Ao modo de uma tropa,
Pelas túmidas veias me galopa?
És tu, Brômio gostoso? Eu bem te entendo.
Bebamos mais aquele, que das ilhas
Me mandaram de mimo
Do profundo oceano as verdes filhas.
No licor forte o coração me nada,
Baco, Baco, evoé!
O que terei nos pés? eu cambaleio?
Caindo estou de sono:
Depois que esvaziei quatro botelhas,
Rúbidas tenho e quentes as orelhas,
O nariz frio, os braços estendidos,
Parece-me que gira a casa toda.
Já não posso suster-me — nos ouvidos
Sinto um leve sussurro:
O corpo tremelica, o chão me falta,
E julgo que esta casa está mais alta.
Como o teu elixir
Tão depressa, ó Leneu, me faz dormir?!
Agora eu queria
Cantar do bom Tristão
O seu cândido gênio,
O terno coração,
A pressaga prudência,
A profunda modéstia,
A serena clemência,
A justa temperança,
Agora é que me fazes tal mudança?
Evoé
O padre Leneu
Saboé
Evan Bassareu.
Venha um corpo, dois copos, três copos,
Retinem nos ares
Mil brindes contentes.
E os povos ardentes
De suma alegria,
Nas aras do gosto
Com férvido mosto
Entoem Gostosos
Sem mais dilação
Os anos ditosos
Do terno Tristão.
Evoé
O padre Leneu
Saboé
Evan Bassareu.
Sim, do grande Tristão tantas virtudes
O povo lhe louve,
O neiva lhe dará muitos almudes
Deste espírito rubro,
Que colhe no moinho,
Que os pesares desvia,
Que o sono concilia,
Que alegra a mocidade,
Que faz vermelha a envelhecida idade.
Evoé
O padre Leneu
Saboé
Evan Bassareu.
(Apud Florilégio da poesia brasileira,
1946, II tomo, de F. Varnhagem, 1850
Página publicada em agosto de 2008
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