POESIA GOIANA
Coordenação de Salomão Sousa
AIDENOR AIRES
Nasceu em Riachão das Neves (BA), mas está inserido na literatura goiana já que mudou para Goiás muito criança. Em 2006, pela Lei 15.883, o governo estadual lhe concedeu cidadania goiana. Estudou na Escola Técnica de Goiás, e fez madureza no Lyceu de Goyaz. Na Universidade Católica de Goiás, cursou Letras Vernáculas e Direito. É aposentado do Ministério Público. Por seu livro Reflexões do conflito, de 1970, escrito em parceria com Gabriel Nascente, passou a pertencer ao grupo pós-GEN, ou Novo Grupo de Escritores Novos. Detentor de diversos prêmios de poesia, entre eles, o Fernando Chinaglia de 1978 e o prêmio Bienal Nestlé de Literatura Brasileira de 1986. É um dos fundadores da Academia Goianiense de Letras,
Para Nilto Maciel, a poesia de Aidenor Aires, apresentada em Lavra do Insolúvel, “é um misto de telurismo goiano e de universalismo: os rios (“Aqui tudo infunde passado / até o rio corre / como se fosse arrastado”); a fauna (“O boi é apenas sangue fluindo”); a flora (“Entre os seres humildes/ da floresta / acendias o alto facho/ de teus ramos verdes/ e da terra suprias tua fome/ e a mesma terra morna/ nutria tua sede”). Pode-se até falar de um regionalismo pós-regionalismo. Tudo construído com a melhor ferramenta da arte poética, voltada para as grandes dores do homem: do primitivo aos catadores de ouro.” E, assim em todos os seus livros, a paisagem goiana se apresenta para que Aidenor Aires ultrapasse o regionalismo e dê expansão ao modernismo.
Bibliografia: Reflexão do Conflito, Goiânia: Departamento Estadual de Cultura de Goiás, 1970; Itinerário da Aflição, Goiânia: Oriente, 1973. Prêmio Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos; Lavra do Insolúvel, Goiânia: Oriente, 1974. Prêmio Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos; Rio Interior, Goiânia: Líder, 1977. Prêmio Fernando Chinaglia; Amaragrei. Brasília: Ipiranga, 1978. 1º lugar no 3º Concurso Nacional de Literatura de Goiás; Canto do Regresso, Goiânia: Edição do Autor, 1979; Tuera – elegia carajá, Brasília: Thesaurus, 1980; Aprendiz de Desencantos, Goiânia: Inigraf, 1982; Os Deuses são Pássaros do Vento. Goiânia: Cerne, 1984; Prêmio Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, 1984; Via Viator,. São Paulo, Melhoramentos, 1986. Prêmio Bienal Nestlé.
TEXTOS EM PORTUGUÊS - TEXTS EN FRANÇAIS -
TEXTO EN ESPAÑOL
A ESPERA
Tu, que hás de vir um dia,
por que não hoje?
meu rosto espera pronto
os dentes do teu arado.
Tu, que hás de vir um dia,
por que não hoje?
minhas mãos assistiram,
quais raízes,
a morte azul
das flores e dos ventos.
Tu, que hás de vir um dia,
por que não hoje?
antes que alguém
vibre na noite
gemidos de Chopin,
vem.
Tu, que hás de vir um dia,
o céu de maio é doloroso e belo,
as flores começam a morrer.
Vem, antes que o Scherzo
da agonia vibre
o amaríssimo clamor
dos seus acordes
e eu queira vida.
Tu, que hás de vir um dia,
por que não hoje?
É maio,
é belo o dia.
CONTEMPORIZAR
Não sei por que
não me acostumo
ao morrer cotidiano das coisas.
Vivo num tempo de morte
e as caras me assombram
como túmulos.
O poeta nasceu para
as grandes resignações
ou para os grandes desesperos.
Não há omissão na poesia.
Há de haver sempre tempo
para a resignação
e tempo para a revolta.
Há os que sonham
jardins sobre as cinzas,
há os que geram cinzas
sobre as flores...
Meu tempo é só de cinzas,
Um animal enorme
devorou as flores.
PRESENÇA
Ter que ficar aqui
no meio da rua testemunhando a vida
quando todas as ruas estão mortas.
Vir para o meio do mundo
e dizer do alto das escadas
que a poesia é triste
e que a vida é feita de estradas.
Vir para o meio do mundo
quando já não cabe no mundo
a chave da sua porta.
REFLEXÃO
Aprendi a caminhar o meu silêncio
e escutar atentamente o silêncio dos homens.
Aprendi a caminhar o meu silêncio
e ouvir atentamente o sonho dos meninos.
e lá no fundo do silêncio enorme
a dor humana geme como um sino.
CHEGUEI COM A CABEÇA PENDIDA
Cheguei com a cabeça pendida.
Flor decepada do mundo.
Cintilância do aprendizado para o abismo.
Orfeu irregressado, trouxe ainda
sob as axilas cansadas
o fardo do poema.
As deuses ergo a minha libação.
Aos deuses que me fizeram rouxinol,
subtraio-me disperso
e devolvo a canção que se volta de minha carne,
das aras em cinzas,
e já ninguém comove.
Devolvo a todo o belo que veloz em mim brilhou
sem pressa
do sonho de cantar a ser completo.
De
O DIA FRÁGIL
Goiânia: Kelps, 2005
Edições consorcidadas UBE/GO
CERRADOS
Olho como quem vê mares
estes cerrados. Dor siriema
a galopar os ermos, vaus
e relva destroçados.
Geme a primavera dos dias
antecipados. Solo de bichos
da orquestra reticente
dos sons que ferem o ocaso
de cinzas rebuçado.
Olho como quem vê mares
estes cerrados. De curvas árvores
de retorcido canto ao remoinho...
Cardume de penas recitando
fragmentos de sol, infenso
ao funeral dos ninhos.
Olho como quem vê mares
estes cerrados. Aromais horizontes
e flor selvagem. Afetuoso deserto,
estuam crucias as raízes...
Na derramada seiva
ser vivo é ser miragem.
PERDA
No rol das minhas perdas
mora esta ausência,
tão velha e dolorida companheira.
E eu, que já me acostumara
ao fel de tal presença,
ao telhado de medo que cobria
a hospedeira insônia.
E eu, que já não sentia a mão de aço
roendo o meu peito o dia funeral.
Não saúdo o súbito lençol vazio,
esta falta que dói e não consome,
este logro de amor, a epifania,
desossada amada sem seu nome.
E, morador de um território frio,
resto hoje menor com meu vazio,
resto hoje menor sem minha morte.
3. ANTONIO POTEIRO
Ah, velho mago,
enfeitiçaste o barro!
Bom e antigo barro
que sonhava ser cova de semente
e corpo de tijolo.
Ao teu toque
e riso de Merlim caboclo
o barro se fez gloria,
o barro se fez riso,
o barro se fez dor.
Enfeitiçaste
com teus sortilégios
a cor que espreguiçava
no mundo.
Agora, vê o espelho
de tua traquinagem!
A cor não se contenta
em ser primavera, em ser manhã,
em ser noite ou floração;
toda a cor do mundo se rebela
e vem virar milagre
festa e pão
no território de tua casa,
no latifúndio de tua mão.
ELEGIA IV
No seio dos frutos se acomodou
a respiração dos dias
No seio dos frutos se acomodou
a respiração dos dias.
Convergiram as estações com suas âncoras
de mel e vento.
Toda a cor endornada das corolas
e das asas das abelhas,
toda a extensão da luz
magoada pelo estio.
Desejo da terra, cio do orvalho,
lira despregada das raízes
e aleteada no vento.
Em tão pouco espaço residiu,
no breve dia da terra
a pulsação, o nervo da existência.
O dia da estuante aurora
foi também o nebuloso eclipse
onde a vida cantava seu doloroso réquiem.
Os frutos apenas se oferecem
como mãos para despedidas,
asas para as distâncias,
estradas para os horizontes.
É que residias ao lado improvável da vida,
lado negado em substância e hálito
como, em lábios de carne, oscula o tempo
a desolada clave.
É que eras a impressentida,
a falta, que de eterna secura
me exasperava a vida.
Não estive naquela manhã,
entre o tremor das ervas e o sofrer do pássaro.
Não cheguei ao momento de esplendor
de tua passagem pelo fuso memorial das estações.
Não estive no dia daquele passado.
Não fui um nome em alguma estela gravado.
Não fui a acolhida, o acenar da pele recordada.
Não compareci às bodas que o plenilúnio
gozava em tua exaltação de nuvem.
Por isso, não conheci o mel de teu riso de infância.
Teu argentino riso. A primavera dos seios.
Nem a flor de teu corpo, oferecido ao mundo.
(De XV ELEGIAS. XV ELÉGIES.
Goiânia: Kelps, 2007.
AIRES, Aidenor. Seleta poética. Goiânia: Kelps, 2005. 124 p. (Coleção Goiânia em Prosa e verso) 15X21 cm. ISBN 85-7692-061-1 Capa e diagramação: Wesley Rodrigues. Edição com o apoio da Prefeitura de Goiânia. Col. A.M.
PEGUEI-ME DE NOVO AO RELENTO
Peguei-me de novo ao relento,
tirei o chapéu aos mendigos e aos bêbados
e o equívoco do amor lambeu meu rosto
como se quisesse repor no meu cansaço
o velho engano do contentamento.
Armei-me da descrença, vesti minha amargura
mais antiga. Oh mundo, oh trevas,
oh pesar!
Armei-me da descrença. Espero em silêncio
a estação limite que divide meu dia
do sítio exato do esquecimento.
CHEGUEI COM A CABEÇA PENDIDA
Cheguei com a cabeça pendida.
Flor decepada do mundo.
Cintilância do aprendizado para o abismo.
Orfeu irregressado, trouxe ainda
sob as axilas cansadas
o fardo do poema.
Aos deuses ergo a minha libação.
Aos deuses que me fizeram rouxinol,
subtraio-me disperso
e devolvo a canção que se evola de minha carne,
das aras em cinzas,
e já ninguém comove.
Devolvo a todo o belo
o que veloz em mim brilhou
sem pressa
do sonho de cantar e ser completo.
AIRES, Aidenor. Lavra do Insolúvel. Goiânia: Oriente, 1974. 88 p. 14x21 cm. Capa de Roosevelt de Oliveira. “Prêmio de bolsa de publicações “Hugo de Carvalho Ramos” da Prefeitura de Goiânia. Col. A.M.
RIO VERMELHO
Ledo recanto
onde em verde descanso
jazem panos brancos.
Aqui tudo infunde passado
até o rio; corre
como se fosse arrastado.
ÁRVORE MESA
Já não seguras
na geométrica postura
obrigatória
o tempo sem história
da vegetal idade
consumida.
A secura que caminha
o plano corpo
não sabe ao cio
vegetal da primavera
onde eras simples
e humilde
na mansa possibilidade
de mistério.
Entre os seres humildes
da floresta
acendias o alto facho
de teus ramos verdes
e da terra suprias tua fome
e a mesma terra morna
nutria tua sede.
AIRES, Aidenor. Na Estação das Aves. Goiânia, GO: Livraria Ed. Cultural Goiana, 1973. 122 p. 14x20 cm. Capa de Rosemberg Fernandes. "1º Prêmio Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, Prefeitura Municipal de Goiânia. Ex. bibl. Antonio Miranda
BALADA INGÊNUA PARA O RIO MEIA PONTE
Para Iêda Schmaltz
I
O rio Meia Ponte,
além de pontes inteiras
possui meninos franzinos
pescando nas ribanceiras.
É um rio de passado
claro, pouso de bandeiras.
Rola hoje da cidade
restos de vida e do sonho
pra morrer nas corredeiras.
II
Este rio Meia Ponte,
não se mede pelas águas.
Só é medido em tristezas
na extensão das suas mágoas.
Desce hoje o Meia Ponte
corpo lento como um pranto
onde vazam peixes mortos
a rosa aquórea do espanto.
III
Que é do ido rio claro
de antigamente?
Vagas aves interrogam nos barrancos
monotonamente.
IV
E o rio corre, pois correr
é seu tempo, imensamente.
Dos lados chegam ao fundo
e vasta massa dormente
que corre dos hospitais —
os restos mortos da gente,
decompostos de animais
na náusea suja, a torrente —
V
Hoje o rio Meia Ponte
já não é rio de gente,
mora fundo em suas águas
noturna estranha semente.
O tal rio Meia Ponte,
além de pontes inteiras,
possui prantos de mulheres
na lama das corredeiras.
Há memória de afogados
na surdez dos seus desvios,
noite de morte se guarda
em muitos olhos vazios.
VI
Este rio Meia Ponte,
hoje é rio sem fronteiras,
vai buscar dentro das casas
pra afogar nas corredeiras
o menino de olhos verdes
e o negro carregador.
Aprendeu com os homens logo
a ser um rio de dor.
POESIA DO BRASIL. Vol. 5. XV CONGRESSO BRASILEIR0 DE POESIA. Org. Ademir Antonio Bacca. Bento Gonçalves: Proyecto Cultural Sur - Brasil, 2007. Ex. bibl. Antonio Miranda
Elegia VIII
O menino brincava entre frutos verdes
O menino brincava entre frutos verdes
e promessas álacres de pássaros.
O pai, em seu navio de alvíssaras,
reunia tropa.
Recolheu o ruído ruminante dos arbustos,
abençoou os filhos e virou as costas
em rumo de distância, estrada e esquecimento.
O menino leu o inventário de coisas proibidas.
Meteu-se pelas moitas. Na mão trémula,
os ovos lilases da codorniz.
O menino empolgou seu bodoque
e disparou pelotas no copado da árvore
onde chilreava uma tentativa de primavera.
O menino vadeou os rios, riachos.
A sombra do pai se esgarçou no vento,
se esgarçou nos olhos
e ficou morando, em voz esfiapada,
no pensamento.
O menino, então, foi ficando homem antes do tempo.
Segurou o choro, que homem não chora.
Segurou o medo, que a vida pede valentia.
O menino encurtou o tempo,
apressou horas,
abreviou os dias.
O menino se acercou da morte
na vida que vivia.
Recompôs seu pedaço de infância
num poema,
e entendeu
que a dor se disfarça,
mas não alivia.
O menino nunca mais foi menino.
Simulava infância quando a hora exigia.
Abraçava passarinhos, consultava flores,
mirava horizontes
em naves de turva alquimia.
O menino nunca se perdeu. E foi sozinho
que atravessou o dia feral,
o alheio mundo.
E foi sozinho que decifrou o amor.
Não teve amor de infinito ideal e diva chama.
Teve um amor de menino
e, até hoje, é este amor de riso infantil
e inseguro gesto
que oferece ao peito de quem ama.
Ficou homem e sozinho, por isso ainda é um menino
de olhos de horizonte.
Ainda é um menino que cojastrói caminhos.
Não aprendeu a crescer e demorou no berço.
Não aprendeu como fazer a barba,
como iscar o anzol, como entender a viagem dos peixes.
Não aprendeu a decifrar o mistério das mulheres
e ficou sempre aprendendo vozes
e inventando palavras
para falar com elas.
O menino foi ficando homem antes do tempo.
O homem esqueceu-se, um dia,
na alma do menino em que existia.
Ao mundo, foi mandado caminhar, sem pés.
Ao mundo foi mandado nadar, sem braços.
Ao mundo foi ordenado voar, sem asas.
TEXTO EN ESPAÑOL
Elegía XIV
Abriendo la tumba del poeta Vicente Huidobro
"Abrid esta tumba: al fondo se ve el mar."
Vicente Huidobro
Desde Brasil te vengo a saludar.
Traigo a tu cuna venidera
anclada en el pecho estelar de Cartagena
mi proclamación de samba,
mi voz de carnaval
y mi sollozar de pena. -
Saludo tu vida desnudada desde la ventana
abierta de tu tumba.
Te levantas com tu maletín manual de metáforas
y el mar te mira y abraza,
varón y albañil de lunas y de versos.
He aquí el taller de tu invención de signos.
He aquí tus herramientas núbiles.
Miras desde tu alada lejanía
este muelle de luz y embarcadero
de los que siguen viviendo
para siempre abrigados
en el claroscuro día de la muerte.
Sobre el lecho de piedras,
terciopelo y bruma
busco tus palabras, tu canto esplendoroso
donde se refleja, pétrea,
la espina tectónica de la Cordillera.
Busco el sonido aún cantante de las palabras
que los delfines abren
en el libro de espumas
entre los dientes.
De tu tumba abierta
oigo violines, arpas y charangos
en un concierto marino
de muslos, sintagmas y estrellas.
No te callaste, Orfeo!
Con tu lira austral abriste
el camino de algas, nubes y voces.
Y yo vengo con mis largas manos de naufrágios
a besar tu soledad de dios.
Tu eterna voz de permanencia.
Tu hermandad que acoge el temblor suave
de las piedras
y el duro suspiro de las brisas.
No pude yo, Hermano de los signos
y de las líquidas palomas,
encontrar el cadáver levantado en mariposas
caminando hacia Altazor.
Oye el canto de una antigua sirena enmudecida
escandiendo fonemas de alegría
sobre el hambre de miel de los abismos.
Yo no pude ver el sobre de la noche
coser en algas un aullido triste,
una elegía de frutas y campanas.
Te llevan mis manos con el alma
entre los dedos
para invitar las cosas que vivieron
en el diccionário de tus versos,
por el mistério o el dolor de ser nombradas.
Y vi que aqui,
en el hombro lunar de Cartagena,
no hay muerto,
sino un jardín floral en gestación.
Sigue cantando, hermana voz chilena!
Sigue esparciendo en greda, copa y vino
inmortales luciérnagas en las raíces.
Sigue en el mar revuelto
un gemido de coral, desolación y alga.
Siguen las piedras, ante las olas, en danza infatigable,
recitando ritos de huesos y de cunas.
Sigue la tierra pariendo por los valles
estrellas, zapallos y melones.
Ya no hay muerto o muerte consentida.
He aqui la ventana abierta en el abismo
donde hacia el mar Huidobro mira y ve el dia eterno.
(Poema escrito de improviso y leído i visitar la tumba de Vicente Huidobro, en Cartagena, Chile, 25 de marzo de 2006.)
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TEXTS EN FRANÇAIS
AIRES, Aidenor. XV elegias. XV elégies. Traduction Yvan Avena. Goiânia: Kelps, 2007. 108 p. ISBN 978-85-7766-056-5 Illustration de couverture et intérieure: Yvan Avena. 12,5x21 cm. Bilingue português e français. Duas capas, uma para cada idioma. Col. A.M.
ÉLÉGIE IV
Au sein même des fruits se réfugie
la respiration des jours
Au sein même des fruits se réfugie
la respiration des jours.
Les saisons convergent avec leurs ancres
de miel et de vent.
Toutes les couleurs enfermées dans les corolles
et sur les ailes des abeilles,
toute l'extension de la lumière
meurtrie par l'été.
Désir de terre, rut de rosée,
lyre détachée des racines
et agitée par le vent.
Dans si peu d'espace il vécut,
dans les jours si brefs de la terre,
les pulsations, le nerf de l'existence.
Le jour de l'ardente aurore
fut aussi la nébuleuse de l'éclipsé
où la vie chantait son douloureux requiem.
Les fruits se sont à peine offerts
comme des mains lors d'un adieu,
ailes pour les distances
et routes pour les horizons.
Les fruits ne sont pas le futur
mois les coquilles aériennes de saveur et de mort.
En chacune j'ai gardé mon écaille solaire,
les grelots de la caravane de l'oubli.
Nous ne deviendrons plus des palmiers, des grappes,
des gynécées.
En nous se termine le projet initial de permanence.
En nous se consomme, même endormie,
l'attente des semences.
Ces fruits ne contemplent plus la funèbre descente
au bûcher où Orphée souffre assourdi.
Les fruits ne chantent pas. Ils ne célèbrent plus le soleil
ou la pluie.
Eux annoncent la lourde mort des corolles
et le chant d'une forêt de becs harmonieux.
Le coeur des fruits ne se souvient pas
de nos mains d'automnales vendanges.
La table ne sera pas quittée sans les hôtes
et on ne saura rien sur l'amour
ou sur l'épuisement de la forêt.
Seuls resteront encore des granulés de soleil
pour affectionner la langue.
Offerts à l'hécatombe solaire,
les fruits nous rappellent
que c'est un tout, pour un seul jour, la plénitude
et le rêve se heurtent néanmoins à la perdition.
BRITO, Elizabeth Caldeira, org. Sublimes linguagens. Goiânia, GO: Kelps, 2015. 244 p. 21,5x32 cm. Capa e sobrecapa. Projeto gráfico e capa: Victor Marques. ISBN 978-85-400-1248-6 BRITO, Elizabeth Caldeira, org. Sublimes linguagens. Goiânia, GO: Kelps, 2015. 244 p. 21,5x32 cm. Capa e sobrecapa. Projeto gráfico e capa: Victor Marques. ISBN 978-85-400-1248-6
Ex. bibl. Antonio Miranda
A POESIA GOIANA NO SÉCULO XX (Antologia) – Organização, introdução e notas de Assis Brasil. Rio de Janeiro: FBN / Imago / IMC, Fundação Biblioteca Nacional, 1998. 324 p. (Coleção Poesia brasileira) ISBN 85-312-0627- 3 Ex. bibl. Antonio Miranda
Requiem para o guerreiro
Avá-Canoeiro
1.
O passo é de quem vem
sem tacape e espada que o defenda
ao fim da estrada.
O passo é de quem vem fugindo
ou lavrando o campo
por onde arrasta
a tarde um vento brando.
O passo é de quem na vida
perdeu tudo
e só reserva no gentio rosto
o sentimento mudo.
O passo é de quem na flecha derradeira
ou na ferida do rosto, pôs toda tristeza da raça
na agonia do sol-posto.
2.
Ao índio mostraram
a mão branca,
o pão à mesa,
a porta, a chave, a tranca.
Ao índio deram a sala,
o carro, a cama, o avião
e à sua nua nudez
somaram a civilização.
Ao índio fizeram tudo
que dentro do índio não cabe,
mostraram os deuses de lata
para sua adoração,
quando o índio só queria
o mato, a chuva, o chão.
Ao índio tirou-se tudo
que se podia tirar
e ao seu nada acrescentou-se
o que se pode ensinar:
a antiga arte nossa
de se desumanizar.
(Lavra de insondável/ 1974)
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Página ampliada e republicada em junho de 2022
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Página publicada em junho de 2021
Página ampliada e republicada em junho de 2017 |