ROBERTO ALMADA
(1935-1994)
Roberto Leite Ribeiro Almada nasceu em Juiz de Fora, Minas Gerais, estuda em Cataguases e em Mariana, passa um período de sua vida no Rio de Janeiro, mas passa a residir no Espírito Santo a partir de 1961. Faz mestrado em São Paulo e ingressou na Academia Espirito-santense de Letras em 1988. Sua obra foi reunida em “DE FOLHAS VERSADAS, Seleção, notícia biográfica e estudo crítico de Deny Gomes” (Vitória, 1998), publicação da Secretaria Municipal de Cultura. Um exemplar da obra foi doada pelo poeta Aricy Curvello para a Biblioteca Nacional de Brasília, de onde foram extraídos os seguintes poemas:
JUSTIFICATIVA DO POEMA
As casas como as pessoas
são diferentes mas não outras,
ainda que sejam iguais;
às vezes menos, às vezes mais.
Foram feitas para guardar
num mesmo e único lugar
o que não foi consumido.
Na memória, o esquecido.
Numa parte deste quarto
as coisas de que me farto.
É um mesmo pó vertical.
Chame parede ou chame pele
ao círculo que as envolve,
ambas o tempo as dissolve.
Por dentro muito segredo.
Por fora silêncio e medo.
A CASA ONDE ELA É
A casa domina
o vale e a colina
de onde é raiz.
Ali se engastalha
Qual mênstruo-cicatriz —
—mortalha.
Vê-se-lhe o corte
lateral e a fronte
à morte.
Orvalha.
Longe um horizonte
pálido espalha
e o que é vão e o que é triste.
Ela resiste.
Se obstina.
Amanhece
Fenece
(ah vespertina!)
MUROPOEMA
O muro não a prende
mas contorna.
Segue, retorna,
a limita e defende.
De outros pés
de outros olhos
de outras vozes
de outras vidas
no tempo consumidas
pois ele é o que és.
O muro deixa ver
um único abandono:
de morte e sono,
de não ser e ser.
O muro é que a levanta
e a ergue e a sustenta
à casa quando venta
e a tristeza é tanta.
O muro eu não o fiz
nem o cuidei ou vi
morrer do que morri
com a mesma cicatriz
que lhe corrói
e fere.
E dói na pele.
MEU AVÔ CORONELZINHO
Meu avô coronelzinho é que não ia perder o céu
com aquela modorra nos fins de tarde
e mucamas de dengo e seios rijos
e o alpendre avarandado
e quitutes em bandejas de prata da Guiné.
(tanta coisa gostosa de espairecer...)
Já meu avô tropeiro não ia gostar nem um pouco de um lugar assim.
Céu pra ele tinha que ser diferente: um chão muito
Grande, aguada boa, mentira pra contar.
(Eh, égua!)
Acho que existem dois céus em algum lugar: um para meu
avô tropeiro; um pra meu avô coronelzinho.
Quando morrer, não sei pra qual desses dois eu hei de ir.
SONETO DA FINITUDE
Agrada ao poeta o que é bom e breve.
O verso a que se atreve.
O que é finito e, se indo,
permanece, ainda que findo.
O tempo enquanto instante.
O passo adiante.
O que reluz e, sendo chama,
se consome e incendeia.
O fulgor que, leve, a inflama.
O pouco em que se creia.
A vida, esse enganoso
Iludir-se a todo falso gozo
do que ao corpo o mal um bem parece
enquanto, pálida, a alma desfalece.
O TEMPO
E assim o tendo comigo,
sigo
cada momento e cada espanto,
tanto
o tempo, feroz tirando,
cala em mim todo desengano.
De que vale me atormente?
Mente
quem pretenda dominá-lo.
Tempo é qualquer desvario
rio-me
enquanto ri-se do que falo.
ALMADA, Roberto. Elegia de Maiorca. São Paulo: Massao Ohno Editora, 1991. s.p. 15x22 cm. Prefácio por Carlos Nejar. Tiragem: 1000 exs. Col. A.M. (EA)
7.
De infindas lidas faz-se a solidão
dos que os amamos, a esses que se vão.
Quantos gemidos, quantos desenganos
e adeuses mudos, de risos profanos.
Vão-se esses amores, vão-se alhures,
quer os apartes de ti, quer os procures
na névoa que, eles idos, sobreviva
a esse ir-se aonde for, sempre à deriva.
8.
Que os olhos entre sombras absortos
revelam os seus segredos, mesmo mortos.
São adeuses de ermas despedidas
se desfazendo em nós e em nossas vidas.
Tantos sonhos de amor velhos e fátuos.
A imagem sem cor desses retratos.
O teu vulto adormecido no jardim.
A luz da tua face a incendiar-se em mim.
Página publicada em janeiro de 2008; ampliada e republicada em set. 2012 |