Foto: http://outros300.blogspot.com.br
PAULO ROBERTO SODRÉ
Paulo Roberto Sodré nasceu em Vitória-ES em 1962, onde fez todos os seus estudos, formando-se em Letras-Inglês pela UFES em 1986. Possui mestrado em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo. Atualmente, é professor de Literatura Portuguesa na UFES. Entre suas principais obras, podemos citar: “Interiores” (1984) “Ominho” (1986), “Lhecídio” (1989), “Dos olhos, das mãos, dos dentes” (1992), entre outros. Agora, ele lança “Poemas Desconcertantes seguidos de Senhor Branco ou o Indesejado das Gentes”, uma compilação de cinco livros.]
SODRÉ, Paulo Roberto. Poemas de pó, poealha e poeira. Vitória, ES: Secult, 2009. 80 p. 15x21 cm. Capa: Renato Carniato. Col. A.M.
2. CANTO ALGUM
I
Ouve-se por trás
de salgueiros nus
uma poeira de cantos
de violoncelos.
Não chove, não choram arcadas,
nem se queixam
as cordas de um poente enternecido.
Soam, flanam, deslizam
os longos sons.
A memória reluz e nenhum pranto
se atreve a rondar
o que se ouve na tarde:
Violoncelos que compreendem as mãos
e cantam o pouco vinho
no copo fatigado.
II
Sim, os olhos do tempo
assistem ao girar das cores
que começam claramente,
e desaguam nos escuros.
A manhã dos dedos de rosa,
o amarelo dos frutos,
as rugas do inverno,
os olhos sem manhã dos homens.
Sim, o tempo inoxidado
sobre as vulnerabilidades.
Sem estragos,
o tempo no relógio
assiste às lembranças
de um futuro com cores em preto e branco.
Sim.
III
Antes de mim,
o corpo vai desistindo
da agilidade que alegrava os passos.
Sorrio com todos os risos que dei.
Leio com todos os mundos que entrevi.
Olho com todos os óculos, sem surpresa.
Pelas mãos daquele rapaz que namora, no entanto,
uma embriaguez de vontade eu pressinto
no suor que vem de me flagrar entusiasmado.
Mas meu olhar é maior que os dedos.
E estes dedos não movem os passos.
IV
Nenhum caminho
pode perder sementes,
e nenhum vazio
merece o fogo
que criei, para existir.
(Não poderá ser menos que um grão
um homem quando nada for).
Somente o corpo
desiste;
ardo ainda,
mesmo parcos os salgueiros;
mesmo magros os caminhos;
mesmo vagos os violoncelos.
Página publicada em março de 2013
|