SIMBOLISMO / POETAS SIMBOLISTAS
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NARCISO ARAÚJO
(1877-1944)
Nasceu em Vila de Itapemirim, Espírito Santo, em 6 de agosto de 1877, cursou o Pedro II e bacharelou-se pela Faculdade de Direito, no Rio de Janeiro, onde participou ativamente do movimento simbolista, retomando depois para sua cidade, onde sempre viveu, sendo chamado "o solitário de Itapemirim". Foi deputado ao Congresso Estadual do Espírito Santo, onde sua consciência ficou desiludida. Recusou retomar ao Rio de Janeiro, a convite de· amigos como Cruz e Sousa, Nestor Vítor, Raul Pederneiras e Felix Pacheco. Preferiu viver entre seus livros e publicando poemas em jornais. Em 1941 foi eleito "Príncipe dos Poetas Capixabas" e teve editada uma série das suas Poesias. Faleceu em 16 de abril de 1944. Seu tema fundamental é o amor, que tudo vivifica, expresso em vivo sentimento, recorrendo constante apelo/referência ao tu alocutário, sobretudo em seus sonetos.
Poemas extraídos da obra SIMBOLISMO / seleção e prefácio Lauro Junkes. Sâo Paulo: Global, 2006. 152 p. (Coleção roteiro da poesia brasileira0 ISBN 85-260-1147-2. Enviada gentilmente pelo amigo e editor Luis Alves Júnior.
A SAUDADE
A João Ribeiro
A saudade comum, essa consiste
em nos rememorar cada momento
quer que seja, cujo afastamento,
pungindo-nos o peito, o torna triste.
0utra saudade, todavia, existe
que nos agita. Vem do firmamento
no clarões do luar, e o pensamento,
por mais firme e tenaz, lhe não resiste.
É a saudade de ignotas primaveras,
é a saudade de quadros incriados,
é a saudade de coisas nunca tidas,
é a saudade infecunda das esferas,
onde os astros rolaram, conglobados,
desde as fundas idades escondidas.
Poesias, 1ª. parte, 1900-1915 (1942)
TARDES
Quando a tarde vem vindo e o crepúsculo desce
como uma ampla asa, e atrista os horizontes quedos,
eu creio ouvir, pelo ar, turturinos de prece,
uns murmúrios de amor, um frufruar de segredos.
Um sino badalando, aos poucos, esmorece;
a tristeza do bronze acorda n'alma medos,
e a almas sentem frio: — um frio que parece
vir o pólo da morte, através de degredos.
Há também tardes n'alma. Há mudez. Crepuscula.
O sino da saudade acorda e abre o passado
— livro que se fechou, sonho que não arrula.
E ansiamos reviver as esperanças mortas!
E ansiamos reentrar nesse templo doirado!
e — ai de nós! — um nevoeiro esconde-nos as portas ...
Ibidem
SONHAR
Vale a pena sonhar. O sonho alenta
e enflora a vida, o sonho a fortalece.
Ao clamor das nortadas da tormenta
o lábio sonhador murmura a prece.
A vida, muitas vezes, é um deserto
tão árido e de tão combusta areia,
que somente o sonhar nos abre, perto,
cantando, uma água viva que colmeia.
Quando, em gritos, na terra, arde a contenda
de idéias vãs e aspirações pequenas,
feliz a alma que sonha e busca a lenda
dessas alturas límpidas, serenas!
Feliz quem pode levantar sua ânsia,
na asa clara e fugaz da poesia,
para esse eterno azul, que sabe a infância
de cada estrela que de lá radia ...
Esta luta, no mundo, de hostes brutas,
incoerentes, bárbaras, selvagens,
não vale nada ante essas impolutas
constelações das célicas paisagens.
O sonho, sim... é que nos aproxima,
enquanto tudo vai no mundo, a rastros,
da seara que guarda lá em cima
toda a imortal vegetação dos astros.
O sonho, sim... nos leva a essas esferas,
pátrias gloriosas e galhardos mundos,
mundos eternos, onde as primaveras
têm seios mais sadios e fecundos.
O sonho, sim... percorre a trajetória
dos planetas, que rolam nos espaços,
muito acima da vida transitória,
que nós vivemos, de grilhões nos braços.
Vale a pena sonhar. Em redor, quando
tudo enegrece e se espedaça tudo,
é bom ao poeta olhar o céu, sonhando,
sonhando muito, extasiado e mudo,
e, no seu sonho compreender mistérios,
acordar forças que inda estão dormindo,
beber as ondas dos azuis etéreos,
sentir-se imenso espaço infindo.
Poesias, 2a. parte, 1916-1930 (1942)
SONETOS. v.2. Jaboatão dos Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, s.d. 151 - 310 p. 16,5 x 11 cm. ilus. col. Editor: Edson Guedes de Moraes. Inclui 171 sonetos de uma centena de poetas brasileiros e portugueses. Ex. bibl. Antonio Miranda
CRÊ
Por que foges de Deus, frágil criatura?
Por que zombas? Por que descrês e o negas?
Homem, cura essa doença horrível! Cura
esse riso de cético, que empregas
como razão, contra a divina altura,
na sem-razão com que, sem luz, alegas
palavras loucas contra luz tão pura...
palavras de homem que anda à toa, às cegas...
Entra em ti mesmo! Rende-te à consciência,
Tudo anuncia Deus. Olha bem. Vê.
- é o poder infinito na clemência!
Sob os teus olhos tens o Livro! Lê!
Eu te ensino a verdadeira ciências!
Cura o teu riso cético, homem... Crê!
SABOR AZUL
Inda as estou ouvindo, as frases puras,
que ela, com as faces em rubor me disse:
- eram-lhe os lábios, como partituras,
feitas de sonhos, cheias de meiguice.
Falava – e a voz trazia tais doçuras,
que era como se o Himeto se exprimisse
pelo seu mel. Falava – e as amarguras
como se uma alegria as perseguisse,
do peito iam fugindo, uma por uma.
Tem um sabor azul essa voz doce,
que afaga a alma, a alma doira, a alma perfuma...
Tem sabor azul como o superno
canto de uma áurea estrela que lá fosse
vibrando, livre, pelo azul eterno.
FOLHAS DE AMOR
Folhas de amor... Abro essas folhas. Leio
Versos de tempos idos, versos suaves,
como, nos ninhos, tartareios de aves,
dentro de um bosque, de perfume cheio.
Doce música azul do devaneio,
regido pelo amor – clave das claves,
prece do coração, no átrio das naves,
em voos para o céu, na asa do anscio.
É luz, aqui, saudosa e melancólica.
Ali é sol glorioso e entusiasta...
Ardor de luta e logo paz bucólica.
E vão meus olhos lendo, lendo imersos
numa saudade que soletro, casta,
o lindo nome que inspirou tais versos.
TRANSFIGURAÇÃO
Venho de tua casa, de ti trago
toda a fragrância. Calmo céu se anila
dentro de mim e lindo sonho mago
enche minh´alma e, todo azul, cintila.
Vou perturbado e volto como um lago,
depois de estar contigo. Uma tranquila
esperança me vem do teu afago
e muda em bronze minha fraca argila.
Tu transformas em trigo o inútil joio,
o paul morto em cristalino arroio
e num gigante intrépido, um pigmeu.
Vou ver-te em tua casa, mas, voltando,
em remígios possantes o ar cruzando...
é um condor que volta, não sou eu!
Página ampliada em novembro de 2019
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