JOÃO BASTOS
(1898 – 1962)
João Bastos Bernardo Vieira, nasceu no município de Conceição da Barra, no Estado do Espírito Santo, a 26/02/1898. Professor normalista e bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Foi alto funcionário da Secretaria de Estado da Educação do Espírito Santo, também foi deputado estadual Faleceu em Vitória-ES, a 05/07/1962
BASTOS, João. Caminhos da vida. Poesias. Rio de Janeiro:Livraria José Olypio Editora, 1942. 91 p. 13x19 cm. Capa de Luis Jardim. Apresentação: Clovis Ramalhete. “Classificado em terceiro lugar no concurso para a escolha do Príncipe dos Poetas Capixabas, conquistando o “Prêmio Jonas Montenegro”, oferecido por João Calazans e Eugenio Sette, realizado na presente edição.” “Deste livro foram tirados, para os subscritores, cem exemplares em papel Vergé, numerados e assinados pelo autor.” “ João Bastos ”. Ex. na bibl. Antonio Miranda
OUTRA VIDA PARA NÓS
Ter-te junto de mim, saber-te minha
inteiramente, para a vida inteira,
vivermos afastados da mesquinha
turbamulta leviana e faladeira...
Habitando, deserta, uma casinha
nossa, ainda sendo humílima e rasteira...
— Eis o que certamente nos convinha,
sonho que me seduz sobremaneira.
Deixa o apego que tens à sociedade
e vem comigo para o amor! Bem vês
que saúde, prazer, felicidade,
tudo o que é bom no campo nos aguarda.
Gostarias de ver-me — um camponês
de pés descalços e camisa parda...
TÂNTALO
Saiba Senhora que estou muito doente
de um mal terrível, mal que não tem cura
e que me abrasa mais que um ferro ardente,
pois mais que o fogo o amor queima e tortura.
Vendo-me triste e magro, muita gente
que forte e alegre viu-me na ventura...
— "Olha quanto está ele diferente!
Como se muda, santo Deus!" — murmura.
Eu mesmo, às vezes, consultando o espelho,
exclamo: — és outro, desditoso amigo.
Tens cãs e rugas como qualquer velho.
Sei. Não preciso que isto alguém me aponte.
Morro Senhora, contemplando-a, digo,
morro de sede à beira de uma fonte.
INDECISÃO
Tua virtude, prenda augusta, passa
por merecer universal respeito,
porque provindo de divina graça,
não foi moldada pelo preconceito.
Há talvez quem nutrindo a alma devassa
do fruto da perfídia ou do despeito,
(e há muitas almas de nobreza escassa)
queira, em tanta virtude ver defeito.
Quanto a mim que aprecio a magnitude
da renuncia aos encantos que a vaidade
põe no oposto caminho ao da, virtude,
tanta virtude me comove e espanta.
E indeciso entre o sonho e a realidade,
nem sei se ame a mulher — se adore a santa.
NATUREZA FECUNDA
Manhã de Sol e chuva.
Na cabeça e no dorso da montanha
um longo véu de noiva.
Sol e chuva...
Dia de casamento de viúva.
E há festa e cantarola.
As araras de luva
gralham impertinentes.
Os tucanos de fraque e de cartola,
guilram de galho em galho.
Flauteiam sua velha barcarola
os sabiás dolentes.
E ao longo uma araponga bate malho;
enche a mata de gritos estridentes.
SONETOS. v.2. Jaboatão dos Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, s.d. 151 - 310 p. 16,5 x 11 cm. ilus. col. Editor: Edson Guedes de Moraes. Inclui 171 sonetos de uma centena de poetas brasileiros e portugueses. Ex. bibl. Antonio Miranda
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EU IREI
(último soneto de João Bastos)
Quando o sol, expungindo o derradeiro poente,
abismar-se na sombra, além das cordilheiras,
e o rio, quebrantado o impulso da corrente,
inerte logo vier deitar-se às ribanceiras...
Quando, do meu destino as asas agoureiras
passarem sobre a verga, em rumo diferente,
eu irei... Mas irei, ó negras mensageiras,
nem mais entristecido e nem menos contente.
Há de haver, para lá do espaço circunscrito,
um porto e, de algum modo, a esteira de uma ponte
ideal entreligando os sonhos em conflito,
refúgio onde talvez um novo sol desponte
e o espírito contemple o azul de outro horizonte,
ao longo da amurada extrema do infinito.
Página publicada em agosto de 2014. Página ampliada em dezembro de 2019
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