GEIR CAMPOS
(1924-1999)
Geir Nuffer Campos, poeta, jornalista e ativista cultural de grande presença e influência na literatura brasileira. Nasceu em São José do Calçado (ES), foi piloto da marinha mercante e ex-combatente civil na Segunda Guerra Mundial. Formado em Direção Teatral (FEFIERJ-MEC, Rio), mestre e doutor em Comunicação Social pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Com Thiago de Mello fundou a editora Hipocampo, marco nas artes gráficas do livro brasileiro. Obra extensa e de valor imorredouro.
[ Veja também: GEIR CAMPOS - EN FRANÇAIS]
TEXTOS EM PORTUGUÊS - TEXTOS EN ESPAÑOL
TEXTO EM ITALIANO
“Operário do canto, me apresento
sem marca ou cicatriz, limpas as mãos,
minha alma lima, a face descoberta,
aberto o peito, e — expresso documento —
a palavra conforme o pensamento.”
TAREFA
Morder o fruto amargo e não cuspir
mas avisar aos outros quanto é amargo,
cumprir o trato injusto e não falhar
mas avisar aos outros quanto é injusto,
sofrer o esquema falso e não ceder
mas avisar aos outros quanto é falso;
dizer também que são coisas mutáveis...
E quando em muitos a noção pulsar
— do amargo e injusto e falso por mudar —
então confiar à gente exausta o plano
de um mundo novo e muito mais humano.
VIGILIA
Não, meu amigo, não precisas ter
nenhum cuidado: havendo o que cuidar,
cuidarei eu constantemente a te poupar
coitas que vão teu coito arrefecer.
Coitado de quem deixa a noite ser
vinda fora de tempo e de lugar
sombreando as alturas do prazer
com rasteiras tribulações do lar.
Antes que venha a noite, vai o dia
mostrando os horizontes de alegria
que tem a palmilhar no corpo dela:
são costas, são gargantas, são colinas
— toda uma geografia em que te empinas
enquanto pelo teu meu amor vela.
POÉTICA
Eu quisera ser claro de tal forma
que ao dizer
—rosa!
todos soubessem o que haviam de pensar.
Mais: quisera ser claro de tal forma
que ao dizer
— já!
todos soubessem o que haviam de fazer.
VERTICAL MORTE
Pára-quedista, a que distância
escolheras o teu lugar
— sobre as vogais de tantos olhos,
tu, leviano como til?
Tão moço, tinha moço amor
além da mãe, da irmão, do irmão,
do companheiro antes alegre
e triste já pelo que viu:
saltaram dez, saltaram cem...
Negra metade do que fora
o claro salto de um tiziu
ou, mais, crisântemo de seda
entre o chão duro e o fofo anil.
Mas nem foi de abelha o zumbir...
O pára-quedas não se abriu.
E era um exercício de paz:
da paz que as armas não baniu.
SUGESTÃO NO CAIS
Aos carnívoros peixes que na guerra
sozinhos ou sem bandos avisados
tiveram seus banquetes numerosos
à sombra dos navios afundados
e ali comerem ávidos e quietos
as carnes de marujos e soldados
e tripulantes e passageiros
de barcos mercantes torpedeados,
pergunte-se:
— A que sabem os miolos
por tantas agonias transitados
e os corações vazios de esperança
e os músculos com seu gestos truncados?
Pergunte-se, e o pavor será tamanho
que os peixes permanecerão calados.
INVENTÁRIO
Esta epiderme há muitos muitos anos
me cobre: guarda algumas cicatrizes,
outras não lembra mais, e até mistura
uns caminhos da infância a outros de agora.
As unhas não direi que são as mesmas
com que o seio nutriz terei vincado:
são mais duras, mais feias e mais sujas
— pois nem sempre de amor e entrega foi
o chão em que plantei, colhi nem sempre.
Se os dentes não gastei, gastei meus olhos
entrevendo paisagens, vendo coisas,
cegando-me ante sésamos de sombra.
A alma apanhou demais e vai pejada,
mas vão leves as mãos cheias de nada.
De
CANTIGAS DE ACORDAR MULHER
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964
Em vez de levar a sério
o que o moralista diz,
eu me pergunto primeiro:
o moralista é feliz?
ALBA
Não faz mal que amanheça devagar,
as flores não têm pressa nem os frutos:
sabem que a vagareza dos minutos
adoça mais o outono por chegar.
Portanto não faz mal que devagar
o dia vença a noite em seus redutos
do leste — o que nos cabe é ter enxutos
os olhos e a intenção de madrugar.
DESCANTE
Nunca te pedirei
o que não possas dar,
ai — pedir sombra ao sol,
doçura ao mar?
Tampouco pedirei
mimo que não tenha preço,
ai — de pobre que sou
bem me conheço.
Não saberia aliás
que prenda acrescentar,
brilho ao sol, talvez,
salina ao mar...
E nem te valeria
a espera na promessa,
ai — eterno é o que passa
mais depressa.
De
CANTO CLARO
e poemas anteriores.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1957.
TAREFA
Morder o fruto amargo e não cuspir
ma avisar aos outros quanto é amargo,
cumprir o trato injusto e não falhar
mas avisar aos outros quanto é injusto,
sofrer o esquema falso e não ceder
mas avisar aos outros quanto é falso;
dizer também que são coisas mutáveis...
E quando em muitos a noção pulsar
— do amargo e injusto e falso por mudar —
então confiar à gente exausta o plano
de um mundo novo e muito mais humano.
POÉTICA
Eu quisera ser claro de tal forma
que ao dizer
— rosa!
todos soubessem o que haviam de pensar.
Mais: quisera ser claro de tal forma
que ao dizer
— já!
todos soubessem o que haviam de fazer.
SUGESTÃO NO CAIS
Aos carnívoros peixes que na guerra
sozinhos ou em bandos avisados
tiveram seus banquetes numerosos
à sombra dos navios afundados
e ali comeram rápidos e quietos
as carnes de marujos e soldados
e tripulantes mais e passageiros
de barcos mercantes torpedeados,
pergunte-se:
— A que os miolos
por tantas agonias transitados,
e os corações vazios de esperança,
e os músculos com seus gestos truncados?
Pergunte-se, e o pavor será tamanho
que os peixes permanecerão calados.
SER E TEMPO
Ser é durar... Somos, então,
nesses momentos em que a vida
excede a própria duração?
Nesses momentos quando o amor
(fruto a multiplicar-se em gomos,
em cada gomo outro sabor)
é uma surpresa repetida
— que somos nós? Acaso somos?
DO AMOR
Se deveras não cabe, entre criaturas
modeladas em barro e ao barro adstritas,
mais do que o essencial esfarinhar-se
(durando, gastam-se as coisas mais duras)
— às criaturas será sempre estrangeira
a força que as redime, se as atrita,
queimando auroras sobre grãos de poeira.
SONETO FABRIL
Parques, sim, mas parques industriais:
neles é que passeia o nosso amor,
em bairros pouco residenciais
onde ronrona a máquina a vapor.
Das chaminés das fábricas saem mais
nuvens (claras, escuras) de vapor
e de fumaça, com a cor das quais
o azul do céu muda-se noutra cor.
Pairando entre esse céu, assim mudado,
e a terra, onde prossegue a mesma vida
com seu esquema aceito mas errado,
detém-se o nosso olhar em bagatelas
— que de pequenas coisas é tecida
a glória de viver e achá-las belas.
TEMA SEM VARIAÇÃO
Sequer apago as passadas
deste meu vagar sozinho,
sozinho em tantas estradas:
triturador de caminhos,
move-me um remoinho
de frescas águas passadas.
RUAS
Longos rios de roupa e carne humana,
onde a emoção flutua vagamente
ancorada em rotina e preconceito.
Os edifícios formam como um cais
eternamente à espera de navios,
e os peixes todos se debatem presos
a incógnitos anzóis que ninguém puxa:
águas vivas correndo para a morte.
Página ampliada e republicada em dezembro de 2008; ampliada e republicada em janeiro de 2009.
Extraído de:
2011 CALENDÁRIO poetas antologia
Jaboatão dos Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, 2010.
Editor: Edson Guedes de Morais
/ Caixa de cartão duro com 12 conjuntos de poemas, um para cada mês do ano. Os poetas incluídos pelo mês de seu aniversário. Inclui efígie e um poema de cada poeta, escolhidos entre os clássicos e os contemporâneos do Brasil, e alguns de Portugal. Produção artesanal.
TEXTOS EN ESPAÑOL
ANTOLOGÍA DE POESÍA BRASILEÑA. Preparación, traducción y prólogo de Gabriel Rodríguez. Caracas: Fundación Editorial Popular de la Cultura; Fundción Editorial El Perro y la la Rana, 2008. 437 p. Col. Poesía del Mundo. Série Antologías. Col. A.M.
MARINA
Hay una fe indescriptible en el timón,
en la solidez del casco, en el cordaje:
una confianza en la propia inmunidad
ante el mar que brama y se agita en el oleaje.
Suelta al viento, la bandera es un pañuelo
que borra en la distancia esquivas señales;
fluye luz de las estrellas, malheridas
por la ágil esgrima de los mástiles.
Oleajes se sublevan, mas vencidos
capitulan en locas contorsiones
bajo la afilada proa; la brisa alegre
infla el aire de suavísimas canciones.
Y entre la calma del cielo, sin un ala,
y el silencio del mar, que los peces comen,
sigue siempre el navio solitario:
exiliado en sí mismo -como un hombre.
TROMPO
¿Quién te enseñó, trompo, el arte simple
de girar y hacer del giro la vida,
vertical sobre el pico -único punto
de tu cuerpo que en el suelo te sostiene?
Esa es tu verdad esencial:
como un hombre cercado por mentiras,
buscas tal vez en torno una salida
que no hallas; y así de balde giras
en un equilibrio falso, que al final
se rompe.. .y al suelo te entregas, así de tonto.
(Rosa dos Rumos)
LA ARMADURA
La antigua fe, que al gesto te obligaba
y te animó para aventura y guerra:
¿era del cuerpo, que volvió a la tierra,
o del alma que al cuerpo alimentaba?
Si era la del cuerpo, en tu ley - descansa:
que la herrumbre te mine poco a poco,
que se ensucien el metal y el penacho
con el polvo que en la vitrina danza.
Pero, si la carne era sólo engaste
de esa voluntad que vestiste un día
con tanto brillo y tanta gallardía,
¿qué esperas aún para, en un violento
gesto, volver a la vida que dejaste?
Tu inercia es ya un acontecimiento.
IX
Al colorear faroles en los declives
que piso, pavos empluman abanicos
y con ojos astutos me vigilan
cuando subo al morro donde vives.
Lento giro las páginas de la altura,
deletreando paisajes; organizo
palabras que prefiero silenciar
para mantener esa atmósfera pura.
Entre pájaro y piedra, Ícaro voy
con mi peso de ser y un sueño de alas,
sin virtud mayor que me consagre
sino esta tenaz porfía de amante
desmalezando, al azar, casi vuelos,
caminos donde el paso es ya un milagro.
(Coroa de Sonetos)
TAREA
Morder el fruto amargo y no escupir
sino advertir a los otros cuan amargo es,
cumplir el trato injusto y no fallar
mas advertir a los otros cuan injusto es,
sufrir el esquema falso y no ceder
pero advertir a los otros lo falso que es;
decir también que son cosas mutables...
Y cuando en muchos lata la noción
-de lo amargo e injusto y falso por cambiar-
entonces confiar a la gente ya harta el plano
de un mundo nuevo y mucho más humano.
(Canto Claro)
TEXTO EM ITALIANO
Texto extraído de:
CHIOCCHIO, Anton Angelo. Poesia post-modernista in Brasile. Roma: dell´Arco, s.d. 40 p. ilus. 12x17,5 cm. “ Anton Angelo Chiocchio “ Ex. bibl. Antonio Miranda
BALLETTO
La musica rescinde e fende l'aria
creando per il gesto attese nuove
in cui la ballerina avvolge rapida
il suo corpo di gesso, empiendo forme;
parte d´essa, però, troppo leggera
per morire da statua, si fa accordo
e in breve si reintegra al silenzio.
MARE CLAUSUM
Arrivo al molo di me stesso e sopra
l'interno mar mi sporgo e bagno lastre
di concetti e di dogma secolari...
Nel crepuscolo folgora ogni tanto
l'inutile conchiglia di un mollusco
morto; balzano pesci dalle acque
misteriose in schiumanti imprecazioni.
Il desiderio spezza le sue gomene:
gonfia le vele, come seni vergini,
la speranza con soffio intermittente.
O grande mare, scuola di naufragi!
Un addio piange in ogni grembo d'onda.
NINNA NANNA
Esausto di fotografar la vita
nei suoi sessanta aspetti per minuto,
l´occhio riposa nel raccoglimento
del crepuscolo antico e sempre nuovo:
le immagini del giorno, prigioniere
tra i veli delle palpebre, discutono
possibili argomenti per un sogno.
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