TT CATALÃO
Nasceu no Rio de Janeiro em 1949.
TETÊ CATALÃO, poeta, jornalista, letrista, ativista cultural sempre de plantão. Há tempos semeia versos e cantigas de maldizer na imprensa, para a alegria de uns e a irritação de outros... Uma verve solta, afiada, cáustica, que tem origem no Boca Maldita Gregório de Matos, passa pela ironia do Barão de Itararé, verseja no melhor estilo “palavra-puxa-palavra” e desemboca... sei lá, na Rodoviária de Brasília, na selva de pedra ou no heliporto de alguma repartição pública... Para ele, tudo flui, é passageiro. O Manoel de Barros, outro poeta iluminado, é passarinho. Tetê se confessa passageiro e recita: Na vida tudo passa, só não passa o ônibus do Guará... Anárquico, ditirâmbico... Uma lucidez alucinada. A. M.
Falecimento: 2 de janeiro de 2020
Veja outros textos de Tetê Catalão em: http://hps.infolink.com.br/peco/main.htm
Versos retirados da célebre edição de 16 PORRETAS ( ou 16 poetas...), poemário coletivo de autores alternativos, impresso na gráfica do Sindicato dos Jornalistas, em Brasília, em 1979.
16 PORRETAS
“poeta”
só serei poeta quando perder a meta;
sem desejo por tal glória vivo em despejo
do tal fluxo da história; sem ousar usar
poeta no título versejo desfeito
percevejo esmagado na unha da língua -
sem ar, truque de rima, artifício ou trava:
desmerecer antologias brasa matricial
sem retrospectivas ou crachá de marginal oficial;
só rogo pelo parco orifício
por onde possa brotar a sagrada palavra
(despacho no exu monumental de março-2008)
Línquas à míngua
caçam sinais, entumescem e migram.
Línguas lavram palavras. Cinge-as.
Fingem feito esfinges. No entanto, flagram, amordaçam,
afogam, afagam.
Arautos de fronteiras, línguas erguem muros sobre seres
cegos de solos, heróis e suas bandeiras.
Línguas, ínguas volumosas, apêndices no corpo usam a volúpia e a vilania, o vã e a via, o tem e o havia, sendo a mesma para o rancor e a simpatia.
Sémen do ator simulam a criatura enquanto criam. Línguas penetram, acolhem, aquecem, esfriam.
Línguas lânguidas insinuam resvalam pelo ralo da boca e o gargalo instiga tanta fala quanto falo tanto bala quanto embalo tanto cala quanto calo tanto engole quanto entala tanto bole quanto retalha migalha morde o sentido que resvala pelolambesignos embaralha discursa embrulha mortalha como se come a outra
no beijo que a entrelaça como se pousa vício ou lábia no outro que a devassa...
(para espetáculo dos queridos irmãos guimarães, ribondi e chiquinho amaral)
há guisos de introito
se 22 teve geração,
45 — girassol pra canhão —
restou pra 78
a geratriz da piração
ARARA POUCA DE PEGAR ARARA
arapuca
ói. noi grandes
ói noizaqui travêis
poemas xujos neste mar de lemas
ninguém segura a segurança
este é um pais que não tem freios.
assim pra frente — upa/upa
alguém sempre levará a culpa
alguém sempre lavará a roupa
nem sempre em casa, pois o preço — quem paga é o trouxa —
da liberdade é esta eterna dívida
externa. dúvida interna.
infalação poética
este plano piloto em vôo cego
duas asas que aterrisaram no centro
da questão, um sertão de possibilidades,
cada vez mais uma bras-ilha
um núcleo bandeirante mais sofisticado
mais auto movel, mais estatístico
assisti a u ma eleição no congresso
sem pagar ingresso — diz o polvo sem tentáculos
para o povo no espetáculo — que progresso!!!!!!
BAIXO LEBLON ALTO XINGU
um pé na poça um pau na roça
outro na praça outro na raça
um pau brasil na moça
um pé brazil na massa
elimine a treva
ilumine
a t r e v a
quem pode, pode.
quem não pode, poda.
olhai colírios do campo
de grão em grão a galinha enche e papa
de papo em papo o galo enche a galinha
de grãos e papos o galinheiro anda cheio
canja dominical galos sangram na rinha
ovos podres no quintal
sobram olhos espião de um amor cego
morcego marcial suga pendurado a tabuleta Z:
"quem escapou da LSN caiu no LSD".
olhai colírios dos campos
eles não tossem
nem afiam
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Fragmento de um poema de TT Catalão
em aquarela do artista plástico Rômulo Andrade.
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QUE HAJA PÃO E CIRCO
MAS COM MANTEIGA E SOM ESTEREOFÔNICO
Circo Trapezista
na maior desesperado
lona convida
convida povo
platéia para
para espetáculo salto mortal
Banido Domador
arrependido desocupado
entrega procura
ouro vaga e
ao consolação
bandido em arena
sem leão
Mago Tratador
visiolusionista descobre
necessita que alegria
urgente do gorila
de oculista é ver palhaço
— prazo ou vista — pegar fogo
Bis — bis — bis — bis —
gritavam filhos Cartola de cetim
de artistas revela
diante do milagre econômico
último prato de bilheteiro
da noite. Anão
Palhaço devolve a platéia Ossos do ofício
o mesmo riso ensaiado para cães oficiais
HOJE ÀS 21 HORAS, FARTA DISTRIBUIÇÃO DE VARAS CURTAS
PARA CUTUCAR FERAS.
o lucro que se tem com a mata
produz o louco que se tem com o lucro
lucro louco que nos lacra e consome
Com o sumo de tua ira revoltaremos
elementos
Com o sêmen do sacrifício fecundaremos
sofrimento
louco lacre que nos usa
louca usura que nos veda
lucro louco que nos vende
o lucro que se tem com a mata
mata o uso que se faz do lucro
o que te fez o
INDIO
para te causar o
ÓDIO
NA BEIRA DA BR-ZIL A MÃO OUTRORA ÚTIL
LANÇA EM PUNHO AGORA FÚTIL APANHA O PÓ
DA RODA VIVA NA BEIRA DA RODOVIA
inferno verde interno
O BOI POSTO a terra exposta descoberta exibe
a chaga nua da violência crua O INDJO PASTA
a flora expulsa em troca emite o filho adúltero
da culpa tua O OURO PISTA o rio turvo
à margem permite o corpo fétido vago flutua
AFLORA PESTE
intriga de roda
pra cantar após as refeições.
o peão entrou na roda oh peão
o peão entrou na roda oh peão
roda peão bombeia pleão
o peão já plantou cana oh peão
o peão já fez palhoça oh peão
agora o peão tem sede oh peão
agora o peão não tem teto não
rodopia no andaime oh peão
bamboleia no estribo oh peão
cai um peão mataram o peão
mais um peão cai da construção
BRASÍLIA
CIDADE CIDADÃ
livro de TT CATALÃO
e Sávia Dumont
fotos de Rui Faquini de bordados
sobre desenhos de Demóstenes Vargas.
Obra publicada com apoio de PAULOOTAVIO, 2000.
Destaque para o poema:
ANTES...
plantas, bichos, pedras,
águas correndo e
um pouco de gente.
Debaixo de um céu
Imenso, a terra esperava a semente.
TT CATALÃO
SOLIDÃO CELULAR
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TT Catalão é o meu poeta. Para encontrá-lo, só com o esforço de alguma arqueologia literária... Seus textos, paratextos e visualizações poéticas estão dispersos. Revelações que não se esgotam na materialidade dos achados. Agora deparo com seus escritos no livro TREZE POETAS IMPOSSÍVEIS – EBULIÇÃO DA ESCRAVITURA, edição emblemática da (já memorável) editora Civilização Brasileira, de 1978. (Coleção Poesia Hoje, vol. 21)
Os textos de TT são mais que textuais, são arquitexturas, são esculturas com letras, vão no embalo do palavra-puxa-palavra mas, ao contrário de seus contemporâneos, TT vai construindo sentidos em vez de seguir ao jogo fácil dos virtuosismos vazios. Vem mesmo de sua veia social, de sua consciência cidadã, de estar a tempo completo em defesa de causas e idéias transcendentes que, pelo visto, sobrevivem, se apresentam uma e mais vezes como instigantes, atualíssimas.
Os poemas foram recolhidos por Moacyr Felix, numa antologia de poetas que podem ser lidos e ouvidos para o entendimento de nosso tempo, mais ainda,
daqueles tempos de uma ditadura em retirada.
Repito: TT é bom demais. Vivo, pulsante; epigramático, irônico, crítico, capaz de condensar em imagens o que precisamos ver e ouvir. Obra que precisa ser reunida e levada ao público. Aqui fazemos apenas uma antecipação.
Apelo á pele
não deixes de arrepiar e tremer quando te tocarem
lábios, brisa ou outra pele
pelo apelo de ser pleno
vale arriscar a própria pele
apelo á pele
não te envergonhes ao enrugares pela erosão do tempo
não te inibas ao te expores frente ao aço ou calibre
assassino
não negues teu calor ao contato qualquer
pele, abre e recebe o sol por tuas grutas profundas
não sejas cútis, e resiste aos marketing da "maciez encantadora"
queima e racha quando te impuseres o trabalho árduo,
defende-te com calos quando te oprimires desumanamente
e, por favor,
ensina ao coração qual o mistério da cicatriz.
vento contra é pra voar mais alto
mais forte mais bonito mais leve,
vento contra é pra sair do chão e dar o salto
mais solto mais longe menos breve;
vencer a gravidade dos graves
instalar a gravidez do vôo sobre os entraves
vento contra é pra voar sem rumo
mesmo que a linha nos ensine o valor do prumo...
TT Catalão
sobre foto e filtro na torre de tv domingo 29 março 2008
TT CATALÃO
donde vim
pronde vou
importa mais
o q sou
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Poetas Tete Catalão e Antonio Miranda . Brasília 13/03/07
Foto: Juvenildo B. Moreira
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BRIC A BRAC 21 ANOS MAIOR IDADE. Brasília: Caixa Cultura, 2007. 112 p. ilus. col. 23x21 cm.. Exposição comemorativa . Curadoria e projeto expositivo: Marilia Panitz. Coordenação Geral: Luis Turiba. Inclui poemas visuais e arte gráfica. Inclui poemas visuais de Luis Turiba, Manoel de Barros, Paulo Leminski, Zuca Sardanga, Nanico, Franciso Kaque, Wagner Barja, Paulo Andrade, Antonio Miranda, Bernardo Vilhena, Paulo Cac, Ariosto Teixeira, Elizabeth Hazin, José Paulo Cunha, Fred Maia, Nicolas Behr, Claudius Portugal, Ronaldo Cagiano, TT Catalão, Francine Amarante, Adeilton Lima, Maria Maia, Ronaldo Augusto, Augusto de Campos, Arnaldo Antunes, José Rangel Farias Neto, Menezes e Morais, Cristiane Sobral, Eduardo Mamcasz, Vicente Sá, Nance Las-Casas, Bic Prado, Angélica Torres Lima, Flavio Maia, Ronaldo Santos, Joanyr de Oliveira, Sylvia Cyntrão, Carlos Roberto Lacerda, Carlos Henrique, Fernanda Barreto, José Edson, Vera Americano, Alice Ruiz, André Luiz Oliveira, Carlos Silva, Charles Peixoto, José Roberto Aguilar, Estrela Ruiz, Renato Riella, Chico César, Francisco Alvim, José Roberto da Silva, Eudoro Augusto, Amneres, Gustavo Dourado, Alexandre Marino, e ilustradores: Resa, e fotógrafos, etc.
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HÁ VAGAS para texto e traço. No. 2. Brasília: 1983- Revista. Capa: Chico Leite / Félix Valois. Com o apoio do Decanato de Assuntos Comunitários da UnB. Sul América Seguros. EMILIBRA – Empresa Litográfica Brasileira Ltda. Ex. bibl. Antonio Miranda
eles que se encaixem, se atochem, se arrochem
tanto emitem, quanto omitem
do subsídio ao suicídio: "estamos ajustando o povo
ao déficit" e nem o beat de pic-nic em pleno
dêja vu de sputnik aplaca tal apetite
eles que se rifem no trampo, se chifrem no grampo
e vivam pico em pique no trabuco do trambique
pro nosso ajuste de contas
eles fazem-de-conta
eles seguram as pontas
fazem as leis e elegem seus xeriffs
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