SÓTER
Nasceu em Catalão, Goiás, em 1953. Formação em Agronomia pelas Universidade Federal de Goiás e Universidade de Brasília. Exerce a profissão de publicitário.
José Luiz do Nascimento Sóter se apresenta como poeta marginal da geração mimeógrafo de Brasília. Professor da rede pública, coordenador da Associação
Brasileira de Radiodifusão.
Os textos de Sóter republicados em Renitência Lunar (Semim Edições) foram escritos em Brasília entre 1978 e 1998, “por isso retratam momentos vividos sob a tensão da censura e do totalitarismo obscurantista". Como lema da Oswaldiana “Amor com humor” e a Pessoana “Chega de heróis, quero gente” e como mote a poesia libertária de Mário Quintana. Nas entrelinhas e nos entretantos as transições dessas duas décadas de transformações mundiais”, confessa o autor. Nosso emblemático da poesia brasiliense dos anos de rebeldia e contestação.
Veja mais: http://soterpoesia.blogspot.com/2007/11/o-oculista.html
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eus
existe uma briga entre eu e mim
que fico de fora assistindo
pra assumir o vencedor
da propriedade
sou dono somente
do que finda
em mim.
hai-cai
Bashô o santo
a galera encalhou no cais
cheia de ais
bucolismo
meu pomar é Brasília
e não quero mais:
caminhar pela grama
passarinhar frutíferas por aí
passear pelos passeios da cidade
sentir-me leve
planando no solo
e ainda chegar a tempo
de viver
e ver no que dá.
anzóis sociais
falas do necessário
falo do possível
o real e o ideal
o sonho indica possibilidades
o libertário entre parênteses
o real reticente...
o estopim implantado
no meio da multidão
incrimina a mão defensora
os tiros metralhados contra a urbe
soltam uma cortina de fumaça
e impuniza a mão assassina
a mochila explosiva
na calada da noite
faz grita o Memorial.
o que fazer esse povo
crente na esperança
contra a malícia
maldosa da milícia?
27 de novembro
(badernaço)
tanto gás lacrimogêneo, cassetetes
tanques, ódios e tiros
que a coruja do Eixão-9-Norte
exilou-se:
o galho ensebado do pouso
o buraco solitário na rampa
o silêncio gritante ao passar-se:
o seu vácuo protesto
SÓTER. #Agrestina. Brasília, DF: 2016. 252 p. 10,5x14 cm Capa dura. “José Luiz de Nascimento Sóter”. Inclui uma caneta gravada com o nome de Sóter. Ex. bibl. part. Salomão Sousa.
menosprezo
o seu silêncio
quase explode
nos meus tímpanos
a solidão é um grilhão
que se carrega silenciosamente
em meio à multidão
reclame
Dói-me na alma
ver poemas atarracados
no peso das palavras
enquanto poetas flutuam
em golfadas de vaidade
não sei quem mais sofre
a palavra bruta
o poeta inflado
ou a poesia injustiçada.
pacto feito
se tens hérnia de disco
te cuido ao som de Ravel
se és bipolar
me aninho no equador
se não sou suficiente
me multiplico o bastante
SÓTER, José. Entre a terra e o concreto. Brasília: SEMIM “numas de ler”, 1983. s.p. 13,5x19 cm. Capa: Nice Gomes. Apresentação de Luz de Aquino Alves Neto.
Posfácio: Paulo Tovar. (EA) “ José Luiz do Nascimento Sóter “ Ex. bibl. Antonio Miranda.
ode às sqs
enquanto pito o meu pito
vou cantando:
fico em jejum
na cento e um
te encontro pois
na cento e dois
perco o pedrês
na cento e três
acho o seu retrato
na cento e quatro
piso com afinco
na cento e cinco
sintos ocês
da cento e seis
o caso se repete
na cento e sete
e corro afoito
pra cento e oito
você me comove
sentado na cento e nove
tristeza, invés
na cento e dez
bate forte e bronze
na entrada da cento e onze
e sofrer é dose
à saída da cento e doze
embora eu reze
me assombro na cento e treze
e saio de vez
pelas dezesseis
“numas de ler”
entre numas você também
Foto de Juvenal Pereira:
NICK, TOVAR E SÓTER
SÓTER. Fogo na Palha. Brasília: SEMIM, Sóter Edições Mimeografadas, 1981. s.p. (Coleção Gregório de Matos Guerra, vol. VIII) 11x16,5 cm.Ilustrações de Eurico, desdobráveis. Impresso com letras em verde e em azul. “ José Luiz do Nascimento Sóter “ Ex. bibl. Antonio Miranda.
tenho um pouco de mim
em cada um de vocês
como praga
rogada por bei j a-flor
e saibam que sou
que nem o pau-terra
que se contorce
se engrossa na casca
pra resistir a toda dor
e seja que sim
e seja que não
sem talvez
meio termo
ou corpo mole
que amo/e meu dispor
SÓTER. Início e fim (poesias) 09/78. Brasília: edição do autor, 1978? s.p. Informa: edição toda feita pelo autor. “Este livro é mais uma contribuição CCOPO à divulgação de trabalhos diretamente da fonte ao consumidor. Ele será distribuido onde houver aglomeração: porta de chous, teatro, cinema, rodoviária, feiras e outros”. “ José Luiz do Nascimento Sóter “ Ex. bibl. Antonio Miranda.
ESTÓRIAS QUE OUVI
Menino que brinca com fogo
mija na cama
Se acha ninho de conhan
quando cresce fica rico
mas, não pode passar
debaixo do arco da véia
senão vira mulher
Na quaresma não pode sair
depois da Ave Maria
pois, lá fora, na escuridão
se encontram o lobisomem
e a mula sem cabeça
que não pode ver
nada brilhante, como
olhos, dentes e unhas
a tuta e o saci pererê
E se aponta a estrela que cai
nasce verruga na ponta do dedo.
INPS
SÓTER. Navegante ao Léu. Artes: Zé Nobre. Brasìlia: SEMIM edições, 2011. 111 p.
Apoio SINPRO. ilus. col. “ José Luiz do Nascimento Sóter “ Ex. bibl. Antonio Miranda.
SÓTER. Ponto final. Brasília?: SEMIN produções, 1986. 76 p. 12x18 cm.” “ José Luiz do Nascimento Sóter “ Ex. bibl. Antonio Miranda.
SÓTER. Renitência lunar. Brasília: SEMIN Edições, 1998. 112 p. 10,5x18 cm. “ José Luiz do Nascimento Sóter “ Ex. bibl. Antonio Miranda.
dito
eu tinha um padrinho (nego) cego
um dia, no jantar, na fazenda
comendo rapidamente
ele parou para dizer:
"engraçado, né siô?
a gente pode erra tudo nessa vida
menos o buraco da boca!"
inventário
nasci que nem bezerro:
com as contrações da mãe
pelas mãos do proprietário
cresci que nem lavoura:
aproveitando os restos
da que já foi
vivo que nem curió
que lança o seu canto triste
através das grades da gaiola
quero morrer que nem cachorro velho
que sabe a hora
deita num canto
e deixa de respirar
SÓTER, José. Ver de Dentro (poemas). Brasília: Edições De Bar em Bar, 1989. 32 p. 10x15,5 cm. “Coleção comemorativa dos doze anos de “poesia marginal” ou de “geração mimeógrafo” de Brasília. “ José Luiz do Nascimento Sóter “ Ex. bibl. Antonio Miranda.
ninfa
sei que você é livre
uma gata livre
ronronando telhados noturnos
espantando o fantasma da solidão
e não cobro nada de você
além do seu olhar de lado.
o seu pula-pula
beija-floreando sonhos
me excita e me liberta
e não cobro nada de você
além do seu roçar natural
quando passa
passarinhando desejos.
SÓTER. Navegante ao Léu. Artes: Zé Nobre. Brasìlia: SEMIM edições, 2011. 111 p. Apoio SINPRO. ilus. col. “ José Luiz do Nascimento Sóter “ Ex. bibl. Antonio Miranda.
e agora
é que só te olho
com os olhos do presente
por isso
não vejo em ti
nada de diferente
sem título e sem futuro
o seu desamor
atrai outros braços ávidos
imãs de feromônio.
e sua desatenção
me revela ombros soslitários
onde desfazer-me de carências e
mágoas.
Membros do Grupo Lira Pau-Brasília: Sóter, Paulo Tovar e Nicolas Behr, anos 70 do século XX.
TEXTOS EM PORTUGUÊS – TEXTOS EN ESPAÑOL
SÓTER. Después. Brasília: Edições de Bar em Bar, 1987. 24 p. Traducción de Irene F. Becker. Capa de Eduardo Carreira. Impressão da capa: Oficina de Serigrafia. Edição bilíngue português – español. . “ José Luiz do Nascimento Sóter “ Ex. bibl. Antonio Miranda.
"lar doce lar"
meu pomar é Brasília
e não quero mais:
caminhar pela grama
passarinhar frutíferas por ai
passear pelos passeios da cidade
sentir-me leve
planando no solo
e ainda chegar a tempo
de viver
e ver no que que dá.
"lar dulce lar"
mi huerta es Brasília
y no quiero más...
caminar por la grama
pajarear frutales por ahí
pasear por los paseos de la ciudad
sentirme leve
planeando en el suelo
y aún llegar a tiempo
de vivir
y ver en lo que dá.
você foi mais que isso
talvez mais que aquilo
o que não sei precisar
mas, eu sei por exemplo
sentir cheiros de festa campesina
ao queimar da grama aparada
e fico feliz ao saber
que pelo menos você
tentou o que quis.
usted fue más que esto
quizá más que aquello
lo que no sé precisar
pero yo sé por ejemplo
sentir olores de fiesta campesina
al quemar de la grama podada
y me quedo feliz al saber
que por Io menos usted
intentó lo que quería.
transição
pelo retrovisor
o breu me persegue...
as paredes da noite
delimitam o mundo
à claridade dos faróis.
transición
por el retrovisor
la oscuridad me persigue.
las barreras de la noche
delimitan el mundo
a la claridad de los faros..
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CANDANGOIANOS, NA POÉTICA BRASILIENSE / organização José
Sóter. Capa: Sobre o quadro Campo de Espinhos, do artista
Lemuel Gandara (escrito com tinta do Pequi). Projeto gráfico do
capista Potyguara Pereira Netto. Miolo: projeto gráfico e diagramação
de Alex Siva. Organizadores: Sóter, Augusto Niemar, Salomão Sousa.
Brasília, DF: SEMIM 2024. 116 p. ISBN 978-85- 980743-6-4
No. 10 203
Exemplar biblioteca de Antonio Miranda, doação de Salomão Sousa.
SEMPRE
Sempre abdiquei de poderes
e sempre fui solitário
Com essa decisão
Sempre entendi os poderes
Como uma concessão
e... quem inventou o poder?!!
Ninguém, absolutamente!
Pode me conceder um poder
Ninguém acima de mim
De mim, ninguém abaixo.
Mas, descobri um poder que me seduz:
O da sedução.
Para mim, um poder duvidoso:
Será que a minha solidão
Há de atrair alguma seduzida?
Será que ideias libertárias
Atraem quem se submeta
A uma relação de trocas?
É, acho que sou o sem graça
Que não causa risos.
raízes
Não há saída
Que não seja
Pelas raízes
Tudo será artificial
Técnico e acadêmico
Sem raízes
O desafio popular
O medo da vida
Só, com raízes
As âncoras
A bússola
São as raízes
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Página ampliada e republicada em novembro de 2024
Página publicada em outubro de 2008; ampliada e republicada em julho de 2011. Ampliada e republicada em maio de 2015.
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