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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 





RONALDO COSTA FERNANDES



Tenho com o Ronaldo, além de sermos poetas, mais duas identidades: nascemos no Maranhão e vivemos longos anos na Venezuela. Daí a emblemática dedicatória que escreveu no exemplar de seu excelente livro Eterno Passageiro, no dia 10 de novembro de 2004, no lançamento da obra em Brasília: “Para o poeta, critico, teatrólogo, polígrafo, com a admiração venezuelana, a estima maranhense e o abraço brasiliense do Ronaldo”.

Affonso Ávila escreveu sobre o poeta: “mostra uma força verbal e um cuidado com a linguagem exemplar e surpreendente”.

Ingressa na página dos Poetas de Brasília por indicação do mestre Fernando Mendes Vianna.

 

TEXTO IN ENGLISH



RONALDO COSTROERNANDES
Ronaldo Costa Fernandes foi o anfitrião de uma das sessões magnas da I Bienal Internacional de Poesía de Brasília (3-7 set. 2008).

A IMAGINAÇÃO DOS BASTARDOS

 

Como serão os anjos na velhice?

Aqui onde a queda é ascensão

não duvido da existência

do hálito de Deus.

Somos as raízes mortas

cheirando a ferro,

respirando o incenso do monóxido de carbono.

As putas recolhem entre as pernas

a espécie sutil de réptil

seco de Johntex:

o pânico feito de elástico, músculo e noite.

 

 

VESTIDO DE FERRO

 

Tudo teu é de ferro:

bolsa, armário e escova de dente.

Teu vestido de betume

brilha um céu de gesso e espessura.

 

Os sapatos caminham léguas de carmim.

 

As lixas de unha limam a aspereza

dos amores fugidios,

estes amores de lama e rosa,

que enferrujam na lixa no tempo.

 

Os carretéis de linha

não bordam a vida,

é de náilon tua costura do medo.

 

E, por fim, teus perfumes

amargam a beleza fescenina

de nunca atingir o clímax

ou preferir a rigidez do aroma.

 

 

ANIMAL BARBADO

 

Este animal que se rasura

como quem raspa a orelha do porco

para a feijoada de fim de semana,

este animal feroz e matutino,

como um auto-retrato,

como seus olhos 3 x 4,

observa a paisagem da janela

e do outro lado do vidro

está ele mesmo,

é ele a paisagem que envelhece

cada vez que a freqüenta.

Este homem ao espelho,

gilete de martírios e angústias violáceas,

barbeia seu minuto e sua morte,

exasperada e afiada servidão,

a consciência espumosa da pequena guilhotina.

 

 

OUTUBRO

 

Odeio as geladeiras

que conservam corpos esquartejados;

as agendas que escrevem à mão o futuro.

Os cães daqui de casa latem para o sol

como os lobos para a lua.

Não são duas faces da mesma moeda,

mas as duas moedas da mesma face da vida.

 

Quero ser uno e dois,

aprender com a disciplina dos becos,

lá onde a saída é a entrada.

Quero ser estático e andarilho,

aprender com a disciplina dos rios

que se movem sem sair do lugar.

 

 

 

 

ALMANAQUE - CALENDÁRIO 2020  AGENDA POÉTICA.

Editor: Edson Guedes de Moraes. / Jaboatão, Pernambuco/: Editora Guararapes, 2020.  162 p.  ilus. col.  


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 





 

 

 

TERRATREME

Brasília:1977

 

O DESERTO

 

E vai o deserto comendo terra fértil

alargando sua plantação de grãos,

seu pasto de areia,

sua colonização de secos,

seu plantio de nada.

Na vastidão igual do arenoso,

erosão das águas e do vento,

o deserto — qual mercúrio no rio —

vai tomando o espírito

e cobre de areia tudo:

os móveis, a louça, as roupas

— bate nas janelas

                   com seu ô de casa

                   farinheiro

e, por fim, atinge o ânimo

que se esmirra, granula-se,

erode a avança a cada dia

dois palmos de vazio

que é a medida do pasmo

e o metro dos absenteístas.

 

 

MECANICISMO

 

Oh, as lavouras mecânicas,

fábricas de trigos,

usinas de legumes,

máquinas de frutas,

a lavoura artificial

dos que plantam

como que rega

                   um lírio de plástico.

 

 

De
A MÁQUINA DAS MÃOS
Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009

ISBN 978 857577 5639

 

 

AFOGADO

 

O mar, em sua ressaca,

vive em eterno vômito.

Cheio de algas e fantasia

devolve o que não lhe pertence.

 

E guarda em si o peixe

e o estômago embrulhado

e não devolve o navio naufragado

porque as embarcações

são árvores de ferro

que a tragédia plantou.

Em seus intestinos

de água em ebulição

só o náufrago ele rejeita

porque o náufrago

é uma outra caricatura mórbida

de um peixe

sem barbatana

de um peixe

sem guelra

o afogado é um corpo estranho

o afogado é, mesmo morto,

a presen9a da terra

na digestão salgada.

 

Tudo cabe no estômago

de água do oceano,

mas feroz e decidido

se recusa a digerir

o que é da terra

e não pertence ao desvario

piscoso das mares.

 

Assim também devolvo

o afogado que não pertence

á aquosa e uterina imaginação

de ânfora plena de liquens

e aflições de salitre

nada que não faca parte

do inconsciente marítimo

dos meus prazeres submersos.

 

 

AS PUTAS

 

E Deus disse e ganharás a vida

com o suor do teu rosto.

Depois ficou pensativo e concluiu:

não bem com o suor do rosto,

mas com outros suores que mais tarde entenderás.

Suores e gemidos de tal sorte

excretados não do fundo da vagina

mas dos grandes lábios que nada pronunciam

lá onde nada se ouve

como o eco do vazio

ou a cascata de um rio seco.

 

 

CANTO DO CASTIGO

 

Há dias que não consigo

aprender minha pouca matéria.

Só tenho um ano

repetente, oclusivo, recorrente:

o ano em que me reprovei.

Já fui mais

quando tinha menos corpo.

Se o corpo se alonga,

quem negará que a mente

ganha gordura, extensão e músculos?

 

Não soube me podar,

meus braços já não germinam.

Não tenho mais primaveras,

conto apenas o castigo.

Sou o último da sala vazia.

Escrever no quadro cada vez mais negro:

Meu erro é um zero ao quadrado.

Quando me fui buscar na escola,

não havia mais menino.

Um dia, quem sabe,

aprenderei a matemática das horas,

a geografia cheia de acidentes do meu corpo,

e a geometria da mente

fazendo do que sonhei e do que sou

retas que nunca se encontraram.

 

 

PROFISSÕES DO TEMPO

 

Descobri cedo as profissões do tempo.

De cara percebi ser ele ferreiro

e na chapa quente molda-lhe o homem

até tomá-lo frio e erro derradeiro.

 

No mármore que usa como escultor,

por um lado desenha a vida a lápis,

esboço rude que pode desaparecer,

talha enfim brusca a inesperada lápide.

 

Calculei quem sabe ser marceneiro

que gastasse as horas no entalhe,

enquanto cupim e traça esculpissem

na madeira o vazio que o bicho dá-lhe.

 

Ronaldo Costa Fernandes sendo homenageado na Biblioteca Nacional de Brasília,

Fotografia de Juvenildo Barbosa Moreira

Ronaldo Costa Fernandes sendo homenageado na Biblioteca Nacional de Brasília,
em 24 de abril de 2009, na série Tributo ao Poeta. 

 

 

TEXT IN ENGLISH

 

 

NEW BRAZILIAN POEMS. A bilingual anthology after Elizabeth Bishop. Translated & edited by Abhay K.. Preface by J. Sadler. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2019. 128 p. 16 x 23 cm. ISBN 978-85-7823-326-6 

Includes 60 poets in Portuguese and English.

 

Lastact 

- Ronaldo Costa Fernandes 

I like parks with no amusement.
My eyelids' curtains
close the last piece of the puzzle.
Sunday is a lazy word.
 

 

Ato do fim 

- Ronaldo Costa Fernandes 

Gosto dos parques sem diversão.
As cortinas das minhas pálpebras
cerram a última peça do quebra-cabeça.
Domingo é uma palavra preguiçosa.

 

Extraído de

 

 

POESIA SEMPRE  - ANO 9 – NÚMERO 15 – NOVEMBRO 2001.  Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2001.  243 p.  ilus. col.  Editor Geral: Marco Lucchesi.   Ex.bibl. Antonio Miranda

 

Solilóquio

 

Com quantos ferros
se faz uma manhã?

 

Pernas mecânicas,
bocas mecânicas,

o mundo mecânico dos elevadores
e da depressão.

 

Os objetos pendem como frutas

         —os objetos também amadurecem —,
a seiva dos ferros e madeiras.

 

A sala precisa ser podada

         —que jardineiro extirpará as ervas daninhas do sofá?

 

A tosse do motor de popa
—onde estão os barcos
na umidade dos prédios?

 

         Os peixes nadam na clorofila das venezianas.

 

 

 

O tempo

 

O   tempo e sua matéria
a máquina dos meus humores
tão rica e mineral
enquanto lá fora
a sonata dos desatinos
orquestra o boi que se estende no varal

 

O tempo e sua miséria

deus negro que não encontra o sono.

 

O tempo e sua morfologia

feita de nada e de tudo

como alguém que anda

com os calcanhares para a frente.

 

O tempo e sua bílis negra,
atrabiliário e perverso,
monstro do lago Ness,
ó profundeza feita de vazio.

 

O tempo e sua caixa de música
o lugar dos sons prisioneiros
que se escuta é o silêncio das horas
lambendo o ar rarefeito.

 

O tempo — animal que não envelhece,

nós é que passamos por ele

como alguém que acena de um ônibus

para a imobilidade saudosa

de um bar à beira da estrada.

 

Página ampliada e republicada em março de 2008; ampliada e republicada em junho 2009. P?gina ampliada em fevereiro de 2019

 

 

 

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