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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 FERNANDO PY – POÉSIE BRÉSILIÈNNE EN FRANÇAIS

PAULO JOSÉ CUNHA

PAULO JOSÉ CUNHA

 

É poeta, jornalista, professor e documentarista piauiense que nasceu no Rio de Janeiro e vive em Brasília. Publicou em 1984 seu primeiro livro de poemas, Salto sem Trapézio (Senado Federal, Coleção Lima Barreto, Vol. 5, Brasília) e 25 anos depois lançou o segundo, Perfume de Resedá, uma coleção de memórias prefaciadas pelo poeta H. Dobal, sob o selo da editora Oficina da Palavra, de Teresina. Participou das antologias Poesia de Brasília (org. Joanyr de Oliveira) e Mais Uns – Coletivo de Poetas (coord. Menezes y Moraes).

 

Publicou também dois livros de arte sobre a festa dos bois-bumbás de Parintins, Vermelho – Um Pessoal Garantido e Caprichoso – A Terra do Azul, além dequatro grandes edições de Grande Enciclopédia Internacional de Piauiês. Em 1978, lançou A Noite das Reformas, um livro-reportagemsobre os bastidores da votação da emenda que extinguiu o AI-5. Como jornalista trabalhou nas sucursais da TV Globo e de O Globo, Rádio Nacional e Jornal do Brasil, em Brasília. Atualmente é âncora de três programas na TV Câmara e leciona na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília.

 

Primo do tropicalista Torquato Neto, PJC recebeu do poeta H. Dobal o seguinte comentário pelos poemas de O Salto Sem Trapézio: “O jornalismo e a juventude lhe deram a possibilidade de usar temas e linguagem atuais, sem o perigo de cair no vulgarismo e no artificialismo dos modismos passageiros. E quanto a isto, sua poesia tem um aspecto único”.

 

Sobre Perfume de Resedá, H. Dobal, que faleceu em maio deste 2009, deixou registrado: “Uma das funções da poesia é desencantar lembranças, sujeita, no entanto, ao risco de tornar-se apenas uma prosaica enumeração. PJC cumpre esta função, evitando este risco. O seu mundo poético surge da poesia intrínseca das lembranças, realçada pelo poder que as palavras adquirem no contexto.” 

Página preparada por Angélica Torres Lima. 

 

De Salto sem Trapézio
1984

 

 

ESPAÇO

 

a moça e sua nudez transparente

na sala vazia

 

a nudez da sala

             branca

             vazia

 

dentro da moça outra sala

                              maior

                        mais clara

                          mais fria

 

 

 

RECEITA

 

 

não é por onde o sim

é ser por onde o não

desconser/tente o vácuo

experimente o salto:

(invente)

 

arquitetando acerte

o alvo errante

mas não se sente – avance

e desinvente o salto

até cravar o dente

na flor do instante

(tente)

 

   

 

CAVALO DE FOGO

 

um cavalo de fogo

percorre o céu da cidade

alumiando as veredas

os becos as alamedas

as praças e avenidas

os passos do cidadão

 

um cavalo de fogo

as patas feitas de ouro

circula pelas estradas

do céu na noite cinzenta

 

seu voar tem um motivo

uma razão pra seu ato

ele anuncia o boato

que certo deus anda vivo

 

 

 

CUNHA, Paulo José.  Perfume de resedá.  Teresina: Oficina da Palavra, 2009.  128 p. 14x21 cm.  Projeto gráfico de Antonio Amaral.  Col. A.M. (EA)

 

naquele tempo
a cidade ria
e acolhia o delírio de seus doidos de estimação
zé honório jaime-doido paca-preto nicinha
manelavião joaninha dondon
doidos respeitados e queridos
doidos mansos
bem assentados
na sala de minha avó
comendo pão com café
e contando histórias fabulosas

(vovó sazinha filosofava
que deus nosso senhor
criara duas nações de gente
uma
a dos doidos mansos
premiados com o delírio de flutuar eternamente
em odor de santidade
outra nação
a dos normais
condenados ao horror da sanidade
até purgarem as culpas
atingirem a purificação
e assim ganharem o direito de voar sem asas)

 

nas ampulhetas o tempo é físico
palpável
visível

em cima
o frágil

no meio
o efêmero

embaixo
o consumado

menos quando o vento
espalha a areia
e o tempo
reduz-se a pó

***

 

vem lá do fundo

fundo

do mais profundo

do oco do mundo

o sal desta lembrança

 

vem mais de baixo ainda

lá detrás do fundo

onde a memória é pouca

e o tempo é vento e passa

 

ali

no banco da praça

em que isabel esqueceu os olhos verdes

o amor nasceu do ovo da noite

e a noite flutuava no caos

onde dormiam as sementes das coisas

e estrepitavam trovões

na chapada do corisco

de onde eu vim

 

ali

onde o menino de pacatuba

cantou sobre a cidade adormecida

 

“meu lugar é minha vida

e esta noite é tão comprida,

tão antiga, ai de mim!”

 

 

INÉDITOS

 

 

SAUDADE 
 

saudade é minha mão

enxugando uma lágrima

no teu rosto

num fim de tarde 

(ausência de ti é pânico) 
 
 

A RECRIAÇÃO DA LUZ 
 

chegou triste

com olhos velhos

tinha febre frio e medo

um jeito distante

como distante trazia

o corpo (quase arrastado) 

foi-se aninhando

pássara assustada

(os olhos velhos velhos) 

um soluçar de antigos sofrimentos

lágrimas de paixões nunca esquecidas

homens suados

prazeres 

inteiramente só

a cabeça baixa

cabelos caindo no rosto

braços cruzados sobre o peito

e os olhos velhos 

falei de barcos e fugas

da atração da morte

e das mulheres esplêndidas

que nunca cruzaram

a esquina do meu coração 

tomou leite quente

algum conhaque

depois falou de angústias e traições

e sem saudade (até sorrindo)

lembrou de um passado inesquecível 

tinha medo do passado e do presente

(do futuro não falou) 
 

recordou sabores nunca renegados

mas que jamais mataram sua sede 
 

isto tudo falou assim

até que lhe beijasse os olhos

úmidos e velhos 

despediu-se com um ar distante

(como se não tivesse chegado)

apenas olhava o sofá a taça vazia o cinzeiro

e nos olhos velhos

havia o pedido

de um instante a mais 

então beijou-me

beijou-me um beijo lento

(menos que um beijo,

mais uma procura ) 

o beijo escorreu da boca

e foi descendo até os pés

e ali

ao som de uma canção antiga

(na certeza de que não iria faltar cigarro)

entre as roupas que foram

lentamente

recobrindo o assoalho da sala

eu vi

nela toda

acender-se uma luz 
 

 

 

O CASO DOS DOIS BEIJOS 
 

No tapete ao lado da cama,

hoje pela manhã,

encontrei dois beijos vadios

que se desprenderam à noite

de teus cabelos

e caíram no chão. 

Um deles (o mais tímido)

machucou-se um pouco na queda,

chora e só fala em voltar pra casa.

Já o outro, de uma família de saltimbancos,

em troca de dois vinténs

tomou o lugar de um dos meus. 

Agora, teu beijo saltimbanco anda comigo.

Faz piruetas dentro do bolso da calça,

e diz que nunca mais voltará pra casa. 

Enquanto isso o meu beijo, um andarilho,

fugiu e agora anda contigo.

Tem feito longas caminhadas pelo teu rosto,

se enrosca em teus cabelos,

escorrega pelo teu corpo,

pendura-se no bico de um seio,

vez por outra se esborracha no chão,

e, com um sorriso safado,

abre os bracinhos

e diz umas piadas sujas

que te fazem rir,

encabulada...  
 

 

NOTURNO 
 

Rush de faróis na chuva

Avenidas líquidas 

Automóveis mergulham

rápidos

no cristalino dos teus olhos 

Faíscas de luz estalam no asfalto 

Tremo de medo no alto

deste trampolim noturno

entre nuvens e estrelas 

Mesmo assim me atiro no vazio

Para a vertigem do mergulho

No cristalino dos teus olhos  
 

Confiteor 

Sou ator

e cada cena em que te amo

dura o tempo de um amor 

Sou atriz

e quando faço a meretriz

sou a mais devassa puta

do país 

Sou poeta

e quando escrevo

sou assim:

sem começo nem fim,

sem meta, sem mim 

Tarde 

agora é tarde

os pássaros

abandonaram os quintais

não sei se ainda te amo

ou se nem mais 

agora é tarde

(foi por um triz)

mas passa da hora

e a última perdiz

já foi-se embora 

é tarde, amiga

agora é tarde

já nem lembro mais

do verso daquela cantiga

e o pássaro de fogo

já não arde 

é tarde 

Galo  

No estandarte da crista,

a imponência de um marechal-de-campo,

o olhar superior, as esporas de aço.  

E assim,

imbuído dos mais alevantados propósitos,

o comandante-em-chefe dos quintais subordinados

ergue a voz de comando sobre o silêncio dos telhados,

estufa o peito recoberto de alamares e condecorações,

ordena o arquivamento da noite, revoga as disposições em contrário 

e declara aberta a manhã  

 

A ATRAÇÃO DO ABISMO


Súbito, o silêncio.

O ruflar das asas do condor sobre os quintais,

e o som de sua voz absoluta: 

 

- Já sabes a hora?

   E o dia, já sabes o dia?,

   ou vais deixar que o acaso te encontre

   fiando a tua covardia?

 

 

AMÉRICA, AMÉRICA

para Mayra

 

Estou de braços abertos

E tenho os olhos fechados

 

Estou no centro da noite

Estou sozinho no mundo

Estou sozinho na América

 

Escuto vozes distantes

Vêm da Península Ibérica

São hinos de reza ou guerra

São batuques d’além mar

 

Estou no centro da noite

Estou sozinho na América

E tudo gira ao redor

Estou sozinho no mundo

Ninguém ouve esta cantiga

E nada estanca esta dor

 

Ouço gritos, vozes d’África

Lamentos de degredados

Percutem baques de crânios

Na eterna noite da América

 

De onde vêm os soluços

Murmúrios do mar profundo?

 

Estou no centro da noite

Estou de braços abertos

Estou sozinho no mundo

Estou sozinho na América

 

ENQUANTO SEU LOBO NÃO VEM
 

Sigamos juntos, vamos de mãos dadas

Que apesar das noites, restam as madrugadas.

Sigamos de mãos dadas, vamos

Para algum lugar, longe daqui, sigamos.

 

Pois mesmo que o caminho seja escuro,

os muros sejam altos, e as arestas, afiadas

alguma luz se infiltrará nas frestas

e algo muito puro, que não sei o nome,

circulará por entre as mãos entrelaçadas

 

Vamos pela noite sem deixar pegadas

que a morte é certa; a vida, curta; e o mundo, enorme.

Me dá tua mão, sigamos juntos, vamos

que a rua está deserta e o monstro dorme.

 

FAST FOOD

 
Sem o afeto de mãos em oferta.

Apenas combustível,

carga rápida,

compacta munição.

 

A cada mordida,

rumor de máquinas

triturando receitas de família

moendo fornos de barro,

derretendo panelas de cobre,

incinerando colheres de pau.

 

Nada de conversas ao pé do fogo.

Nada de maledicências entre alquímicos temperos.

Nada de velhas cozinheiras provando o ponto da calda.

Nada de panelas sujas de fuligem.

Nada de cantigas tristes, dos tempos que não voltam mais. Nada de lembranças.

 

  -apenas-o-blim-blom-das-senhas-histéricas-rugindo-nos-painéis

  -e-as-rasantes-de-sanduíches-plásticos-em-bandejas-voadoras-

 

                                           Eh-lá! Eh-lá-hô!

 

  Um sabor eletrônico, único e bom.  

  A aurora do mundo futuro.

 

 

 

 

 

Extraído de:

BRIC A BRAC    21 ANOS   MAIOR IDADE.  Brasília: Caixa Cultura, 2007.  112 p. ilus. col.  23x21 cm.. Exposição comemorativa . Curadoria e projeto expositivo: Marilia Panitz.   Coordenação Geral: Luis Turiba.  Inclui poemas visuais e arte gráfica.  Inclui poemas visuais de Luis Turiba, Manoel de Barros, Paulo Leminski, Zuca Sardanga, Nanico, Franciso Kaque, Wagner Barja, Paulo Andrade, Antonio Miranda, Bernardo Vilhena, Paulo Cac, Ariosto Teixeira, Elizabeth Hazin, José Paulo Cunha, Fred Maia, Nicolas Behr, Claudius Portugal, Ronaldo Cagiano, TT Catalão, Francine Amarante, Adeilton Lima, Maria Maia, Ronaldo Augusto, Augusto de Campos, Arnaldo Antunes, José Rangel Farias Neto, Menezes e Morais, Cristiane Sobral, Eduardo Mamcasz, Vicente Sá, Nance Las-Casas, Bic Prado, Angélica Torres Lima, Flavio Maia, Ronaldo Santos, Joanyr de Oliveira, Sylvia Cyntrão, Carlos Roberto Lacerda, Carlos Henrique, Fernanda Barreto,  José Edson, Vera Americano, Alice Ruiz, André Luiz Oliveira, Carlos Silva, Charles Peixoto, José Roberto Aguilar, Estrela Ruiz, Renato Riella, Chico César, Francisco Alvim, José Robert o da Silva, Eudoro Augusto, Amneres, Gustavo Dourado, Alexandre Marino, e ilustradores: Resa, e fotógrafos, etc. 


BRASILIDADE : poesia e crônica para una sexagenária desamada.  [Antologia.] Menezes de Moraes (organização e microensaios). Edmilson de Figueiredo fotografias). Brasília, DF: Trampolim Editora e Eventos Culturais Eirelli, 2022.        231 p.   ISBN 978-85-5325-061-5                Ex.  bibl. Antonio Miranda    

 

 

 BRASILINHA

 Há quem te veja nave de aço, avião
mas te vejo ave de pluma,
asas abertas sobre o chão.

Há quem te veja futurista e avançada
mas eu recolho em ti a paisagem rural
lá de onde eu vim:
fazenda iluminada.

E quem declara guerra a teu concreto armado
nunca sentiu a paz do concreto desarmado.
Há quem te veja exata, fria, diurna e burocrática
mas te conheço é gata noturna, quente, sensual —  
enigmática.

Há quem te gostaria só Plano Pilotos, teu lado nobre,
mas eu também te encontro na periferia, teu lado pobre.
Há quem só te reconheça nos cartões postais
mas eu te vejo inteira. Planaltina,
cercada de Gamas, Guarás e Taguatingas.

Aos que só te querem grande — Patrimônio Mundial —
egoisticamente te declaro patrimônio meu, exclusivo:
Brasília minha
E, no teu bem-querer diminutivo, Brasilinha.



CANDANGA
a Paulo Bertran (1948-2005)

Candanga, a alma leve dos cerrados,
a moça e seus cabelos, nos longes de Goiás.
Candangos nossos filhos,
nascidos do teu chão.

A mão que te acenou de tão distante
foi quem prometeu que te faria.
Trocou o talvez por neste instante,
e a cidade assim se fez.

Candangos Vladimir, Bertran, Oscar, Sayão,
Candangos Lúcio, Vera, Nicolas, Bulcão
Candangos Teodor, Cássia, Renato, Catalão.

Misteriosos como os campos de cerrados
de longe, apenas troncos retorcidos
de perto, segredos revelados:

Água de mina, raízes, folhas, flores
beleza pura que explode por detrás
dos detalhes escondidos na aridez
da vastidão dos campos de Goiáss.


*

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Página publicada em abril de 2023


 

 

 

 

Página publicada em setembro de 2009; PÁGINA AMPLIADA EM JULHO DE 2017

 

 
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