PACO CAC
(1952-2013)
Nasceu no Rio de Janeiro em 1952. Formado em Letras pela UFRJ é professor de Literatura Brasileira e Portuguesa do CESB – Centro de Ensino Superior do Brasil, Valparaiso, Goiás. Foi editor da revista Gandaia (Rio de Janeiro, 1976-1980), co-editor da Urbana (1985-1991). É um estudioso e colecionador de revista literárias brasileiras.
Autor de Ajustes de Contas (Rio de Janeiro, 1977), O Pacífico é sempre Atlântico (Belo Horizonte, 1984), Coleção Primavera Verão Poesia (Rio de Janeiro: Tapete Verde edições, 1988), Pacto de Palavras (120 exemplares numerados, ilustração Sonia Cruz, 1993) e Pulso (Brasília: 2004, patrocínio FAC).
“Paco viveu tudo. Paco morreu tudo. Trinta anos, ou mais, de estrada. Todas as andanças, todas as paragens. Sofregamente. Paixões, náuseas, esperanças, vertigens. As suas e as nossas. Do corpo e do tempo. Mas, depois de tudo, o que fica não é a saciedade, a consciência aplacada, não é a pretensa sabedoria do vivido Não é a maturidade. Em Paco, não. Depois de tudo, o que brota é a inocência. É uma outra inocência. / “Áspera e macia, / fenda de sol e frescor / Sobre o pilar.” / É a inocência (não ingênua: lúcida) que percorre, ainda e sempre,
a bela Guanabara, sua e nossa, com um olhar inaugural, capaz de surpreender, por entre “mangues e palácios”, em meio às “vozes do fim”, o pulso insubmisso da cidade, “os sons de toda paz que se faz” — o perene “hino das manhãs”. Só um eterno suburbano como Paco poderia subir, como ele sobe, o outeiro da Glória e de lá do alto fazer a “deus dos céus”, como ele faz, uma belíssima prece pagã”
Luiz Dulci
ARTE POSTAL xerográfica de PACO CAC, original de 1986:
Extraídos de
PULSO
2004
Passado são sílabas
versos múltipla unidade
passadas palavras
passando essas páginas viradas.
Passeio com a saliva
passo com a língua molhada
Linha-folha-pele
gestos marcam a lembrança
dessa hora e mais nada.
***
Rogo a deus dos céus
Que tudo caia sobre mim
Raios, fragmentos de meteoros e fonemas
Trovoadas, maremotos e outros troços
Rogo a deus dos céus
Que tudo venha contra mim
Novenas, cavalhadas e poemas
Nuvens de gafanhotos e às centenas
Estrondo de tambores carnavais
Xico Chaves e Aimbarê
E lá foi o amigo
Cavalgar nuvens
Gargalhar raios
Falar trovões
Trepar estrelas.
Nos deixando a ver navios
Com o coração na boca
Cara de besta, numa tarde cinza
Esquina da Rua Real Grandeza.
Se foi a beber e bebe e beer e doa.
***
Garça sem asas
Pluma nenhuma
Ruínas a 100 quilômetros por hora
O bonde Alegria trilhando a Rua Bela
Trem metropolitano rumo à Estação Estácio
O tiro passa, vírus que se alastra
Farelos de Marte
***
Palavra (a)bru(p)ta.
palavra em riste
passarinho que chora
letras são seu alpiste.
***
Levo na bagagem
A camisa volta ao mundo
Já puída que me deste nos anos 60
E o destino que escolhi:
Detalhe que ninguém olha
Caçador de coisas utópicas
Mas guarde esses demorados beijos
Junto da sua vitrola
Vinho e tubo de cola
Porque daqui a pouco
Os sonhos podem se descolar da razão
***
escrevo porque é preciso
como um tiro
balido de cabrito
atrito
contrito
ruínas e ruídos
antigo mal dito repetido
todo silêncio neste grito
CAC, Paco. Na página. edição artesenal, capa papel kraft. Col. A.M. (EA)
arde
tudo azul na pele
tão alva como a lua cheia
clara como a praia
distante azul que nos clareia
tudo azul na pele branca
estrela na noite plena
Corumbá planeta Corumbá aldeia
azuis olhos que incendeiam
quando vago numa rua estreita
tua ausência nesta vida inteira
ar nos brônquios
coisa que se expande
fome
lembrança de palavras
ronco de estrelas
paz sem eternidade
praga de Atenas
esfinge devorando fígados
Édipo furando olhos
rastros
fumaça
sinais de tambores
toque de clarins saudando São Jorge ao alvorecer
sorriso da menina sentada numa pedra da cachoeira
azul piscina entre dentes
flores, musgos,
pele da adolescência
Extraído de:
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BRIC A BRAC 21 ANOS MAIOR IDADE. Brasília: Caixa Cultura, 2007. 112 p. ilus. col. 23x21 cm.. Exposição comemorativa . Curadoria e projeto expositivo: Marilia Panitz. Coordenação Geral: Luis Turiba. Inclui poemas visuais e arte gráfica. Inclui poemas visuais de Luis Turiba, Manoel de Barros, Paulo Leminski, Zuca Sardanga, Nanico, Franciso Kaque, Wagner Barja, Paulo Andrade, Antonio Miranda, Bernardo Vilhena, Paulo Cac, Ariosto Teixeira, Elizabeth Hazin, José Paulo Cunha, Fred Maia, Nicolas Behr, Claudius Portugal, Ronaldo Cagiano, TT Catalão, Francine Amarante, Adeilton Lima, Maria Maia, Ronaldo Augusto, Augusto de Campos, Arnaldo Antunes, José Rangel Farias Neto, Menezes e Morais, Cristiane Sobral, Eduardo Mamcasz, Vicente Sá, Nance Las-Casas, Bic Prado, Angélica Torres Lima, Flavio Maia, Ronaldo Santos, Joanyr de Oliveira, Sylvia Cyntrão, Carlos Roberto Lacerda, Carlos Henrique, Fernanda Barreto, José Edson, Vera Americano, Alice Ruiz, André Luiz Oliveira, Carlos Silva, Charles Peixoto, José Roberto Aguilar, Estrela Ruiz, Renato Riella, Chico César, Francisco Alvim, José Robert o da Silva, Eudoro Augusto, Amneres, Gustavo Dourado, Alexandre Marino, e ilustradores: Resa, e fotógrafos, etc.
CAC, Paco; CENA, M. Ajuste de contas.
Rio de Janeiro, RJ: Reproarte, s. d. Capa: Angela Mascelani.
Livro artesanal. Promoção: Asfalto Ponto de Partida – Gandaia
TEMPLOS
Lá fora
lá adiante dos
postes revelantes
Homens não entram
vozes mansas foram embora
voz do centro é quem manda
voz da porta nada pode fazer
/ ou pode ? ! /
O que se pode fazer quando
existe o negócio organizado ?
Os passos são constantes
corpos frouxos são constantes
a amargura é...
A noite não ameaça ninguém
A escuridão das ruas escuta
os corpos vem
eu também quero ir
mas as gargalhadas mostram
que tudo é feliz
Aqueles dois rapazes
que estão entrando agora
— não posso fazer nada, sinto muito
Os mercadores da arte
não fazem arte
só entra quem paga
todos calam e montam guarda
montam guarda dos seus terrores.
AÇÃO — CORAÇÃO
Os olhos atravessam a pele
e nas portas dos bares
homens de botas
não engolem a hora do almoço
Um homem uma mulher
bebem cerveja
procuram desvendar
a emoção e a razão
Os homens fixos
nas portas dos bares
aguçam os ouvidos
ansiosos de descobrirem
mais vítimas
O homem medita
a mulher questiona
o homem contempla
a mulher não ri
os dois juntos
tramam um para o outro
mas têm algo em comum
Página publicada em janeiro de 2008. Ampliada em julho de 2017- Ampliada em junho de 2018 |