OTÁVIO AFONSO
Otávio Afonso nasceu em Porto Velho (RO), em 1953. Quando morou em Salvador, publicou Sábado 13 horas (1978), poemas experimentais com Damário da Cruz e Márcio Salgado. Desde 1980 mora em Brasília, onde é Coordenador de Direito Autoral do Ministério da Cultura. Em 1980, venceu o Prêmio Casa de las Américas, do Governo Cubano, com o livro Cidade Morta, de poesias. Participa do disco Revivência, de Marluí Miranda, com a letra da música Imagens. Guarda inéditos vários livros de poesia.
AFONSO, Otávio. Cidade morta. La Habana, Cuba: Ediciones Casa de Las Américas, 1980. 52 p. 12x19 cm. “Premio Casa de Las Américas 1980 Poesía.” “Otávio Afonso” Col. bibl. Salomão Sousa.
trem da morte
apito de trem
roendo a alma
( ou o que dela
sobrou )
verme vermelho
ferrugem
no aro do tempo
tem ainda
a espreita da ronda
e o umbral da morte
tv-lândia
repare um instante
o galo não canta mais
não há quintais nem frutas
pelos cantos da cidade
repare só um instante
na pausa que a noite imprime
o silêncio mortal das crianças
e este zumbido eletrônico
que sobe pelas gargantas das paredes
disfarces
reter é se exaurir
correntes de duras pedras
nunca mais lições insuladas
na excisão de exausta memória
tenho no estreito vão do corpo
( a segregar tonta e pálida )
a estima débil pelos postes
onde a luz embuça o artifício
de aqui sofrer declinante dor
o que transita em tuas veias
é o sangue escuro do temor
a desfolhar em graves teias
as coisas simples dos homens
retenho
— por teimoso que sou —
as velhas cantigas de rodas
e confesso a moribunda sorte
de passar condescendente
sobre as sementes do asfalto
meu tempo
essa ampulheta
sobre a mesa da vida
mede o sussurro dos lábios
e a foice do tempo
essa mesma areia
que prende afunda
e queima
mais soterra o que
dela retiro
a toda ferrugem da morte
essa areia
nos vértices da alma
entre vultos de arcanjos
corrói o corpo
e promete a ardência do fogo
surdo compasso
procuro além do zodíaco
a poeira do teu rosto envelhecido
procuro aves e obeliscos
e sei do grave risco
que traz o anverso da pluma
no míssil que jaz
entre um silo e o silêncio
procuro no céu de maio
o manto branco de Deus
asa suspensa se batendo ao sol
e o distante azul das penas
mas súbito avançam
ogivas com asas de tântalo
semeando a simetria das órbitas
e o rebater dos laser-tipos
na entranha da gasta memória
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