NOÉLIA RIBEIRO
"Sofro da falta
e do excesso de tudo."
Pernambucana, mas se considera carioca. Começou a escrever aos 9 anos de idade, no Rio de Janeiro. Depois veio para Brasília, onde se graduou em Letras pela UnB. Depois de participar do livro "Salada Mista" com os poetas Sóter e Paulo Tovar, vem seu livro solo "Expectativa" (1982) e continua agora com "Atarantada", em 2009, pela Verbis de Brasília, de onde foram extraídos os seguintes poemas:
|
CÓDIGO DE BARRAS
A primeira foi o beijo.
Depois vieram a indiferença e as diferenças,
colocadas lado a lado.
Houve também melancolia
e desprezo velado.
Da mistura dessas barras impenetráveis
resultou o código do nosso amor chinfrim:
sem começo e sem fim.
VERSATILIDADE MATERNA
O filho grita,
a filha chora,
o gato mia,
o pai canta.
A mãe pede um minuto de silêncio
para fazer tudo isso ao mesmo tempo.
ALÉM DA RAZÃO
Lamento
mas não posso ser
cão de guarda
do seu querer.
Desejo escondido
não tarda, aparece.
Aí nem com reza forte
arrefece.
Por isso
deixe-o voar alto
além do que se pensa,
até o inexplicável,
sua maior recompensa.
DEVER DE CASA
A porta de minha casa
separa vontades e deveres.
Estes cumpro fielmente
enquanto o pensamento voa
demente.
À porta de casa,
ainda hesito.
Guardo as asas
e inicio o rito.
IN(L)IBIDO
A mancha branca marcou
o coração com passo lento.
E nada mais se ergueu
por algum tempo.
Nem mesmo a língua
acelerou seu batimento.
CEM POEMAS CEM MIL SONHOS; homenagem aos 50 anos da Passeata dos Cem Mil: maior manifestação popular contra a Ditadura Militar no país.
Organização: por Rodrigo Starling. Entrevista com Vladimir Palmeira. Belo
Horizonte: Starling, 2018. 176 p. 14 x 20 cm. Capa: Jackson Abacatu.
Ex. bibl. Antonio Miranda
O QUE OS OLHOS NÃO VEEM
O que os olhos não veem
o coração assente
A intuição denuncia
O que os olhos não veem
Os lábios asseguram
A língua prova e vicia
O que os olhos não veem
A mão delineia
Com agilidade estupenda
O que os olhos não veem
O vento captura
E o olfato desvenda
O que os olhos não veem
Encharca o corpo
Enaltece o espírito
O que os olhos não veem
Não está longe nem perto
Não é aquilo nem isto
O que os olhos não veem
Não precisa ser visto
DOMINGO NA PRAIA
Deitado sobre a areia
homem aguarda o mar.
Não presume o próprio
deserto porque tem em si
o mar de Sophia.
Sussurra o mar ao seu
ouvido o epílogo da vida.
Dias e horas de rabiscos na
página aberta do diário.
Os banhistas não reparam
a ausência do poeta nem
da poesia. Mais uma vez,
desperdiçam o mar.
RIBEIRO, Noélia. Escalafobética. Porto Alegre, RS: Vidráguas, 2015. 103 p. 13x19 cm.Prefácio: Leila Miccolis. Posfácio: Alberto Bresciani. Capa: Anna Mendes. “Noélia Ribeiro “Ex. bibl. Antonio Miranda
SOBRE OS OMBROS
Quando meus ombros
doem do peso de existir,
não consigo erguer os olhos
para contar estrelas.
Contento-me com as que
caem à minha frente
como sonhos banidos
do firmamento.
Minha casa
não tem janelas
em dias cinzentos.
O VÍCIO DA DOR
A dor que rasga o peito
cobre do poeta o leito
de sangue e lágrima e
esvazia a anima
antes cheia de paixão
para que outro refrão
da dor que já vício
irrompa no papel oficio
TÉDIO AMOROSO
Neste círculo vicioso
Cresce o vício
Da imutabilidade
De um amor que
Arregala meus olhos
E alaga meu corpo
Que circula
Que transpira
Que vicia
Que suspira
Que me mata
E me alivia
Que é igual
E é todo dia
Que é um momento
Que está em mim
Que é eterno
E está no fim
UM JEITO DE SER FELIZ
Tenho o vício de viver assim sem
Adereço
Esperando o balde para chutar
Inaugurar outro
Recomeço
E voltar ao ofício de ser
Feliz enquanto tudo é o
Avesso
MEU MOVIMENTO
Se o mundo
Girasse
Em sentido
Horário
Eu teria feito
Tudo
Ao contrário
RIBEIRO, Noélia. Espevitada. Guaratinguetá, SP: Editora Penalux, 2017. 106 p. 12,5x18 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda
PAQUERA
so sorry:
eu só
assim.
És só?
a fim?
ah, sim!
enfim, sóis...
INSIGHT
Depois de padecer em desalinho,
dei-me conta afinal
de que a grama do vizinho
é mais verde porque é artificial.
SEM AINDA
Perder sem antes ter
Partir sem chegar ainda
Sumir sem surgir de fato
Ir sem os olhos da volta
Morrer ainda embrião
Trapaças vis do coração...
ESPEVITADA
Espevitadas minhas pernas
minutos antes do voo
Espevitados odores, hálitos, gritos terminais
nesta cidade de muitos céus.
Espevitados ossos em guerra tântrica
sobre o tapete voador.
Espevitadas carnes rompendo os
Monumentais eixos da volúpia.
Espevitadas minha voz
nossa saliência
nossa fartura
nossa mais-valia
Espevitado esse algo-a-menos de mim
que te espera na quadra ao final do dia.
A CONVIVÊNCIA E A CHUVA
O síndico do meu prédio
desconfia do vizinho
que desconfia da mulher
que desconfia da filha
que desconfia do namorado
que desconfia do melhor amigo
que desconfia do patrão
que desconfia da funcionária do DRH
que desconfia da professora
que mora no meu prédio e
desconfia do síndico
Certamente, o síndico, o vizinho, a mulher,
a filha e a professora desconfiam de mim
Eu desconfio que vai chover...
1ª. BIENAL DO B – A POESIA NA RUA. 26 a 28 de Setembro de 2012. Brasília: Açougue Cultural T-Bone, 2011. 154 p. ilus. col. 17x25 cm.
elas
As mulheres loucas
andarilham roucas
entoando hinos
de prece e paixão
Se a farinha é pouca,
as mulheres loucas
reivindicam seu pirão
Ao beijar na boca
de seus paladinos
elas choram à mingua
de outra língua
que umedeça toda parte
Essas doidas varridas
doam seu quinhão
de vida
para sair de Vênus
e voar para Marte
DANIEL, Claudio. NOVAS VOZES DA POESIA
BRASILEIRA. Uma antologia crítica. Capa: Thiti
Johnson. Cajazeiras: Arribação, 258 p.
ISBN 978-85-6036-3333365-6
Exemplar biblioteca de Antonio Miranda
FOLHA EM BRANCO
O poema não vem
Rabisca seu trajeto na invisibilidade
A ideia metafórica
O movimento das rochas
As querelas entre rio e mar
As vogais de nossos corpos sobrepostos
O poema quer ficar sozinho
O poema tolera-se
ENTREMENTES
No deserto de Wenders, caminha a
urgência de temperança. Os
dentes afiados do
desamparo perscrutam a
dúvida e seu abismo
O tempo dança passos
impostores. Entrementes a
intimidade das línguas cala a
crueza das dores
ADEUS, POEMA
Flores amorfas em alto relevo
nas dobras do lençol
A melhor estrofe em túneis
de algodão de quinhentos fios
A chegada da arrumadeira
O cheiro de pinho
Os travesseiros em par
Dentro da gaveta
o desfecho
do espanto de Gullar
|
AÍ É QUE SÃO ELAS II – Poesia feminina atual. Organização: José Luz do
Nascimento Sóter. Apresentação por Claudine M. D. Duarte. Brasília, DF: SEMIM Edições, 2024. 183 p.
ISBN 978-65-980743-5-7
Exemplar da biblioteca de Salomão Sousa.
III
resumindo tudo:
o riso serviu
como escudo
IX
teu silêncio
é luz plena
em tua fala
extrema
XI
se o poema marinar
fica melhor
para devorar
IMPORTANTE
NO livro AÍ É QUE SÃO ELAS II estão outros poemas de
NOÉLIA RIBEIRO e de outras escritoras!!!
*
VEJA e LEIA outros poetas de BRASILIA – DF em nosso Portal:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/distrito_federal/distrito_federal.html
Página publicada em novembro de 2024.
*
Página ampliada em setembro de 2024
Página publicada em junho de 2010; ampliada e republicada em novembro de 2015. Ampliada e republicada em janeiro de 2018; ampliada em junho de 2019., AMPLIADA em novembro de 2020 |